terça-feira, 30 de abril de 2019

Alvaro Costa e Silva, Método na maluquice, FSP

O ministro do Meio Ambiente cuida de tudo, menos do meio ambiente

Lula deu entrevista, e o mundo não se acabou. O ex-presidente mostrou que continua o rei da lábia. Nas duas horas e dez minutos de conversa, só falou do que lhe interessava. De cara boa aos 73 anos, a barba bem aparada, elegante combinação de terno cinza e camisa lilás, jogou no colo dos jornalistas uma manchete bombástica, ao chamar o governo de “bando de maluco”, a qual logo repercutiu na imprensa internacional.
Jair Bolsonaro —que recebeu milhões de votos influenciados pelo antipetismo— não tinha por quê, mas reagiu mal. De rosto crispado, comentou para sua claque: “Pelo menos não é um bando de cachaceiros”. Nas redes sociais, o bolsonarismo foi mais longe: fez subir a hashtag #EntrevistaMarcola, ligando o nome de Lula ao do líder da facção criminosa PCC. 
Nenhuma surpresa na malandragem de uns ou no baixo nível de outros. Assim se desenrola o jogo político no país. No nosso caos diário, dá para colecionar as cortinas de fumaça: inexplicável retirada do ar de um comercial do Banco do Brasil voltado ao público jovem; estúpidas declarações sobre turismo sexual; esposas que devem ser submissas aos maridos, segundo a ministra da Mulher; redução de investimentos do MEC em sociologia e filosofia, cursos que têm operações mais baratas e menos estudantes.
Ao contrário dessas batatadas, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, tem sido efetivo em seus planos de demonizar a preservação ambiental como obstáculo ao desenvolvimento da agropecuária. Tanto que um manifesto assinado por mais de 600 cientistas, publicado na prestigiada revista Science, pediu à União Europeia que as negociações comerciais com o Brasil sejam condicionadas à sustentabilidade, à proteção dos direitos indígenas, à redução do desmatamento
Salles é aquele que perguntou: “Que diferença faz quem foi Chico Mendes?”. Há método na maluquice. 

O presidente das pequenas coisas, FSP

Até as pedras sabem que o sucesso do governo Bolsonaro dependerá da economia, mais especificamente da reforma da Previdência e de outras medidas que destravem o crescimento. Não obstante, o mandatário prefere dedicar suas energias a uma cruzada moralista e a assuntos que, embora não sejam desimportantes, jamais deveriam ocupar o topo da escala das prioridades presidenciais.
Jair Bolsonaro está se tornando o presidente das pequenas coisas. Na semana passada, ele censurouuma peça publicitária do Banco do Brasil e fez observações pouco congruentes sobre o turismo gay. Isso foi até a quinta-feira. Na sexta, manifestou apoio a um plano do ministro da Educação de “descentralizar investimento em faculdades de filosofia e sociologia (humanas)”.
Uma coisa se pode dizer em favor de Bolsonaro. Ele não comete estelionato eleitoral. Tenta cumprir todos os desatinos prometidos durante a campanha. Não dá para reclamar de ele ser conservador. Ele foi eleito com essa plataforma e, numa democracia, se a sociedade decide coletivamente caminhar para trás, caminha-se para trás.
Só que o presidente perde a razão quando se apoia em erros factuais para justificar suas idiossincrasias. Não é verdade, por exemplo, que exista uma centralização de investimentos em faculdades de filosofia e sociologia. Como mostrou análise de Sabine Righetti e Nina Stocco Ranieri, as matrículas em filosofia ou sociologia representaram apenas 0,6% do total de inscrições em 2017. São ainda cursos incomensuravelmente mais baratos que os de áreas tecnológicas, o que significa que é preciso ter tomado um ácido para imaginar que exista concentração de verbas nessas carreiras.
Como dizia o senador americano Daniel Patrick Moynihan, aliás, uma rara combinação de pessoa que deu certo na política e na academia (sociólogo), “você tem direito a sua própria opinião, mas não a seus próprios fatos”.


Hélio Schwartsman
Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".

Nova era imperial se inicia no Japão, DW


Abdicação do imperador Akihito marca fim da era Heisei no país asiático. Com regência cosmopolita, antigo soberano japonês deu novo sentido e vida ao seu papel de símbolo estatal. Seu filho deve continuar esse legado.
    
