quinta-feira, 4 de dezembro de 2025

Supertrunfo constitucional, Hélio Schwartsman -= FSP

 

São Paulo

Brasileiros descobriremos em breve qual Poder detém o supertrunfo, se é o Judiciário, ao qual cabe sempre a última palavra em disputas legais, ou se é o Legislativo, que tem a prerrogativa de alterar as próprias regras do jogo.

O ministro Gilmar Mendes, do STF, deu mais uma esticada na corda da catimba constitucional ao decidir monocraticamente que só o procurador-geral da República pode propor o impeachment de ministros do STF, entre outras mexidas na lei 1.079/50.

Ministro do Supremo Tribunal Federal sentado em cadeira de couro marrom, vestindo toga preta e óculos, com mão no queixo em gesto pensativo. Bandeira do Brasil ao fundo.
O ministro Gilmar Mendes em sessão plenária do STF - Victor Piemonte - 31.ago.2025/STF

Se o clima em Brasília já era tenso por causa das recentes desinteligências entre Lula e Alcolumbre em torno de qual prerrogativa é de quem, ficou agora tempestuoso com a liminar que dilui o poder do Senado de enquadrar juízes do Supremo. A decisão vai ao plenário virtual do STF, mas dificilmente será revertida. Um trunfo que nunca decepciona no Brasil é o do corporativismo.

Paradoxalmente, é boa a peça escrita por Gilmar. A análise política é acurada, sobretudo nas partes que tratam do constitucionalismo abusivo (usar normas constitucionais para erodir a Constituição). Também destacaria o competente resumo da evolução do instituto do impeachment, do surgimento na Inglaterra do século 14 até sua inclusão na Constituição americana de 1787, de onde o mecanismo irradiou-se para as Cartas de diversos países.

Se Gilmar agisse na capacidade de cientista social, eu subscreveria sua análise. Ocorre que ele é também um ator político que tomou uma decisão escandalosamente "pro domo sua". Ele editou a versão pró-STF da natimorta PEC da Blindagem, pela qual parlamentares tentaram escudar-se de investigações criminais.

Com isso, o magistrado deflagra uma corrida armamentista que não tem como terminar bem. A investida do Judiciário não ficará sem troco do Legislativo. Mesmo que os dois Poderes evitem um confronto final, o resultado será desgaste institucional.

O Brasil caminha para tornar-se um curioso caso de país cuja democracia esmorece sem que haja mais um candidato a ditador tentando eliminar o sistema de freios e contrapesos.

A opacidade bilionária dos cartórios, FSP

 Maria Vitória Ramos

O Brasil é um país de contrastes extremos, onde instituições do século 21 convivem sem constrangimento com estruturas do século 16. No sistema de justiça, poucas são tão anacrônicas quanto os cartórios: criados pelas Ordenações do Reino de Portugal, ainda reproduzem a lógica colonial que lhes deu origem. A opacidade domina os mais de 13 mil cartórios espalhados pelo país, sustentando um ambiente de concentração de renda, ineficiência e captura de poder.

A distorção é tão grande que Bruno Carazza dedica um capítulo inteiro ao tema em "O Pai dos Privilégios". Apesar da exigência constitucional de concursos públicos desde 1988, muitos cartórios continuam, na prática, sendo herdados de pai para filho. O serviço é lento, caro e profundamente desigual. Como pode ser que algumas folhas de papel devam custar valores vinculados ao preço do bem envolvido? Segundo o livro, apenas em 2022, o sistema cartorial arrecadou R$ 23,4 bilhões, ou 0,25% do PIB.

Em 2021, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou resolução que obrigou os cartórios a divulgar, em seus próprios sites, um espaço denominado "transparência", onde conste dados sobre o valor arrecadado, a remuneração do responsável pelo serviço e as suas despesas.

Prédio do Conselho Nacional de Justiça, em Brasília
Conselho Nacional de Justiça, em Brasília, aprovou resolução que obrigou os cartórios a divulgar dados sobre transparência, mas fiscalização sobre o assunto engatinha - Rafa Neddermeyer -3.nov.23/Agência Brasil

A fiscalização sobre o assunto, sob responsabilidade dos tribunais estaduais, ainda engatinha. Nesse meio tempo, algumas informações já estão consolidadas no site do próprio CNJ, cuja análise permite constatar que a média mensal de remuneração dos titulares é de R$ 141.884,25, quase três vezes mais do que os já elevados supersalários dos membros do Judiciário e do Ministério Público.

