terça-feira, 25 de novembro de 2025

A prisão de Bolsonaro é um sintoma de um problema muito maior, Rodrigo da Silva, OESP

 Todos nós lemos essa notícia no final de semana. Bolsonaro foi detido preventivamente pela Polícia Federal após tentar destruir a própria tornozeleira eletrônica.

Ele se tornou o quarto ex-presidente brasileiro preso na última década – ao lado de Collor, Temer e Lula – e o décimo na história da República.

Brasil prende um presidente, atual ou ex, a cada 14 anos (embora 6 dos 10 membros dessa lista tenham encarado a prisão em contextos de golpe, estado de sítio ou ditadura).

Para você

Não dá para negar que nosso histórico democrático é ruim.

Só 6 presidentes brasileiros eleitos pelo voto nos últimos 100 anos completaram o mandato:

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Eurico Gaspar Dutra

Juscelino Kubitschek

Fernando Henrique Cardoso

Lula

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Dilma

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Bolsonaro

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Mas Dilma sofreu impeachment no segundo mandato, e Lula e Bolsonaro foram presos após a presidência. Eurico Gaspar Dutra foi ministro da Guerra de Getúlio Vargas e participou da operação que levou ao fechamento do Congresso e à implantação da ditadura do Estado Novo. E se não dá pra dizer que a emenda da reeleição foi um autogolpe, também não foi um gesto de grandeza republicana: FHC usou o prestígio do cargo para mudar a regra em benefício próprio, num processo marcado por escândalos.

E esse é o nosso dream team. Todos os demais presidentes brasileiros eleitos pelo voto foram derrubados, renunciaram sob pressão ou tiveram o mandato interrompido.

Na verdade, quando nós julgamos nossa história, quase a metade dos presidentes brasileiros sequer foram escolhidos pelo voto popular – alcançaram o poder de forma indireta, por imposição militar ou pelo Congresso.

Para piorar, até 1989, nenhuma eleição presidencial brasileira contou com a participação de mais de 20% da população. Pode não parecer, mas nós estamos no período mais longevo de normalidade democrática já experimentado no Brasil, com recordes de participação popular na escolha dos nossos representantes – e dos sete presidentes empossados desde a redemocratização, quatro foram presos e dois foram afastados do cargo por processos de impeachment.

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É um péssimo registro, mas coerente com o lugar do mundo onde nós vivemos. A história da América Latina é a história da instabilidade política.

Entre 1907 e 1966, nossa região experimentou 20 golpes de Estado – uma média de um a cada três anos. Se nós considerarmos só o período entre a segunda metade do século 20 e hoje, pelo menos 34 golpes de Estado foram realizados na região.

Só a Bolívia viu 13 tentativas de golpes de Estado no século 20. Desde a independência, o Brasil sobreviveu a 9.

Em menos de um século, a Argentina foi marcada por seis golpes militares: em 1930, 1943, 1955, 1962, 1966 e 1976. Só em 1989, pela primeira vez em mais de seis décadas, um presidente civil argentino entregou o poder a um sucessor eleito.

E se as coisas melhoraram com o fim da Guerra Fria, a América Latina ainda viu 10 presidentes serem afastados pelo Congresso desde 1989.

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Nesse contexto, a prisão de Bolsonaro é um sintoma de um problema muito maior. Nós temos o hábito de eleger péssimas elites políticas, e sofremos duras consequências por causa disso.

Quando os economistas medem quantas vezes um país troca abruptamente de governo, eles percebem que isso cobra um preço bem alto no crescimento: se um país derruba governantes com frequência, cada troca está associada a uma queda de 2,4% de crescimento no PIB per capita.

Isso acontece, em parte, porque quando um país está preso a um clima de tensão – com greves, protestos e ameaças de golpe e impeachment –, quem tem dinheiro fica com medo do futuro, e com isso adia os investimentos, cancela projetos e manda o dinheiro para fora do país. A bagunça política vira bagunça econômica.

