terça-feira, 2 de agosto de 2022

Por que a visita de Pelosi a Taiwan é totalmente imprudente, Thomas L. Friedman, NYT FSP

 Tenho muito respeito pela presidente da Câmara dos Deputados dos EUA, Nancy Pelosi. Mas, ao realizar uma visita a Taiwan nesta semana, contra a vontade do presidente Joe Biden, ela está fazendo algo totalmente imprudente, perigoso e irresponsável.

Nada de bom virá disso. Taiwan não será mais segura ou mais próspera em consequência dessa visita puramente simbólica, e coisas ruins poderão acontecer. Entre estas, uma resposta militar chinesa que pode resultar num mergulho dos EUA em conflitos indiretos e simultâneos com a Rússia e a China, ambas possuidoras de armas nucleares.

A americana Nancy Pelosi acena após se encontrar com autoridades da Malásia durante sua viagem à Ásia - Nazri Rappai/AFP

E se você acha que nossos aliados europeus –que estão enfrentando uma guerra existencial com a Rússia por causa da Ucrânia– se unirão a nós se houver um conflito dos EUA com a China por causa de Taiwan, desencadeado por essa visita desnecessária, está interpretando mal o mundo. ​

Vamos começar pelo conflito indireto com a Rússia e como a visita de Pelosi a Taiwan agora paira sobre ele.

Há momentos nas relações internacionais em que é preciso ficar de olho no prêmio. Hoje, esse prêmio é claro como cristal: devemos garantir que a Ucrânia seja capaz, no mínimo, de atenuar –e, no máximo, reverter– a invasão de Vladimir Putin, que, se tiver êxito, representará uma ameaça direta à estabilidade de toda a União Europeia.

Para ajudar a criar a maior possibilidade de a Ucrânia reverter a invasão de Putin, Biden e seu conselheiro de segurança nacional, Jake Sullivan, realizaram uma série de reuniões muito difíceis com a liderança chinesa, implorando a Pequim que não entrasse no conflito ucraniano ao fornecer assistência militar à Rússia –particularmente agora, quando o arsenal de Putin foi diminuído por cinco meses de guerra opressiva.

Biden, de acordo com uma autoridade graduada dos EUA, disse pessoalmente a Xi Jinping que, se a China entrasse na Guerra da Ucrânia ao lado da Rússia, estaria pondo em risco o acesso a seus dois mercados de exportação mais importantes –os Estados Unidos e a União Europeia. (A China é um dos melhores países do mundo na fabricação de drones, que são exatamente do que as tropas de Putin mais precisam no momento.)

Segundo tudo indica, disseram-me autoridades dos EUA, a China respondeu não fornecendo ajuda militar a Putin –num momento em que os EUA e a Otan estão dando à Ucrânia um número significativo de armas avançadas e apoio de inteligência que causaram sérios danos às Forças Armadas da Rússia, aliada declarada da China.

Diante de tudo isso, por que a presidente da Câmara escolheria visitar Taiwan e deliberadamente provocar a China agora, tornando-se a maior autoridade dos EUA a visitar Taiwan desde Newt Gingrich em 1997, quando a China era muito mais fraca econômica e militarmente?

O momento não poderia ser pior. Caro leitor: a Guerra da Ucrânia não terminou. E em particular as autoridades americanas estão muito mais preocupadas com a liderança da Ucrânia do que deixam transparecer. Há uma profunda desconfiança entre a Casa Branca e o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski –consideravelmente maior do que foi relatada.

E há coisas engraçadas acontecendo em Kiev. Em 17 de julho, Zelenski demitiu o ministro da Justiça de seu país e o chefe de sua agência de inteligência doméstica –a mudança mais significativa em seu governo desde a invasão russa em fevereiro. Seria o equivalente a Biden demitir Merrick Garland e Bill Burns no mesmo dia. Mas ainda não vi nenhuma reportagem que explique de forma convincente o que houve. É como se não quiséssemos olhar muito sob as aparências em Kiev por medo de vermos corrupção ou maluquices, já que investimos tanto lá. (Mais sobre os perigos disso outro dia.)