Imperador Akihito e imperatriz Michiko, do Japão
Akihito e Michiko: novo tipo de casal imperial
Com a abdicação do imperador Akihito, nesta terça-feira (30/04), seu reinado, denominado Heisei ("trazer a paz"), chega ao fim após cerca de 30 anos. Começa a era Reiwa.
Foi uma época pouco gloriosa para o Japão. O milagre econômico terminou, a China substituiu o país insular como segunda maior economia do mundo. A população envelheceu, o Estado se endividou como nenhum outro. No país fala-se de "décadas perdidas".
Durante a era Heisei, houve 17 diferentes primeiros-ministros, dos quais apenas quatro governaram por mais de dois anos. A constância e a confiabilidade foram asseguradas pelo imperador Akihito e sua esposa Michiko.
Eles prestaram uma importante contribuição a essa época, dando consolo à população através de encontros com vítimas de desastres naturais, e fizeram da manutenção da memória da Segunda Guerra Mundial a consciência moral da nação.
Consolando e advertindo, Akihito atribuiu novo significado à instituição do imperador, definida pela Constituição pós-guerra como um "símbolo de unidade nacional e estatal".
Quando Akihito subiu ao Trono do Crisântemo, em 7 de janeiro de 1989, a família imperial ainda estava em crise. Seu pai, Hirohito, perdera o caráter divino devido à derrota na Segunda Guerra, tentando depois em vão se aproximar do povo. A reverência dos japoneses diante do tímido monarca permanecera simplesmente exagerada.
Mas, logo após a guerra, Hirohito aclamou uma monarquia constitucional tendo o Reino Unido como modelo. Ele escolheu Elisabeth Gray-Vining como professora particular, a fim de que seu filho fosse educado para se tornar um novo tipo de imperador.
A autora americana de livros infantis transmitiu ao adolescente ideias estrangeiras e percepções europeias de monarquia. Contra a resistência da corte, Akihito casou-se mais tarde com uma plebeia, criou os dois filhos em sua própria casa e os enviou para estudar em Oxford.
Imperador Akihito fala com vítimas de terremoto em 2016
Imperador Akihito fala com vítimas de terremoto em 2016
Imperador popular
Akihito também quis modernizar a instituição do tenno  (imperador). "Como todos os monarcas anteriores, eu gostaria de ter sempre em mente a felicidade dos cidadãos e, ao mesmo tempo, buscar uma regência que se encaixe nos tempos atuais", anunciou Akihito poucos meses depois de subir ao trono.
Junto a sua esposa, ele aumentou o número de aparições públicas e tornou a popularidade uma prioridade. Depois de uma erupção vulcânica em 1991, Akihito e Michiko visitaram as vítimas em roupas casuais, ajoelharam-se diante delas e as consolaram. Isso chocou os conservadores, mas inspirou o povo e a mídia.
Assim, o casal imperial encontrou seu próprio estilo. A partir de então passou a apertar as mãos de vítimas de desastres, visitar asilos de idosos e instalações para deficientes, encontrando sempre palavras calorosas.
"Esse novo estilo foi bem-recebido pelo povo, justamente na era Heisei, quando a desigualdade social crescia e muitos se sentiam deprimidos e sem perspectivas", explicou o especialista em assuntos imperiais Hideya Kawanishi, da Universidade de Nagoya.
Assim, Akihito tornou-se um símbolo de integração nacional, como estabelecido pela Constituição. Quanto mais a população respondia positivamente, mais o imperador intensificava suas atividades.
Imperador Akihito e imperatriz Michiko na celebração dos 70 anos do fim da Segunda Guerra
Akihito e Michiko na celebração dos 70 anos do fim da Segunda Guerra
Seu outro foco foi o legado histórico do pai, em cujo nome as tropas imperiais conquistaram metade da Ásia. Até hoje, a elite conservadora do Japão reluta em reconhecer e desculpar-se pelo sofrimento causado pela guerra.
Nesse ponto, Akihito pôde deixar sua marca, embora fosse proibido de fazer declarações políticas pela lei imperial. Para suas primeiras viagens ao exterior, o tenno  escolheu a Indonésia e a China. No Império do Meio, lamentou a agressão pelo Japão e elogiou as conquistas da cultura chinesa, lembrando os japoneses de quanto sua própria cultura deve à China.
Por ocasião do 70º aniversário do fim da Segunda Guerra em 2015, enquanto o primeiro-ministro nacionalista Shinzo Abe renunciou à palavra "arrependimento", o imperador enfatizou "uma profunda autocrítica" em seu próprio discurso.
"Para ser franco, Akihito se comprometeu mais com uma reconciliação sustentável do Japão com os vizinhos asiáticos do que a maioria dos primeiros-ministros da era Heisei", apontou o historiador Torsten Weber, do Instituto Alemão de Estudos do Japão, em Tóquio.
Príncipe-herdeiro Naruhito e sua esposa Masako, novo casal imperial japonês
Príncipe-herdeiro Naruhito e sua esposa Masako, novo casal imperial japonês
Mais tarde, o casal imperial visitou as Filipinas e muitos cenários de batalhas entre o Japão e os EUA no Pacífico. Devido a suas algemas legais, Akihito não pôde se desculpar pela guerra, mas sempre encontrou palavras de arrependimento cuidadosamente escolhidas e orou por todas as vítimas da guerra.
Como parte dessa diplomacia imperial, Akihito também quis visitar a Coreia do Sul, referindo-se a linhagens comuns com a Casa Real coreana Paekche. Contudo a visita seria sensível demais para o governo, devido ao conflito em torno da prostituição forçada de coreanas pelo Exército japonês.
"Para os líderes de opinião conservadores, Akihito não é considerado politicamente alinhado, embora eles gostem de cooptar o imperador para seus objetivos", comentou o historiador Weber.
Segundo conhecedores da família imperial, a decisão de Akihito de abdicar prematuramente deve-se à tentativa de forças conservadoras de limitar suas atividades, aludindo a sua idade e saúde.
Sob essas circunstâncias, consta que Akihito temera que a nova imagem imperial evanescesse e a permanência da instituição fosse novamente ameaçada. "Akihito quer abdicar prematuramente para passar suas atividades intocadas ao filho", deduz o especialista em assuntos imperiais Kawanishi.
E isso pode dar certo: em fevereiro último, o novo imperador Naruhito prometeu seguir os passos de seus pais. Reiwa, o nome da nova era, é formado por dois caracteres kanji, significando "ordem" e "paz" ou "harmonia".