sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Campinas será 1ª cidade do país a usar esgoto tratado para abastecimento


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Em meio à forte estiagem que atinge o Sudeste, Campinas (a 93 km de SP) anunciou nesta quinta-feira (30) que será a primeira cidade do país a usar esgoto tratado para o consumo direto da população.
A obra está estimada em R$ 12 milhões, será financiada pela concessionária que administra o aeroporto de Viracopos e deve ficar pronta em 18 meses.
Atualmente, parte do esgoto da cidade é tratado e transformado em água de reúso -que tem 99% de pureza, mas não serve para consumo humano.
Parte dela é utilizada pelos bombeiros e pela prefeitura, para regar praças e jardins, por exemplo, e vendida para empresas, como o próprio aeroporto. Outra parte é despejada no rio Capivari.
A diferença é que, com a construção de uma adutora de 19 km, anunciada nesta quinta, a água de reúso será toda lançada no rio no ponto onde a Sanasa (empresa mista de água e esgoto do município) capta água para abastecer cerca de 7% da cidade, que tem 1,1 milhão de habitantes.
Ou seja: o esgoto transformado em água de reúso será lançado no rio, e a água misturada –a que já estava no leito mais a de reúso– será captada para uma nova etapa de tratamento antes de seguir para as torneiras dos campineiros.
"É algo inédito, mas totalmente seguro e sem qualquer risco para a população", afirmou o prefeito de Campinas, Jonas Donizette (PSB), ao anunciar a projeto. "Das águas que são despejadas nos rios, a maioria é muito mais poluída [que a água de reúso]. O grau de pureza é de 99%."
A Aeroportos Brasil Viracopos, concessionária que administra o sexto maior aeroporto do Brasil, ficará com 10% da água de reúso produzida –a capacidade de produção da Epar (Estação Produtora de Água de Reúso) Capivari é de 360 litros por segundo. Os outros 90% serão despejados no rio, captados na sequência e tratados novamente.
"Eu vou jogar [a água de reúso] no rio por uma questão psicológica e porque não existe legislação específica no Brasil para tratar direto e oferecer à população", diz Marco Antônio dos Santos, diretor-técnico da Sanasa. "Nós vamos gastar mais dinheiro fazendo isso, mas é preciso para as pessoas se acostumarem com a ideia."
"Tenho muita tranquilidade em falar que essa água [de reúso] é muito melhor [que a do rio]", afirma Santos. Uma análise da água de reúso com a adição de cloro, diz, passou em todos os requisitos da portaria 2.914 (que dispõe sobre a qualidade da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade).
Para pagar o investimento feito por Viracopos, a Sanasa vai parcelar os R$ 12 milhões com descontos na conta de água do aeroporto. Hoje, o gasto mensal é de aproximadamente R$ 200 mil, valor que deve aumentar com a expansão do aeroporto.
2ª ESTAÇÃO
Também no prazo de 18 meses, a Sanasa pretende transformar a ETE (Estação de Tratamento de Esgoto) Anhumas em uma segunda Epar, para melhorar a captação da cidade no rio Atibaia (que abastece 93% da população).
O custo para transformar a estação é de R$ 90 milhões, mas ainda não está definido de onde virá o investimento –a Epar Capivari foi construída entre 2010 e 2012 com dinheiro do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento).
A adaptação vai fazer com que os atuais 600 litros por segundo de esgoto tratado que são jogados no ribeirão Anhumas, afluente do Atibaia que deságua a menos de 1 km da captação da Sanasa no rio, sejam transformados em água de reúso e também melhore a qualidade do rio, diminuindo a concentração de poluentes e barateando o tratamento.
Questionado sobre a possibilidade de a população rejeitar a ideia de consumir o esgoto tratado, o prefeito de Campinas disse que não tem esse temor e que a desinformação deve ser combatida. "Muitas regiões do país dão água para a população de menor qualidade [que a água de reúso], e ainda vamos jogar essa água no rio e fazer o tratamento de novo."
OUTRAS MEDIDAS
Como resposta à crise de abastecimento que deixou até 50% da população sem água nas torneiras por 11 dias, a Prefeitura de Campinas e a Sanasa anunciaram outras medidas nesta quinta, entre elas a contratação de uma empresa que vai analisar a viabilidade da construção de uma represa com capacidade para manter a população de Campinas abastecida por, no mínimo, 77 dias.
O desabastecimento que atingiu os campineiros teve três principais fatores: altas temperaturas, que aumentaram o consumo da população, baixa vazão dos rios e má qualidade da água, que impedia o tratamento de líquido em quantidade suficiente para atender a demanda, e baixa capacidade de reservação da Sanasa (hoje, os reservatórios da empresa são capazes de manter a cidade abastecida por apenas seis horas, caso haja um problema na captação).
Foi anunciado também um programa de pagamento por serviços ambientais a quem preservar nascentes (das 2.500 existentes, 2.000 estão em estado de degradação) e de punição a quem cometer crimes ambientais, a criação de um grupo de trabalho permanente para empreendimentos imobiliários sustentáveis, envolvendo diversas secretarias municipais e entidades civis como o Secovi, o Crea e o Comdema, e o endurecimento na fiscalização de desperdício de água.
"Todas as medidas que estamos tomando são importantes para que não falem que estamos esperando chover", diz o prefeito, que evitou dizer se no curto prazo a população pode ser novamente afetada pela falta de água nas torneiras. "Nós estamos trabalhando. Agora, a chuva precisa vir, e, se Deus quiser, virá."

