segunda-feira, 29 de dezembro de 2025

Nem robôs nem altos custos: técnica brasileira inova cirurgia do câncer de próstata no SUS, g1

 O câncer de próstata é o tumor mais frequente entre homens no Brasil, excetuando-se os cânceres de pele não melanoma. Diante desse cenário, a busca por técnicas cirúrgicas eficazes, seguras e acessíveis torna-se um desafio estratégico para sistemas de saúde públicos e privados.

A prostatectomia radical — cirurgia que remove completamente a próstata com intenção curativa — evoluiu substancialmente nas últimas décadas. A evolução foi impulsionada por avanços tecnológicos e pelo refinamento do conhecimento anatômico. No entanto, a incorporação dessas inovações ainda ocorre de forma desigual entre países e instituições.

Nos anos 1980, o urologista Patrick Walsh revolucionou a cirurgia ao demonstrar ser possível preservar os feixes nervosos responsáveis pela ereção. A técnica reduziu complicações e melhorou a qualidade de vida pós-operatória.

Na década de 1990, a laparoscopia representou novo salto, ao permitir incisões menores e recuperação mais rápida. Contudo, a elevada complexidade técnica e a longa curva de aprendizado dificultaram sua disseminação, sendo plenamente dominada apenas por poucos cirurgiões.

Revolução da robótica

A introdução da cirurgia robótica nos anos 2000 alterou esse panorama. O sistema da Vinci ampliou a precisão dos movimentos, ofereceu visão tridimensional e facilitou a execução da prostatectomia laparoscópica.

Entretanto, o custo extremamente elevado do equipamento — somando aquisição, manutenção e instrumentais descartáveis — limitou sua expansão em países de renda média, como o Brasil.

Ainda assim, estudos científicos demonstram que os resultados oncológicos e funcionais da cirurgia robótica são equivalentes aos obtidos pela cirurgia aberta tradicional. Sua principal vantagem reside na recuperação mais rápida.

Manter hábitos saudáveis e prática regular de atividades físicas ajuda a reduzir o risco de câncer de próstata. — Foto: Dr. Valter Gouvêa/Assessoria

Manter hábitos saudáveis e prática regular de atividades físicas ajuda a reduzir o risco de câncer de próstata. — Foto: Dr. Valter Gouvêa/Assessoria

Inovação sem tecnologia dispendiosa

Foi nesse contexto de desigualdade tecnológica que uma equipe do Hospital Universitário Pedro Ernesto (Hupe-Uerj) decidiu enfrentar uma pergunta crucial.

Seria possível incorporar os benefícios da cirurgia robótica — melhor visualização, dissecção mais precisa e preservação anatômica — à cirurgia aberta, sem recorrer a tecnologias dispendiosas?

A resposta foi o desenvolvimento da AORP (do inglês Open Anterograde Anatomic Radical Prostatectomy), uma técnica inovadora que adapta os princípios da cirurgia robótica ao ambiente da cirurgia aberta.

A AORP surgiu em 2015 após extensa revisão de técnicas abertas, laparoscópicas e robóticas. Três pilares foram identificados como determinantes para melhores resultados funcionais: dissecção anterógrada, preservação do colo vesical e da uretra abdominal, e anastomose contínua segundo a técnica de Van Velthoven.

Com esses fundamentos, os pesquisadores da Uerj desenvolveram um método capaz de reproduzir a lógica da cirurgia robótica, utilizando apenas instrumentos convencionais, sem gerar custos adicionais.

A pesquisa seguiu rigorosamente as melhores práticas científicas, com aprovação do Comitê de Ética do Hospital Universitário Pedro Ernesto e registro no Clinical Trials.

Estudos com pacientes

Após um estudo piloto com 10 pacientes, cujos resultados foram altamente promissores, a equipe realizou um ensaio clínico randomizado com 240 pacientes, entre 2016 e 2019.

Os resultados foram expressivos: pacientes operados pela técnica AORP apresentaram menor perda sanguínea, menor tempo de anastomose, redução no período de uso de sonda urinária e, sobretudo, recuperação urinária substancialmente mais rápida.

