quinta-feira, 18 de dezembro de 2025

Com ódio a Lula, mercado pode acabar indo de Flávio Bolsonaro, Marcos Augusto Gonçalves - FSP

 O chamado mercado, ao que consta, não gostou que Flávio Bolsonaro tenha sido indicado por seu pai para a disputa presidencial de 2026. Tampouco que a recente pesquisa Quaest tenha mostrado o ungido à frente do governador Tarcísio de Freitas, o preferido da finança e seus pares.

Faz sentido. O mercado gostava de Jair Bolsonaro e de seu fabuloso Paulo Guedes, o mitômano que faria —diziam as cartomantes— uma revolução liberal no Brasil.

Homem de camisa branca e calça escura faz sinal de positivo com a mão direita em frente a placa da Superintendência Regional, em ambiente externo durante o dia.
Flávio Bolsonaro deixa prédio da Polícia Federal em Brasília depois de visitar o pai, Jair Bolsonaro - Diego Herculano - 16.dez.25/Reuters

Natural então que agora prefira-se o capitão do Bandeirantes, com a vantagem de ele governar o principal estado do país e respeitar certa institucionalidade. Não é tão despreparado e tosco quanto seu demiúrgo e não parece inclinado a aventuras antissistema.

Sabendo-se que o mercado rejeita qualquer coisa que cheire a Lula, social-democracia, distribuição de renda e programas sociais, Tarcísio parece, aos olhos dessa elite, uma boa promessa, um produto de direita que poderia ser vendido como "moderado". O desrespeito a direitos e a letalidade policial descontrolada não têm importância. A educação cívico-militar e os aspectos questionáveis do setor, também não. E do grande escândalo de corrupção na Fazenda estadual nem se fala mais.

O mercado na verdade está interessado em privatizações, desregulamentações e ausência de Estado para poder atuar com ampla liberdade. Tem muita gente, aliás, bastante interessada nessa agenda de afastamento do Estado para bem longe, especialmente quando representado pela Polícia Federal e pelo Judiciário.

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Tarcísio já trocou juras com o mundo financeiro e apresenta-se como um defensor da ideia de que na esfera privada tudo funciona —em que pese a emergência de fraudes em série, como os casos das Americanas, do Master e do PCC lavando dinheiro na Faria Lima. Defende também o fim de medidas que ajudem a ajustar contas públicas por meio de cobrança de imposto e corte de benesses de ricos.

Parênteses: não deixa de ser curioso, diante dessa agenda liberal sem cabresto sempre repetida, que o mais espetacular caso de sucesso internacional na economia, na tecnologia e na redução da pobreza seja a República Popular da China, que segue um receituário antagônico ao laissez-faire. "Ah, mas aquilo lá é uma ditadura comunista" —eis o argumento simplório que sai logo da cartucheira, como se o êxito daquele país se devesse a isso. Fecha.

Voltando ao nosso trópico em transe, não é de se duvidar, com a incapacidade crônica da direita de construir e apresentar uma candidatura respeitável e viável ao Planalto, que todos acabem embarcando com Flávio Bolsonaro. Já que a aversão a Lula é visceral, as fichas deverão ir mesmo para "o bolsonarismo que toma vacina".

É verdade que a pesquisa Quaest apontou rejeição alta ao nome Bolsonaro, mas muita água vai rolar. Não se imagina, ao menos por ora, que Flávio possa sequer cogitar de se recolher.

Em todos os cenários, como se sabe, Lula é o favorito —e com méritos. Os desastres econômicos previstos não aconteceram, aprovou-se a Reforma Tributária, a renda subiu, a fome foi superada, o IR ficou mais justo, Trump fez elogios e a inflação voltou a se comportar. Nem tudo é uma maravilha, longe disso, mas o bastante para dar ao petista os melhores prognósticos para o ano eleitoral.

Poderia ter sido muito pior, Hélio Schwartsman, FSP

 Sou um abolicionista penal. Por mim, só manteríamos atrás das grades criminosos irremediavelmente violentos, incapazes de viver em sociedade. Para os demais, teríamos de encontrar penas diferentes do encarceramento.

Minha posição pode parecer utópica, mas é só o prolongamento de uma tendência já em curso há uns três séculos. Na Inglaterra de Shakespeare, a sanção usualmente aplicada a condenados por traição era enforcamento, afogamento e esquartejamento —e, idealmente, o réu deveria chegar ainda respirando à última parte do castigo. Hoje, à exceção dos EUA, todos os países desenvolvidos pararam de utilizar a pena de morte, e os índices de criminalidade são uma fração do que eram no passado.

