quinta-feira, 27 de novembro de 2025

Delações na Máfia do ICMS citam varejistas e ao menos 15, Metropoles

 O acordo de delação do fiscal da Secretaria de Estado da Fazenda de São Paulo (Sefaz-SP) Artur Gomes da Silva Neto com o Ministério Público de São Paulo (MPSP) está em fase de análise das provas apresentadas pelo auditor. Silva Neto é apontado como o principal operador do esquema de fraude tributária que beneficiou varejistas como a Ultrafarma e a Fastshop em troca de R$ 1 bilhão em propina.

Os promotores ainda veem problemas no acordo no que diz respeito ao patrimônio do fiscal e desconfiam de que o investigado esteja omitindo parte de seus bens. A desconfiança pode adiar ainda mais o acordo — havia uma perspectiva de que fosse firmado nas primeiras semanas de novembro.

Somada às informações obtidas em outras oitivas do caso, a delação de Silva Neto deve colocar ao menos 15 auditores fiscais paulistas na mira do MPSP, além de diretores e integrantes do alto escalão da Sefaz-SP, outros empresários varejistas e do setor de combustíveis.

Dois dos fiscais envolvidos estão presos em Tremembé. Além do próprio Silva Neto, o outro é seu “comparsa” Marcelo de Almeida Gouveia, que operava na 14ª Delegacia Regional Tributária (DRT), em Osasco, na Grande São Paulo, uma das três principais regiões onde o esquema esteve concentrado. Além dela, outras duas delegacias também estão no centro da fraude tributária: a Delegacia Regional Tributária da Capital (DRTC-III), do Butantã, e a 12ª DRT do ABC, com sede em São Bernardo do Campo.

H

O advogado Paulo Cunha Bueno, que defende Silva Neto, disse que não irá se manifestar sobre o acordo de delação neste momento “em respeito à cláusula de confidencialidade”. A defesa de Gouveia alegou que “as acusações não são verdadeiras e ele sequer sabia da existência dessa Smart Tax. Infelizmente o Ministério Público usa e-mails antigos como se fossem atuais para justificar uma inexistente participação”, afirmou em nota.

As delações também apontam para os seis fiscais que foram afastados pelo governo de São Paulo no fim de agosto: Artur Takefume Hamanaka, Fernando Kenji Iwai, Marcel Ono, Maria Cecília Grava Trentini, Maria da Conceição Rodrigues Fabaro e Selma Laltuf da Costa.


Relembre o caso

  • O Grupo de Atuação Especial de Repressão aos Delitos Econômicos (Gedec), do MPSP, deflagrou a Operação Ícaro em 12 de agosto, que prendeu 6 pessoas e milhões de reais em bens, relógios de luxo e esmeraldas.
  • Além dos fiscais Silva Neto e Gouveia, os empresários Mário Otávio Gomes, da Fast Shop, e Sidney Oliveira, da Ultrafarma foram presos. Sócio de Silva Neto, Celso Éder Gonzaga também foi detido.
  • Gomes e mais dois sócios da Fast Shop firmaram um acordo de delação com o MPSP. Sidney foi solto sem ser denunciado. Os demais detidos seguem presos.
  • Celso Éder era sócio de Silva Neto no DacPay (também chamado de Dac Bank), um banco falso, que se fez valer do registro de outra instituição financeira no Banco Central (BC) como lastro. A suspeita é de que o Dac tenha sido usado para lavagem de dinheiro.
  • O esquema consistia em antecipação e aumento de créditos de ICMS às empresas. Por vezes, os créditos eram vendidos, o que não é crime, mas o grupo investigado pode ter intermediado essas vendas, de forma ilegal.
  • Em troca das vantagens tributárias, as beneficiárias pagaram propina aos auditores. O dinheiro era justificado por notas emitidas pela Smart Tax, empresa registrada em nome da mãe de Silva Neto, Kimio Mizukami da Silva. A Smart Tax emitiu mais de R$ 1 bilhão em notas.

O “homem de confiança” de Sidney

Um dos auditores delatados é o ex-fiscal Alberto Toshio Murakami, que se aposentou em janeiro. Ele é tido como “homem de confiança” de Sidney Oliveira, o dono da Ultrafarma, que chegou a ir preso, mas foi solto sem que fosse apresentada denúncia contra o empresário.

Depois da aposentadoria, Murakami foi morar nos Estados Unidos, o que dificultou que as autoridades chegassem a ele e conseguissem extrair mais informações do investigado. Por isso, as informações da delação de Silva Neto terão novas provas sobre como funcionava o método do suposto pagamento de propina de Oliveira aos auditores, um aspecto essencial para a fundamentação de uma eventual denúncia contra o empresário.

O MPSP aponta Murakami como o responsável por apresentar Paulo Gaieski, dono da Rede 28, de postos de combustíveis, à Smart Tax. Gaieski é acusado de ter pago R$ 6,6 milhões em propina. A reportagem não conseguiu contatar a defesa do investigado.

quarta-feira, 26 de novembro de 2025

Quando você o viu pela última vez?, The News

 

(Imagem: Netflix)

Aos poucos, o dinheiro vivo tem sumido do bolso. Cartões e apps de pagamento têm tornado notas e moedas algo do passado.

🇺🇲 Nos EUA, 60% das pessoas que ganham mais de US$ 100 mil por ano não usam dinheiro em espécie;

🇧🇷 No Brasil, o uso frequente de cédulas despencou de 43% em 2019 para apenas 6% atualmente.

Os lados positivos: Redução do custo de imprimir, transportar e proteger cédulas e aumento da segurança na movimentação do dinheiro.

Os lados negativos: O hábito de deixar um trocado no chapéu do artista de rua, de doar para um sem-teto ou até comprar um lanche com ambulante virou algo mais burocrático e raro sem o dinheiro vivo — impactando a vida desses grupos.