Em 30 dias, 60,9% dos pacientes do grupo AORP estavam continentes, em comparação a apenas 42% no grupo submetido à técnica tradicional. Além disso, observou-se menor taxa de complicações e maior preservação nervosa, fundamentais para a função sexual.

No controle oncológico — objetivo central de qualquer cirurgia para câncer — as duas técnicas foram equivalentes, demonstrando que a AORP não compromete a segurança em favor da funcionalidade.

Estudos anteriores já indicavam que a tecnologia robótica não melhora a cura oncológica em relação às técnicas abertas. Agora, a AORP reforça que bons resultados dependem mais da precisão técnica do que de plataformas tecnológicas de alto custo.

Um estudo com resultados de cinco anos de seguimento, em fase final de publicação, comparando a AORP com a técnica tradicional, revelou controle oncológico idêntico entre ambas, reforçando a segurança do procedimento proposto.

Um outro artigo comparando retrospectivamente a AORP à prostatectomia robótica, realizado em 252 pacientes (126 em cada grupo), mostrou resultados semelhantes quanto ao sangramento, tempo de internação, tempo de sonda vesical e controle do câncer. Este estudo está em fase de submissão para publicação.

Atualmente, a AORP se apresenta como alternativa estratégica para países sem acesso ampliado à cirurgia robótica. Por utilizar apenas materiais tradicionais e dispensar equipamentos caros, a técnica pode democratizar o acesso a um padrão cirúrgico avançado.

Em serviços do Sistema Único de Saúde (SUS), onde a robótica é exceção, a AORP representa um possível marco transformador.

O câncer de próstata é um dos mais comuns entre os homens — Foto: Getty Images

O câncer de próstata é um dos mais comuns entre os homens — Foto: Getty Images

Custos quatro vezes menores

Comparações recentes entre AORP e cirurgia robótica demonstraram tempos de internação semelhantes e recuperação funcional equivalente, mas com custo quase quatro vezes menor — descontada a aquisição da plataforma robótica.

Essa economia é particularmente relevante em hospitais públicos, que enfrentam orçamentos limitados e demanda crescente. Além de sua aplicabilidade prática, a AORP evidencia que inovação não depende exclusivamente de tecnologia avançada. Depende, sobretudo, de domínio anatômico, refinamento técnico e criatividade cirúrgica.

A equipe do Hospital Universitário Pedro Ernesto da Uerj demonstrou ser possível transformar um procedimento tradicional sem recorrer a robôs, tornando-o mais eficiente e acessível.

Em países em desenvolvimento, essa abordagem pode ser decisiva. A técnica também tem potencial para qualificar a formação de novos cirurgiões. Ao incorporar princípios robóticos à cirurgia aberta, a AORP atua como ponte pedagógica para profissionais que, futuramente, poderão migrar para centros que dispõem de robótica. Assim, ela não apenas aprimora resultados, mas amplia oportunidades de capacitação.

Inovações transformadoras

O caso da AORP evidencia a capacidade da medicina brasileira de produzir inovação com impacto internacional. A técnica já desperta interesse de pesquisadores e cirurgiões de outros países que enfrentam limitações semelhantes em relação à robótica.

Se a cirurgia robótica representou o futuro da urologia em contextos de alta renda, a AORP pode representar o futuro da urologia em cenários de acesso restrito. E garante que avanços tecnológicos se convertam em benefícios reais para a população.

A democratização do cuidado em saúde depende de soluções inteligentes, acessíveis e eficientes. A AORP é um exemplo de como ciência, criatividade e compromisso com o paciente podem gerar inovações transformadoras, mesmo em ambientes com restrições orçamentárias.

Essa técnica brasileira tem potencial para impactar milhares de vidas — e expandir as fronteiras do que entendemos como cirurgia de alta performance.

A próxima fronteira da mobilidade urbana, Joisa Dutra -FSP

A eletrificação da mobilidade avança mais rapidamente do que se projetava. Basta observar o crescimento dos veículos a serviço de aplicativos, das entregas urbanas e do transporte de última milha nas grandes cidades —e mesmo nas nem tão grandes assim.