Enquanto isso, autoridades dos EUA ainda acreditam que Putin está bastante preparado para considerar o uso de uma pequena arma nuclear contra a Ucrânia se vir seu exército diante de uma derrota certeira.

Em suma, esta guerra na Ucrânia NÃO acabou, NÃO está estável, NÃO é sem surpresas perigosas que podem surgir em qualquer dia. No meio de tudo isso vamos arriscar um conflito com a China por causa de Taiwan, provocado por uma visita arbitrária e frívola da presidente da Câmara?

É a primeira lição de geopolítica que não se busca uma guerra em duas frentes com as outras duas superpotências ao mesmo tempo.

Agora, vamos nos voltar para o potencial de um conflito indireto com a China e como a visita de Pelosi pode desencadeá-lo. De acordo com reportagens chinesas, Xi disse a Biden em seu telefonema na semana passada, referindo-se ao envolvimento dos EUA nos assuntos de Taiwan –como uma possível visita de Pelosi–, que "quem brincar com fogo vai se queimar".

A equipe de segurança nacional de Biden deixou claro para Pelosi, uma antiga defensora dos direitos humanos na China, por que ela não deve ir a Taiwan agora. Mas o presidente não ligou diretamente para ela para lhe pedir que não fosse, aparentemente preocupado com a possibilidade de parecer mole com a China, deixando uma brecha para os republicanos atacarem-no antes das eleições.

É uma medida de nossa disfunção política que um presidente democrata não possa impedir uma presidente da Câmara democrata de se envolver em uma manobra diplomática que toda a sua equipe de segurança nacional –do diretor da CIA ao presidente do Estado-Maior Conjunto– considera imprudente.

Sem dúvida, há o argumento de que Biden deveria apenas acusar o blefe de Xi, apoiar Pelosi ao máximo e dizer a Xi que, se ele ameaçar Taiwan de alguma forma, é a China que "será queimada". Isso pode funcionar. Pode até parecer bom por um dia. Também pode iniciar a Terceira Guerra Mundial.

Na minha opinião, Taiwan deveria ter pedido a Pelosi que não fosse neste momento. Admiro muito Taiwan e a economia e a democracia que ela construiu desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Visitei Taiwan inúmeras vezes nos últimos 30 anos e testemunhei pessoalmente o quanto mudou nesse tempo –muito.
Mas há uma coisa que não mudou em Taiwan: sua geografia!

Ela ainda é uma pequena nação insular, agora com 23 milhões de habitantes, a cerca de 160 quilômetros da costa de uma gigantesca China continental, com 1,4 bilhão de habitantes, que reivindicam Taiwan como parte da pátria chinesa. Países que se esquecem de sua geografia entram em apuros.

Não confunda isso com pacifismo da minha parte. Acredito que é um interesse nacional vital dos EUA defender a democracia de Taiwan, no caso de uma invasão chinesa não provocada. Mas, se vamos entrar em conflito com Pequim, pelo menos que seja no nosso tempo e por nossos problemas. Nossos problemas são o comportamento cada vez mais agressivo da China em uma ampla gama de frentes –de invasões cibernéticas a roubo de propriedade intelectual e manobras militares no Mar da China Meridional.

Dito isso, este não é o momento para cutucar a China, especialmente considerando o momento delicado da política chinesa. Xi está prestes a garantir uma prorrogação indefinida de seu papel como líder da China no 20º Congresso do Partido Comunista Chinês, previsto para este outono. O partido sempre deixou claro que a reunificação de Taiwan e da China continental é sua "tarefa histórica", e desde que chegou ao poder, em 2012, Xi tem enfatizado de forma constante e impulsiva seu compromisso com essa tarefa, realizando manobras militares agressivas em torno de Taiwan.

Com a visita, Pelosi dá a Xi uma oportunidade de desviar a atenção de seus próprios fracassos –a estratégia cega de tentar impedir a propagação da Covid usando bloqueios nas principais cidades da China, uma enorme bolha imobiliária que agora está se esvaziando e ameaça uma crise bancária e uma imensa montanha de dívida interna resultante do apoio irrestrito de Xi às indústrias estatais.