Uma parte importante de por que a América Latina cresce pouco é porque você não constrói refinaria, ferrovia ou rede de telecomunicação apostando num país onde cada governo novo ameaça reescrever as regras do governo antigo – ou cair na primeira crise política.

Com a instabilidade, o país passa a funcionar pior. Não é só que se investe menos em máquinas ou escolas. É que os contratos deixam de valer, e as reformas param no meio do caminho. Com isso, as empresas produzem menos, inovam menos e arriscam menos.

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E o impacto não fica preso ao presente. Alguns estudos mostram que, nos momentos de crise, muitas famílias tiram os filhos da escola para cortar gastos. Isso reduz as matrículas quando a crise começa, mas derruba a produtividade muito tempo depois que ela acaba.

Para piorar, como revelou o turco Dani Rodrik, professor de economia em Harvard, países politicamente polarizados e com instituições frágeis sofrem muito mais quando o resto do mundo piora. Não é inteligente viver em instabilidade.

Quando os partidos políticos são estáveis, o Judiciário funciona e as regras do jogo são respeitadas, um choque externo vira, no máximo, um período difícil: corta-se o gasto, ajusta-se o câmbio, o crescimento desacelera por alguns anos, mas com o tempo tudo volta ao normal.

Na América Latina, onde o sistema político vive quase sempre à beira do fim, o mesmo choque vira uma tragédia. O que poderia ser um ajuste temporário se transforma em calote de dívida, hiperinflação e colapso bancário. Qualquer vento contrário vira uma tempestade.

A literatura mostra que, se a América Latina tivesse a mesma estabilidade dos países desenvolvidos, poderia ter crescido algo como um ponto percentual a mais por ano nas últimas décadas.

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Pode parecer pouco, mas, em décadas, essa é a diferença entre um país de classe média baixa e um país de classe média.

Imagine que a renda média anual na América Latina fosse de US$ 10 mil por pessoa em 1980. Se essa renda cresce 2% ao ano, após 40 anos isso se transforma em US$ 22 mil. Com 3% ao ano, ela iria para perto de US$ 32 mil. Esse é o tamanho do estrago que a instabilidade política traz.

No fim, é isso que a prisão de Bolsonaro escancara. O nome mais popular da direita brasileira está atrás das grades. E este é só mais um capítulo de uma longa história de instabilidade institucional que atravessa fronteiras, séculos e regimes. Uma história que parece longe de acabar.

Foto do autor
Opinião por Rodrigo da Silva

É jornalista e criador do canal Spotniks, do YouTube. Em suas colunas, usa texto, vídeo, gráfico, mapa e fotografia para ajudar o público a entender os maiores eventos globais, com clareza e contexto.

Quem ocupará os milhões de novos empregos verdes?, FSP

 

Pedro Hartung

CEO da Alana Foundation e Diretor de Políticas e Direitos da Criança do Instituto Alana

Lideranças de todo o planeta, capitaneadas pelos esforços brasileiros durante a COP30, em Belém, debatem metas, ferramentas tecnológicas e fontes de financiamento para viabilizar a tão necessária transição climática em mitigação e adaptação.

Entretanto, mesmo diante da crescente importância dada ao tema e da significativa projeção de novos empregos verdes, um ponto essencial permanece invisível ao debate público: a educação baseada na natureza.

O mundo avança para uma economia de baixo carbono e de restauração ecológica. Estimativas como as do relatório Returns on Resilience (Retornos sobre a Resiliência), da consultoria Systemiq, apontam que países emergentes poderão gerar até 280 milhões de novos empregos verdes até 2035.