O Brasil ainda está longe de países que adotaram metas agressivas para a eletrificação do transporte. Ainda assim, já superamos previsões oficiais feitas há poucos anos. Em 2017, estimava-se algo como 360 mil veículos eletrificados em 2026; em 2025, já ultrapassamos meio milhão. A meta mais recente da EPE (Empresa de Pesquisa Energética), no PDE 2035 (Plano Decenal de Expansão de Energia 2035), é que 23% dos novos veículos leves vendidos em 2035 sejam eletrificados.

Veículo em ponto de recarga elétrica no aeroporto de Congonhas
Veículo em ponto de recarga elétrica no aeroporto de Congonhas - Jardiel Carvalho - 9.abr.25/Folhapress

O mercado se move depressa. Em 2025, os veículos elétricos já responderam por cerca de 9% das vendas. Há mais modelos, mais concorrência e preços mais competitivos. O boca a boca faz o resto: quem dirige um carro elétrico tende a recomendá-lo. Converse com quem dirige.

E não são apenas os veículos leves. Pressões ambientais, políticas públicas e compromissos regulatórios vêm acelerando a eletrificação de frotas —sobretudo de ônibus urbanos. Em São Paulo, a proibição da aquisição de novos ônibus a diesel é compromisso oficial desde outubro de 2022. Apesar de revisões sucessivas após a pandemia —a meta original era atingir 2.400 ônibus elétricos em 2024—, o compromisso foi mantido. O ano de 2025 termina com mais de 1.100 novos ônibus elétricos em operação, resultado de um arranjo que combina mandato regulatório e financiamento, com apoio do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e de instituições multilaterais como o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento). Ganha a população, com menos poluição sonora, e ganha o clima, com menos emissões, já que nossa matriz elétrica é majoritariamente renovável.

Mas eletrificar frotas não é suficiente.

O transporte urbano enfrenta congestionamentos crônicos, enquanto eventos climáticos extremos já pressionam as redes de eletricidade. Um programa bem-sucedido precisa melhorar o sistema como um todo. Eletrificar sem olhar para a rede é receita para frustração.

PUBLICIDADE

O sucesso da expansão dessas frotas depende de redes de distribuição preparadas —e, sobretudo, de seu uso inteligente. É aqui que entram modelos tarifários capazes de sinalizar custos reais e incentivar o uso eficiente da infraestrutura. A boa notícia é que há evidência sólida de que isso funciona.

Um estudo recente conduzido no Reino Unido por Bernard e coautores (NBER) oferece pistas valiosas. Trata-se de um experimento de campo envolvendo cerca de 110 mil usuários e 60% da infraestrutura pública de recarga. O objetivo era avaliar se descontos temporários —aproximando o preço da recarga do custo marginal da eletricidade— alterariam o comportamento dos usuários. Alteraram, e muito. Reduções de até 40% no preço, anunciadas com um dia de antecedência, levaram a aumentos de mais de 100% da demanda nos horários incentivados e a ganhos significativos de bem-estar. A resposta foi ainda maior entre consumidores de menor renda e entre aqueles que dirigem veículos com baterias maiores.

Em outras palavras: consumidores respondem fortemente a sinais de preço. E essa resposta permite reduzir custos de operação, aliviar o estresse sobre as redes e evitar investimentos ineficientes.

Para o Brasil, onde a eletrificação cresce e as redes urbanas já dão sinais de saturação, essa evidência é muito importante. Tarifas dinâmicas —que variam no tempo e refletem melhor os custos do sistema— podem orientar o carregamento para horários de menor demanda, reduzir gargalos locais e adiar expansões desnecessárias da infraestrutura.

Assim como no trânsito urbano, eletrificar a mobilidade sem regras claras de uso leva a congestionamento —não só nas ruas, mas também nas redes. Expandir infraestrutura sem orientar comportamento encarece o sistema e reduz seus benefícios. O sucesso da transição energética exige coordenação de sistemas de transporte e de eletricidade, não apenas velocidade.

Que em 2026, ano eleitoral, a transição seja julgada menos pelas promessas e mais pela capacidade de coordenação e entrega.