Não é segredo para nenhum morador da metrópole que os eventos climáticos extremos pioram a cada ano. Em setembro tivemos um assustador, que além de levar as habituais quedas de árvores, também arrancou as janelas de um prédio no centro. E, recentemente, um inédito, segundo os meteorologistas, com ventos de quase 100 quilômetros por hora sem tempestades, em céu azul, que gerou o caos em São Paulo, com milhões de domicílios sem energia elétrica, morte e muitos danos.
Em época pós-COP, muito se falou em mudanças climáticas globais, quase nada de cidades e menos ainda de mudanças climáticas regionais, aquelas causadas pela falta de vegetação e excesso de impermeabilização dos centros urbanos, geradoras das ilhas de calor que, conforme evidências científicas, potencializam os eventos climáticos extremos.
Desde a década de 1970 não somos mais a "terra da garoa", de clima ameno, mas cada vez mais a "terra das tempestades extremas". Nesse cenário ameaçador de mudanças climáticas, temos possivelmente uma única boa notícia, a capacidade de interferência.
Diferente da global, na regional podemos atuar diretamente, e uma das soluções pode ser simples: plantar e cuidar de árvores na malha urbana, mas não como tem sido feito há décadas, considerando um assunto de menor importância, quase decorativo.
Precisamos esfriar a temperatura da cidade, regular seu clima, trazê-la mais próximo da garoa dos nossos avós, e para isso é necessário mudar mentalidades, vontades políticas e, principalmente, investimentos.
Urge dotar a arborização urbana com recursos compatíveis com o que se chama de "infraestrutura urbana essencial", assim como obras viárias, água, esgoto, luz. Temos que plantar de forma técnica-científica milhões de árvores nativas de médio e grande porte, sombrear todo o asfalto, colocar legalmente calçadas e arborização viária como responsabilidade única e exclusiva do município, plantar entre vagas de veículos como já feito em Paris e Berlim e pulverizar florestas nativas nos bairros para transformar a cinzenta imagem de satélite da metrópole com muito verde entremeado.
Ao mesmo tempo, é preciso começar a cuidar de verdade das árvores já existentes, removendo o concreto e muretas que enforcam troncos, tratar doenças, trocar espécies inadequadas plantadas sem fiscalização e acabar com as podas mutiladoras de galhos grandes, substituindo-as pelo cuidado periódico da "poda de formação" em galhos jovens e facilmente cicatrizáveis pelas árvores.
As podas, hoje maior reclamação da população, muitas vezes comprometem a saúde e o futuro da árvore, ao contrário do que os paulistanos acreditam. Penso que necessitamos de uma Secretaria Municipal de Arborização Urbana para não só plantar, mas com profissionais bem equipados para garantir a saúde e cuidados com árvores, junto com uma campanha de educação ambiental aos cidadãos.
Dessa forma, conseguiremos atacar dois problemas: maior resiliência e regulação das mudanças climáticas, e uma diminuição da queda de árvores enquanto não se consegue enterrar a fiação elétrica aérea, que tem se mostrado incompatível com os eventos climáticos extremos. Temos postes em São Paulo há mais de um século, e quase nada foi feito nesse sentido por todo esse tempo. Agora, para enterrar toda essa fiação, a conta é multibilionária.
Não há outra medida: não somente árvores atingem as redes elétricas aéreas nas tempestades, mas também fragmentos de construções e telhados. E até nesse aspecto uma arborização densa e com árvores grandes ajuda nos protegendo, reduzindo a velocidade, energia e rajadas do vento que atinge as edificações e estruturas urbanas.
Se não tomarmos providências eficazes perante esse desafio climático inédito na cidade de São Paulo, poderemos chegar, em breve, a quadros drásticos como eventos climáticos extremos em semanas consecutivas, seguidos da falência da capacidade do sistema de reparação elétrica, levando a dezenas de dias sem energia elétrica e todas as suas consequências caóticas.
Na situação atual em que chegamos, o negacionismo não é uma opção.