Duvido seriamente que a atual liderança de Taiwan, no fundo do coração, queira esta visita de Pelosi agora. Qualquer um que tenha acompanhado o comportamento cauteloso da presidente taiwanesa, Tsai Ing-wen, do Partido Democrático Progressista, pró-independência, desde sua eleição em 2016, deve ficar impressionado com seus esforços consistentes para defender a independência de Taiwan, sem dar à China uma desculpa fácil para a ação militar contra a ilha.

Infelizmente, temo que o crescente consenso na China de Xi seja que a questão de Taiwan só pode ser resolvida militarmente, mas Pequim quer fazê-lo em seu próprio tempo. Nosso objetivo deve ser dissuadir a China de tal empreitada militar em NOSSO tempo –que é para sempre.

Mas a melhor maneira de fazer isso é armar Taiwan no que os analistas militares chamam de "porco-espinho" –um país com tantos mísseis que a China nunca desejaria pôr as mãos nele–, enquanto dizemos e fazemos o mínimo possível para provocar a China a pensar que DEVE pôr as mãos nele agora. Buscar qualquer outra coisa além dessa abordagem equilibrada seria um erro terrível, com consequências vastas e imprevisíveis.


Só uma marolinha: boom do minério de ferro deve cair, mas Brasil pode aproveitar, diz especialista, Sputinik

 09:00 01.08.2022

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Especiais
O mercado internacional se empolgou, nas últimas semanas, com a ascensão do preço de uma commodity: o minério de ferro, que teve uma alta em seu valor — algo que, por tabela, beneficiou o Brasil, segundo maior produtor do elemento. Entretanto, segundo um especialista consultado pela Sputnik Brasil, essa alta não é contínua a médio ou longo prazo.
De acordo com dados divulgados pela Secretaria de Comércio Exterior (Secex), as exportações desse minério do Brasil para a China tiveram um ligeiro crescimento de 0,3% em valores, quando comparados os dois primeiros semestres de 2021 e 2022, chegando a US$ 47,1 bilhões (R$ 243,6 bilhões).
alta nos preços das commodities, com destaque justamente para o minério de ferro, compensou a queda de 11,5% no volume das exportações para o mercado chinês, em meio a um crescimento menor da economia.
Fachada do Palácio Itamaraty, em Brasília (foto de arquivo) - Sputnik Brasil, 1920, 08.07.2022
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Além disso, um balanço publicado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no fim deste mês apontou que, em 2020, o minério de ferro foi o principal produto industrial produzido no país.
A promessa da China de fazer grandes esforços para recuperar e estabilizar sua economia, ajudando inclusive o problemático setor imobiliário e de construção civil, gerou boas expectativas, fazendo disparar os contratos futuros de minério de ferro.
No entanto os prognósticos para a economia chinesa são de queda do crescimento do país para quase metade do ano passado: neste ano, a expansão deve ficar em apenas 4,4%.
É justamente essa redução chinesa a pedra no sapato dos exportadores de minério de ferro brasileiros, segundo apontou Vinícius Rodrigues Vieira, professor de relações internacionais da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), à Sputnik Brasil.
Em sua avaliação, trata-se de um crescimento muito pontual da commodity.

"A economia chinesa não tem perspectivas de sequer estabelecer uma meta de crescimento. Relatórios de bancos ocidentais, como o do Goldman Sachs, apontam para uma tendência de queda na demanda por minério de ferro, porque o setor de construção da China está claramente passando por dificuldades. Há uma desvalorização, e não se sabe até que ponto o governo chinês vai injetar recursos. Ainda que injete recursos, há uma grande desconfiança por parte do mercado. Então se trata de uma demanda de curta duração, e se deve ao fato de ter havido um pequeno aumento na produção das siderúrgicas chinesas, que acabaram por demandar mais minério de ferro — o que não significa que seja uma onda duradoura", explica.