A imagem mostra um vasto campo de painéis solares dispostos em fileiras organizadas, cobrindo uma grande área de terra. O céu está parcialmente nublado, e a paisagem ao fundo é composta por uma extensão de terreno plano.
Imagem aérea mostrando as placas solares do maior parque de geração de energia solar da América do Sul, localizado em Janaúba (MG). A área é dedicada à produção de energia sustentável, com a pecuária cedendo espaço para a instalação das placas fotovoltaicas - Eduardo Anizelli/Folhapress

São vagas que exigirão profissionais que dominem as chamadas green skills —competências necessárias para criar e adaptar produtos, serviços e processos às transformações decorrentes das mudanças climáticas.

E, por sua combinação única de biodiversidade, agricultura tropical, estoques florestais e potencial de bioeconomia, o Brasil é o país mais bem posicionado do mundo para ocupar muitos desses postos. Há, contudo, um obstáculo primordial em nosso caminho: o déficit na formação em ampla escala desses profissionais.

economia verde requer profissionais capazes de compreender ciclos ecológicos, manejo de água, biodiversidade, agricultura sustentável, recuperação de ecossistemas e tecnologias verdes. Essa compreensão não surge de maneira repentina, no ensino técnico ou universitário.

Ela nasce no quintal da escola, na sombra de uma árvore, no plantio de uma horta, na observação de insetos, em projetos de ciência cidadã. É da experiência concreta com a natureza, logo na infância, que se constrói o repertório que sustenta a transição climática. Não protegemos ou criamos soluções para aquilo que não conhecemos e não amamos.

A realidade, no entanto, é bastante distinta. Crianças brasileiras passam, em média, menos de 2% do tempo ao ar livre, e muitas escolas, especialmente nas capitais, não têm uma única área verde. Esse "déficit de natureza" compromete saúde, atenção, aprendizado e, sobretudo, o vínculo das novas gerações com o meio ambiente.

No mercado de trabalho, o descompasso é semelhante. Profissões essenciais desse novo ciclo, como restauradores florestais, gestores de bacias hidrográficas, especialistas em soluções baseadas na natureza, técnicos em biodiversidade, guardiões territoriais, bioeconomistas, geógrafos, biólogos e agrônomos, ainda são subvalorizadas ou nem sequer reconhecidas formalmente —caso emblemático dos agroecólogos.

É preciso, portanto, atualizar valores, marcos regulatórios e uma cultura educacional que ainda coloca a natureza como um tema lateral. A Educação Baseada na Natureza (EBN) aponta um caminho possível: aprender com e na natureza, do berçário à universidade.

Isso começa com escolas que ofereçam sombra, árvores, hortas, água, espaço vivo —e com currículo e educadores preparados para transformar esses ambientes em oportunidade de aprendizagem.

Avança no ensino médio e técnico, quando itinerários formativos em energias renováveis, agroecologia, sistemas agroflorestais, gestão de resíduos, monitoramento ambiental e restauração ecológica ganham espaço.

Esses percursos educativos podem aproximar estudantes de problemas reais dos territórios, em parceria com institutos federais, SENAI, SENAR e universidades.

O movimento também se consolida no ensino superior, com o reconhecimento oficial da profissão de agroecólogo, a expansão de cursos em bioeconomia, florestas e clima, e o incentivo à pesquisa aplicada em tecnologias socioambientais.

Alunos ticunas durante aula do curso de Agroecologia da Universidade Estadual do Amazonas em Tabatinga. Esse curso foi criado pela universidade especialmente para atender os indígenas das comunidades da região - Lalo de Almeida/Folhapress

Nada disso avançará, contudo, sem o papel decisivo do Estado e um alinhamento entre agentes privados. O Senado tem a oportunidade de dar um passo decisivo, com a aprovação do projeto de lei 2.225/2024, conhecido como ECA Ambiental, que visa garantir o direito de crianças e adolescentes à natureza e estimula a adoção da EBN na rede de ensino.

A transição climática é inevitável. Já a transição de habilidades é uma escolha —e está atrasada. Se queremos ocupar os empregos verdes que despontam no horizonte, precisamos agir agora: mais natureza para as crianças e mais crianças na natureza. O futuro do Brasil —e do planeta— depende disso.