quinta-feira, 27 de novembro de 2025

Toda a saga vivida por Jair Bolsonaro é um manual de estupidez na vida política, João Pereira Coutinho- FSP

 Acompanho a saga de Jair Bolsonaro com fascínio quase filosófico: o que leva um homem a agir, de forma tão consistente, contra seus próprios interesses?

A pergunta surgiu durante o seu governo, continuou com sua reação à pandemia , aprofundou-se com a tentativa de golpe —e encontra agora um desfecho teatral com a prisão preventiva depois de tentar arrancar a tornozeleira eletrônica.

Por "curiosidade", justificou ele.

A vigília convocada pelo filho é apenas mais uma prova de que genética não perdoa.

Alguns dirão que essa tendência antecede a política e já vem dos quartéis —o que talvez autorize a piada "de soldado a soldador" que anda circulando por aí.

Quatro ilustrações alinhadas horizontalmente de um martelo com cabo texturizado e cabeça robusta. As imagens alternam entre preto e marrom, com traços expressivos e estilo de desenho manual.
Angelo Abu/Folhapress

Mas o assunto é sério: como explicar a estupidez na política?

O tema raramente recebe a devida atenção. Hannah Arendt, em análise célebre, afirmou que Adolf Eichmann representava a "incapacidade de pensar" que define a "banalidade do mal". Eichmann seria estúpido —e sua estupidez foi instrumentalizada no Holocausto.

Erro evidente: Eichmann pensava, sim. Era um nazista convicto, até "sofisticado" —digamos assim—, como se soube mais tarde pelas gravações de áudio.

Sua maldade não era banal.

Robert Musil, outro autor de língua alemã, tentou ir um pouco mais longe. Há dois tipos de estupidez, disse ele na conferência de 1937. O primeiro é uma limitação intelectual natural, inocente, sem maldade —o "bobo da aldeia", em sua versão literária clássica.

O segundo tipo é mais perigoso: o ato de deformar o pensamento por orgulho, vaidade ou cegueira moral. O sujeito sabe pensar, mas não quer pensar. Essa forma de estupidez não é cognitiva, mas moral. É um vício de caráter.

Não creio que Bolsonaro se encaixe perfeitamente em qualquer uma dessas categorias. A estupidez de suas ações não nasce da inocência; mas a deformação deliberada do pensamento exige um tipo de inteligência que ele também não possui.

O que há ali é aquela rigidez mental que a historiadora Barbara Tuchman dissecou no clássico "A Marcha da Insensatez", do original "The March of Folly". A própria palavra "folly" já sugere essa rigidez, irmã gêmea da loucura.

Nas palavras de Tuchman, a história foi pródiga em momentos de estupidez: eles surgem quando governantes seguem políticas que, longe de beneficiá-los, aceleram sua própria ruína.

Curiosamente, Tuchman concorda com Carlo Cipolla, para quem o sujeito estúpido é aquele que prejudica os outros e a si próprio, sem obter benefício algum.

Mas há critérios para que a estupidez seja propriamente política, avisa Tuchman. Primeiro, a conduta tem de ser reconhecida como estúpida em seu próprio tempo, não apenas retrospectivamente.

Segundo, deve haver uma alternativa viável e mais sensata —a estupidez só é estupidez quando age sem necessidade.

Por fim, o governante estúpido apresenta o que Tuchman chama de "wooden-headedness" —algo como "cabeça oca", que talvez traduzíssemos melhor como "cabeça blindada": o governante estúpido só consegue interpretar a realidade a partir de noções pré-concebidas e fixas, ignorando ou rejeitando qualquer evidência contrária. É como se proclamasse, orgulhoso: "Nenhum fato me vai derrotar!".

Na obra de Tuchman, os exemplos de cabeças blindadas se sucedem: os troianos com o cavalo de madeira; o comportamento de Roma antes da revolta protestante; a obstinação de Jorge 3º ao tentar submeter as colônias britânicas a impostos; e, já no século 20, a aventura suicida dos submarinos alemães contra a Marinha americana ou o ataque japonês a Pearl Harbor —dois atos que, ironicamente, trouxeram os Estados Unidos para guerras que arrasaram seus autores.

Em todos esses casos, havia alertas; havia alternativas; mas os fatos não demoveram as cabeças blindadas.

Guardadas as proporções de escala e importância, a conduta de Bolsonaro é quase um manual de estupidez política.

Na pandemia, teria sido possível mais competência e empatia —mas o homem "não era coveiro".

No golpe, havia sempre a opção de simplesmente não o cogitar —e, quem sabe, aguardar na oposição outra eleição, já que a derrota de 2022 foi por margem mínima. Mas isso implicaria admitir que o PT venceu o pleito, uma heresia para os bolsonaristas.

E, na comédia da tornozeleira, a suposta tentativa de fuga jamais compensaria o risco. Cumprir a pena —ou parte dela— teria trazido mais vantagens que desvantagens; mas aprender com o caso de Lula seria outra heresia.

Que os seguidores de Bolsonaro discordem dessas premissas não surpreende. No fim das contas, eles seguem o "mito" por alguma razão.

Motta isola PT e PL e organiza bloco com 275 deputados, a maioria da Câmara, FSP

 

Brasília

Rompido com os líderes do PT e do PL, o presidente da Câmara dos DeputadosHugo Motta (Republicanos-PB), organizou um bloco parlamentar com 275 deputados, a maioria da Casa, para sustentar sua governabilidade e se fortalecer no embate com o governo Lula e a oposição.

O movimento também é visto por parlamentares como um passo inicial para Motta construir uma base de apoio que o reeleja em 2027, apesar de dissidências internas.