Curiosamente, mesmo com um menor uso no dia a dia, ainda há +7,5 bilhões de cédulas e +30 bilhões de moedas em circulação na nossa economia, totalizando mais de R$ 350 bilhões em dinheiro vivo por aí.

Os estertores do bolsonarismo, Por Christian Lynch - MEIO

 A alternância entre conservadores, liberais e socialistas é constitutiva da democracia: conforme as circunstâncias, o eleitorado reage reforçando ordem, liberdade ou igualdade. O que singularizou o bolsonarismo foi a crise de representatividade do sistema inaugurado em 1988 — a erosão do presidencialismo de coalizão, a saturação da maré progressista dos anos 1990 e 2000 e a simultânea crise global da última onda de globalização. A direita, reduzida ao silêncio desde meados dos anos 1990, voltou a tomar forma num ambiente de descrédito das instituições.

Sem lideranças conservadoras carismáticas dentro do sistema político, a direita ressurgiu à margem dele, numa modalidade reacionária, difusa, disruptiva e anti-institucional. Não foi um renascimento organizado, como o progressismo durante a ditadura, que combinava grupos antigos e novos sob instituições e movimentos sociais. Ao contrário: surgiu sem partidos, sem enraizamento social, sem continuidade com o conservadorismo histórico brasileiro — articulada quase exclusivamente pelas redes sociais. A ausência de estrutura impediu o surgimento de lideranças orgânicas, abrindo espaço para que Bolsonaro ocupasse o vácuo como símbolo improvisado dessa nova direita.

O bolsonarismo jamais atingiu a densidade, capilaridade ou solidez do lulismo

Desde cedo, seus apoiadores tentaram vendê-lo como um “Lula de direita” — uma inversão caricata, reforçada pela incapacidade dos setores conservadores mais radicais de imaginar algo diferente da restauração de um passado idealizado. Essa estratégia imitativa nunca rendeu frutos: o bolsonarismo jamais atingiu a densidade, capilaridade ou solidez do lulismo. Foi espuma: um rótulo carismático para um movimento sem ossatura.

Bolsonaro nunca possuiu estofo de liderança. Não comandou nada, não formulou nada, não projetou nada. Foi sempre um deputado reacionário, histriônico, sem ideias, sem preparo, sem experiência administrativa, que construiu notoriedade explorando o reacionarismo como meio de enriquecimento pessoal e familiar. Tornou-se um fenômeno midiático, fabricado por influenciadores da ultradireita como “lacrador” irresponsável e debochado, cuja função era tensionar a ordem democrática, não construir alternativa para ela.

Isso não significa que parte do eleitorado não buscasse representação legítima de valores conservadores. Buscava — e encontrou em Bolsonaro um para-raios, não um líder. Mas ele foi um catalisador ruim: jamais correspondeu aos próprios valores que dizia encarnar. Foi mau pai, mau marido, mau cidadão, envolvido com criminosos, volúvel em religião, desprovido de integridade moral — um embuste para os que desejavam conservadorismo sério.

Eleito numa conjuntura excepcional — típica das crises de representação que o Brasil vive a cada trinta anos —, catalisada ainda pela Lava Jato e pela retirada do candidato mais competitivo, Bolsonaro governou sem programa, sem direção, sem projeto, limitando-se à destruição simbólica preguiçosa do existente. Seu governo foi uma combinação de despreparo, irresponsabilidade, histrionismo, autoritarismo e incompetência.

Organizou um governo familiar, doméstico, regido por lealdades privadas, sustentado por filhos, parentes, policiais de baixa patente, militares ressentidos e milicianos. Eram amadores que acreditavam poder governar por WhatsApp, ignorando instituições e constrangendo tribunais e o Congresso. Depois tiveram de aceitar militares mais graduados e, por fim, o próprio sistema político que desprezavam. Mesmo assim, com todos os instrumentos de poder, não conseguiram criar sequer um partido próprio. Derrotados nas urnas, tentaram prolongar seu governo por meio de um golpe de Estado.

Numa conjuntura normal, Jair, Flávio, Eduardo e Michelle seriam políticos provincianos de terceira linha

Atribuir a derrocada do clã à perseguição institucional é ignorar a combinação de arrogância e incapacidade que sempre o caracterizou. Sem qualidades intelectuais ou morais, confundiram acaso com destino e acreditaram-se predestinados. Numa conjuntura normal, Jair, Flávio, Eduardo e Michelle seriam políticos provincianos de terceira linha. A conjuntura os elevou; o fim da conjuntura os devolveu ao que sempre foram: um clã disfuncional, interesseiro e inepto, cuja vocação é criar confusão, não governar.

A direita institucional — o Centrão — jamais aceitou sua liderança. Quer apenas apropriar-se do seu capital eleitoral para lançar um candidato próprio, enquanto deixa a família retornar ao esquecimento. O clã, incapaz de reconhecer a natureza acidental de sua ascensão, insiste em preservar sua centralidade e, a cada tentativa, produz mais uma trapalhada: tentativas risíveis de golpe, apelos estrangeiros, fugas, bravatas digitais — sempre movimentos grandiosos seguidos por fracassos proporcionais.

É assim que se define o quadro eleitoral do próximo ano no campo da direita: o clã Bolsonaro tenta garantir lugar na chapa; o establishment quer excluí-lo. A família deseja anistia e indulto sem oferecer nada em troca além da velha arrogância. Se o processo seguir assim, a direita chegará dividida — ou carregará um Bolsonaro, que preferirá ser derrotado a ceder lugar a quem não pertença ao clã. Como observei no início, não será simples aos historiadores explicar como a ressurreição da direita brasileira foi sabotada pelos que imaginavam ser seus principais representantes.