Se a transparência em si já é um problema, os serviços não estão muito melhores. Embora, de fato, tenha ocorrido uma digitalização nos últimos anos com a criação de portais de serviços nacionais, muitos cartórios —em pleno 2025— ainda não aderiram a estes sistemas, obrigando o cidadão a ter que se deslocar presencialmente.

Muitos sequer possuem sites onde seja possível localizar adequadamente os tipos de serviços prestados, seus requisitos e preços. Este último, por sua vez, varia de forma gritante de estado para estado, em razão da ausência de regulamentação nacional sobre o tema por força do lobby liderado pela Anoreg (Associação dos Notários e Registradores).

De acordo com o TCU (Tribunal de Contas da União), a falta de comunicação dos dados de óbitos pelos cartórios ao INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) acarreta milhares de pagamentos irregulares a pessoas já falecidas. Este fato já havia sido objeto de denúncia pela Fiquem Sabendo, que em 2023 resultou em determinação ao INSS para que fiscalizasse e multasse os cartórios que não forneciam as informações conforme determina a Lei Geral da Previdência Social.

Não bastasse tudo isso, apesar de ser urgente a desburocratização para facilitar a vida de pessoas comuns e empresas, o forte lobby do setor é tão grande que o projeto de novo Código Civil, atualmente sob análise do Senado Federal, é tão generoso com a área que chegou a ser apelidado de "Código dos Cartórios" em razão da quantidade de atribuições que confere aos registros públicos.

Ainda que, em tese, traga mais segurança jurídica à economia, precisamos sem demora passar a exigir mais transparência, eficiência, padronização e prestação de contas ao setor. O CNJ precisa estabelecer mecanismos de controle e fiscalização mais rigorosos, exigindo a divulgação de informações organizadas, centralizadas e em formato padronizado. Por fim, é urgente a unificação nacional das tabelas de emolumentos e a desvinculação do valor do serviço do valor do bem.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2025

Mônica Bergamo - Fenaj e sindicatos condenam chegada de Datena à EBC, FSP

 A Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e os sindicatos dos jornalistas do Distrito Federal, do município do Rio de Janeiro e de São Paulo vão divulgar uma nota de repúdio contra a contratação de José Luiz Datena como apresentador da EBC (Empresa Brasil de Comunicação), ligada ao governo federal.

Como mostrou a coluna, Datena comandará um talk show semanal na emissora e terá também um programa diário na Rádio Nacional, que faz parte do conglomerado de veículos da empresa.

O presidente Lula e Datena - Ricardo Stuckert/Divulgação

Na nota, as entidades afirmam que, em sua trajetória, o apresentador "consolidou um tipo de jornalismo marcado pelo desrespeito sistemático aos direitos humanos e pelo proselitismo político —práticas vedadas pela legislação que rege a comunicação pública e que criou a EBC."

O convite a Datena foi endossado pelo próprio Lula (PT), que o recebeu na segunda (1º) no Palácio do Planalto. Os dois são amigos há várias décadas.

Para a Fenaj e os sindicatos, a contratação do apresentador demonstra a "ausência de um projeto consistente para a comunicação pública federal".

As entidades afirmam que denunciam o desmonte na EBC desde 2016. "No governo Bolsonaro, enfrentamos tentativas de privatização e censura." Dizem também que, após três anos de gestão Lula, pouco se avançou na valorização profissional e reestruturação da empresa.

À coluna, Datena disse que o fato de a EBC ser vinculada ao governo não impede que ele mantenha a autonomia que sempre teve em todas as empresas que trabalhou. "Eu sempre fui independente. E inclusive enfrentei problemas por causa disso. Não iriam agora me convidar para ser tendencioso. O meu papel será sempre o de jornalista, e todos sabem disso", afirmou.

A ideia é que o seu programa semanal tenha convidados de alto nível para falar sobre os mais variados temas —entre eles, segurança, área em que atua como jornalista há muitos anos. A atração estreia em janeiro.

com DIEGO ALEJANDRO, KARINA MATIAS e VICTÓRIA CÓCOLO