O bloco é parte do grupo que apoiou sua candidatura à presidência da Câmara em fevereiro, quando ele foi eleito com 444 votos, mas estava esvaziado desde o começo do ano, com a saída de algumas siglas, como Solidariedade, Patriota e Avante, além do próprio PT e do PL.

Homem de terno azul escuro e gravata azul fala olhando para frente, com expressão séria. Ao fundo, outras pessoas desfocadas em ambiente interno com parede clara.
O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB) - Pedro Ladeira - 18.nov.25/Folhapress

No fim de outubro, diante das dificuldades para tocar a pauta e do estremecimento na relação com PT e PL, Motta reuniu os partidos de centro-direita para reorganizar o bloco parlamentar, com o compromisso de um revezamento entre os partidos na liderança do grupo e o compromisso de que ele se mantenha unido até dezembro de 2026.

Em agosto, o PT já havia formalizado sua saída do bloco, após o governo ser derrotado numa manobra na CPI do INSS que garantiu que oposicionistas ocupassem os principais cargos do colegiado. Naquele momento, de acordo com relatos, a ministra Gleisi Hoffmann (Secretaria de Relações Institucionais) chegou a procurar líderes aliados estimulando que eles também deixassem o bloco.

Segundo um líder que acompanhou as conversas, a ministra foi avisada quando as conversas para a organização do novo grupo de Motta foram concluídas.

Fazem parte do bloco de sustentação o presidente da Câmara os partidos União Brasil, PPPSD, Republicanos, MDB, a federação PSDB/Cidadania e o Podemos. Juntos, eles somam 275 dos 513 deputados da Câmara. Com isso, o grupo é capaz de apresentar requerimentos de urgência e aprová-los sem a necessidade de apoio da esquerda ou da direita, por exemplo.

O primeiro líder anunciado do bloco foi Pedro Lucas Fernandes (União Brasil-MA). Agora, o posto já é ocupado por Doutor Luizinho (PP-RJ). Haverá um revezamento de cerca de 30 dias cada. O líder é o responsável por assinar os requerimentos e discursar em nome da bancada no plenário.

Para se ter uma ideia do tamanho do bloco, são 63 vice-líderes (deputados que podem representar o grupo na ausência do líder). Esse número é maior do que quase todos os partidos da Câmara, com exceção de PL e PT.

Foi essa base de apoio que permitiu a Motta aprovar o projeto de lei antifacção mesmo com a oposição e com o governo trabalhando contra. O PT atacou o presidente da Câmara pela escolha do relator, o deputado Guilherme Derrite (PP-SP), e por mudanças no texto, que era a principal aposta do presidente Lula para a pauta da segurança pública.

Já o PL insistiu em votar uma emenda para classificar facções criminosas como grupos terroristas, ideia que Motta e o relator tinham abandonado após críticas de especialistas e de integrantes do mercado financeiro, que apontaram risco para as investigações em curso e de uma fuga de investimentos do país.

A Câmara aprovou o projeto por 370 votos a 110 na semana passada, a despeito da posição contrária do governo. A emenda sobre o terrorismo foi rejeitada de ofício por Motta, que a considerou inconstitucional e não a submeteu à votação.

Foi esse mesmo projeto que levou ao rompimento do presidente da Câmara com o líder do PT, Lindbergh Farias (RJ), e um estremecimento na relação dele com o líder do PL, Sóstenes Cavalcante (RJ).

Motta disse à Folha que não tinha "mais interesse em ter nenhum tipo de relação com o deputado Lindbergh Farias". No caso do PL, houve desentendimento porque o presidente da Câmara se queixou ao deputado da insistência dele em seguir atuando pela emenda sobre o terrorismo.

Como mostrou a coluna Mônica Bergamo, Motta enviou uma mensagem de WhatsApp para Sóstenes, afirmando que o parlamentar não poderia mais contar com o presidente da Câmara. Os dois não se falam há uma semana.

Na avaliação de deputados, com esse movimento de se afastar de Lindbergh e Sóstenes, Motta acaba se isolando de dois partidos que foram importantes para sua eleição e detentores das maiores bancadas da Casa. Além disso, nomes do centrão afirmam que o presidente da Câmara tem diminuído seu grupo de aliados de primeira hora. Eles citam como exemplo o afastamento entre Motta e seu antecessor, Arthur Lira (PP-AL).

Parlamentares afirmam que a construção do bloco é uma forma também de Motta começar a organizar sua base para disputar à reeleição para a presidência da Câmara, em 1º de fevereiro de 2027. O grupo, se mantido unido, daria uma margem de largada importante contra as pressões do PT e do PL, seja qual for o presidente da República eleito.

Parte dos aliados de Motta nega que o bloco tenha a eleição legislativa como pano de fundo. "Não houve discussão de eleição de presidente na Câmara. Ainda falta muito tempo, temos uma eleição no meio. Ninguém sabe quem serão os eleitores da próxima Mesa Diretora", diz o líder do MDB, Isnaldo Bulhões Jr. (AL), um dos principais aliados de Motta.

Outra ala diz que o bloco parlamentar tem esse objetivo, mas que o presidente da Câmara precisa se mostrar viável ao fim do mandato para debelar as dissidências internas, e que também é preciso aguardar o tamanho que cada partido sairá das urnas.

Nos bastidores, são citados como possíveis candidatos ao comando da Câmara os deputados Antonio Brito (PSD-BA), Doutor Luizinho (PP-RJ), Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), Altineu Côrtes (PL-RJ) e o próprio Isnaldo. O nome de Lira também não é descartado, mas aliados do parlamentar negam a possibilidade e afirmam que ele deverá ser candidato ao Senado no próximo ano.