Funcionário trabalha em forno de siderúrgica em Sete Lagoas, Minas Gerais, Brasil, 12 de maio de 2022 - Sputnik Brasil, 1920, 23.05.2022
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De acordo com Vieira, as siderúrgicas do país asiático estavam com capacidade de produção abaixo do normal, isto é, com uma capacidade ociosa maior do que a de costume.
Agora aumentaram a produção, mas o ciclo econômico depende do consumidor final. E o consumidor final na China, em boa parte, é a construção civil.
"Com a construção civil em baixa, a tendência é que tenhamos nisso uma onda de curta duração", observa o professor.

Baixo impacto na economia e nas eleições brasileiras

Vieira explica que o minério de ferro nacional, com o australiano, tem um teor bastante elevado de concentração do metal.
Geralmente o minério de ferro vem com outros minerais, e o do Brasil e o da Austrália são os que têm maior concentração do elemento — o que torna o processo de separação mais fácil.
Porém, em se tratando de uma onda passageira, conforme o mercado está projetando, o impacto na economia brasileira será muito pontual.

"Até porque, diferentemente da soja, cuja cultura se espalha por diversos estados brasileiros, o minério de ferro basicamente provém de Minas Gerais, do Mato Grosso do Sul e do Pará. Minas Gerais, porém, é um estado que foi vítima de grandes tragédias ambientais [nas cidades de Mariana e Brumadinho]. O dinheiro da mineração não necessariamente circula nas comunidades. São poucos funcionários atualmente, em uma mineração internacionalmente competitiva, então o pessoal não vê a cor do dinheiro", analisa.

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O que pode haver, em última análise, é uma ampliação na arrecadação de impostos do estado de Minas Gerais, segundo ele.

"Então você tem a renda da mineração concentrada ali, e se houver o pagamento de royalties pelas explorações — dependendo do tipo de contrato, de concessão — o Estado tem uma participação maior, e isso pode dar um fôlego financeiro para o governador de Minas Gerais, o Romeu Zema [Novo]", aponta o professor.

Vieira lembra que, nos últimos anos, Zema é um aliado do presidente Jair Bolsonaro (PL) e tenta a reeleição contra um candidato apoiado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), no segundo colégio eleitoral mais importante do país.

"Pode trazer votos para o Zema, mas não vejo isso impactando o governo Bolsonaro. A renda do minério de ferro é alta, os recursos da venda também, mas hoje é uma atividade que emprega menos pessoas. Não é mais o garimpo que existia há 70 anos, em que de fato havia uma difusão muito maior dessa renda nas populações locais, que hoje veem a atividade como bastante negativa."

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A explosão de preços na demanda por ferro é, portanto, pontual pelas siderúrgicas chinesas. Ou seja, não é forte e não deve ter longa duração.
A partir daí, o Brasil pode se beneficiar, ainda que em pequena escala?
Na visão do especialista em relações internacionais, a resposta é sim.
Ele argumenta que o Brasil, porém, não tem um histórico de se beneficiar com commodities porque deveria ter formado não apenas reservas internacionais, mas uma espécie de colchão além das reservas, uma espécie de fundo soberano, com investimentos diversificados, para que tivesse aproveitado melhor a onda de commodities.
Não fez isso, e não vai ser agora que vai fazer, prossegue Vieira, acrescentando que o tema é um debate ausente da campanha presidencial.

"No caso do minério de ferro, claramente há uma balança favorável ao Brasil, ainda que momentânea, e à Austrália, dois dos principais países produtores de ferro. Do ponto de vista das indústrias, todo o minério de ferro está na ponta da cadeia do aço. Temos um efeito cascata dessa cadeia com o fato de que hoje, para se fazer carros, eletrodomésticos, não se depende apenas de aço, mas também de componentes eletrônicos, que estão em escassez. Ainda que haja uma alta nos preços, também há cautela por parte dos consumidores no mundo em comprar um carro ou renovar seus eletrodomésticos por conta da inflação global", conclui.