Senador sentado em cadeira azul escura durante sessão parlamentar, vestindo terno preto, camisa branca e gravata verde. Ele aponta com o braço direito estendido para frente, com expressão séria. Pessoas ao fundo estão parcialmente visíveis.
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, durante sessão de votação do PL da Dosimetria - Pedro Ladeira/Folhapress

Mas deixemos de lado o mundo como eu gostaria que fosse e discutamos o mundo como ele é. O PL da Dosimetria recém-aprovado pelo Legislativo é um avanço ou um retrocesso? Eu diria que, pelo timing, a mensagem transmitida pelo PL é ruim. Ela sugere que o STF errou ao condenar os golpistas dentro dos parâmetros legais fixados pelo próprio Legislativo há menos de cinco anos. Não creio que tenha errado. A intervenção dos parlamentares deixa a sensação de que o sistema se dobra aos interesses de políticos poderosos, o que não deveria ocorrer numa República séria.

Mas os 27 anos de cadeia para Bolsonaro não eram um exagero? Se exercícios comparativos servem para algo, vale destacar que Alemanha, Canadá, França e Reino Unido preveem até prisão perpétua para autores de golpes frustrados. As sanções da legislação pátria não parecem configurar caso de punitivismo exacerbado.

Reconhecendo que o Brasil não é mesmo uma República séria, podemos respirar aliviados. Em primeiro lugar, foi descartada a anistia ampla pretendida pelos bolsonaristas. Não menos importantes, as reduções de pena não são automáticas. Os presidiários terão de entrar com ações de revisão criminal, e o STF terá algum espaço de manobra para recalcular as penas segundo os novos parâmetros. Em suma, poderia ter sido muito pior.

Lei do cardápio impresso é vitória para a garotada sênior de SP, FSP

 Marcos Nogueira

São Paulo

Gosto de pensar que não sou tão velho assim —um justo e legítimo exercício de autoengano.

A realidade é que em breve terei direito a viajar de graça no transporte público. A presbiopia dizimou minha visão; a memória, que também começa a ratear, guarda certas coisas que os jovens nem imaginam ter existido.

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Funcionário do bar Astor, na vila Madalena, zona oeste de SP, testa o QR code para acessar ao cardápio de bebidas do estabelecimento em julho de 2020 - Mathilde Missioneiro/Folhapress

Tenho lembranças borradas de quando meus pais, por falta de alguém para cuidar de mim, me arrastavam para restaurantes chiques na década de 1970.

A luz era invariavelmente baixa, perturbadoramente baixa, assim como era baixo o volume das conversas.

Os cardápios, impressos em papel de gramatura pesada, tinham suas peculiaridades. Alguns vinham em francês, sem explicação alguma no idioma pátrio. Outros exibiam o preço da comida apenas nos exemplares entregues aos homens adultos —a quem cabia pagar a conta, afinal.

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Um show de discriminação e exclusão. O mundo mudou muito desde então, mas ele dá tantas voltas que não raro acaba no mesmo lugar de antes.

É o caso dos cardápios em código QR, para serem acessados no celular. Solução de emergência na pandemia, eles se tornaram permanentes por serem práticos e baratos para os donos de restaurante —tanto que muitas casas aboliram a ementa física.

Eis que uma lei estadual paulista, aprovada na terça-feira (16) na Alesp, determina a obrigatoriedade do menu impresso. O texto precisa ser sancionado pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos).

Boa notícia, pois o cardápio digital é tão excludente quanto o cardápio francês e sem preços d’antanho.É etarista porque dá uma banana para a garotada sênior que perdeu o bonde em algum dos saltos tecnológicos dos últimos tempos.

Exclui os mais pobres porque presume que o cliente tenha um celular com plano de dados, memória e bom funcionamento —não que a gastronomia seja inclusiva e democrática per se, mas trata-se de um obstáculo extra e totalmente desnecessário.

É, sobretudo, chato demais.

E se meu celular estiver sem bateria? E se eu simplesmente não carregar um celular?

Os argumentos pró-QR code, essencialmente o custo menor e a facilidade para alterar itens e preços do menu, são muito frágeis.

Ninguém está exigindo cardápio em papel couchê com capa de couro. Uma impressora mequetrefe dá conta do recado. Ou um mimeógrafo, em homenagem às gerações que perderam o bonde e foram atropeladas pelo BRT.