A água da chuva pode ser usada para fins não potáveis

A água da chuva pode ser usada para fins não potáveis, como lavar piso, carros, irrigar plantas e descarga de vaso sanitário

Reprodução/ Pinterest
Reprodução/ Pinterest
Ideia é incentivar pessoas a construírem as próprias cisternas
Pensando em empoderar os cidadãos e criar uma alternativa emergencial para a crise d'água de São Paulo, surgiu o Movimento Cisterna Já -iniciativa independente que pretende promover o reaproveitamento da água da chuva.
O grupo é composto por pessoas ligadas à permacultura e desde de agosto vem buscando soluções para a questão.
Claudia Visoni, uma das criadoras da iniciativa, explica que as cisternas foram identificadas como a ação mais simples e imediata, pois qualquer pessoa pode construí-las."Afinal, se os reservatórios não dão conta do abastecimento, segurar a água que cai do céu é uma solução", conta.
Reprodução/ Pinterest
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Movimento disponibiliza manuais e realizará oficinas e mutirões para captação da água da chuva
Como nas grandes cidades, a água da chuva é escoada muito rapidamente e, em contato com o chão ou esgoto, todo esse potencial é perdido.
Projeto
A ideia do movimento não é fazer a cisterna para ninguém, afinal o grupo não possui condições para isso.
O grupo pretende realizar mutirões para ensinar a construção das cisternas. O primeiro evento acontecerá no dia 9 de novembro, no Festival da Praça da Nascente, com horário a confirmar.
reprodução
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Manual para construção de mini cisterna caseira
Na página do grupo, já é possível encontrar manuais para construção de cisternas, locais onde encontrar os produtos, além de outras referências. Acesse aqui.
Sobre a crise
Para Claudia, a crise é um bom momento para revermos o modelo centralizado de recursos. "No passado, a humanidade não era assim. As fontes de energia, água e alimentos eram pulverizadas. Hoje, jogamos na mão do estado e das empresas prover todos os recursos e estamos entrando em colapso", conta.
"É preciso rever esse modelo de toda energia sair de Belo Monte e toda a água sair da Cantareira. Não está dando certo.  E se transformássemos esse investimentos em painéis solares e cisternas? Resolveríamos o problema sem devastar nada", comenta.

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Como Geraldo Alckmin, representante da linha-dura tucana, se prepara para ser o próximo presidente do Brasil (pauta)


Uma turma de tucanos e afins venceu a eleição, ainda que o TSE tenha anunciado a vitória da petista Dilma Rousseff. Geraldo Alckmin é seu líder. São os linhas-duras, como o coronel Telhada, os pastores Silas Malafaia e Marco Feliciano, as viúvas da Ditadura; são os neo-bandeirantes, que professam um barulhento regionalismo contra o norte e o nordeste; os que defendem o encarceramento em massa e a redução da maioridade penal; os que enaltecem a polícia violenta e se opõem à ampliação dos direitos LGBTT e da mulher; a turma que tem ojeriza à ideia dedescriminalizar o uso da maconha.
As urnas mostraram que as hostes de Geraldo Alckmin avançaram sobre territórios petistas nunca dantes alcançados, enquanto as Minas Gerais de Aécio Neves humilharam o candidato tucano, votando majoritariamente em Dilma.
O mesmo aconteceu em Pernambuco, onde a família de Eduardo Campos, depois de decidir por Aécio, amargou a derrota que o finado jamais experimentou.
Alckmin saiu do segundo turno já consagrado como o próximo candidato tucano à presidência da República. 
Costuma-se perguntar o que Geraldo Alckmin tem tanto a seu favor que nada, nem as contas secretas dos operadores do escândalo do metrô; nem a implantação da USP Leste sobre um lixão tóxico; nem os índices crescentes de criminalidade no Estado; nem as torneiras secas e a incompetência da Sabesp, conseguiram derrubá-lo.
Pois o que ele tem é uma narrativa coerente. Ele convence como um conservador que vive em consonância com o conservadorismo que professa.
Ele não finge ser contra o aborto, como fez a mulher de José Serra, Monica Serra. Todos se lembram dela fingindo indignação para denunciar que Dilma seria “a favor de matar as criancinhas”. Depois se soube que a própria Monica Serra, ela mesma, já havia feito um aborto, anos antes.
Alckmin não é assim. Ele é sinceramente contra.
Filho de um conservador simpático ao Opus Dei, Alckmin tem sólida formação católica. Ele não finge que defende os direitos humanos. “Quem não reagiu está vivo”, disse o governador paulista certa vez, justificando um massacre cometido pela PM, a mesma PM que acaba de bater mais um recorde de letalidade, com o crescimento em 150% no número de mortes decorrentes –alegadamente – de confronto.
Alckmin não dá folga para os usuários de drogas –e as cadeias paulistas estão cheias de jovens presos com quantidades ínfimas de maconha ou outras substâncias. Isso apesar de seu correligionário e estrela maior do tucanato, Fernando Henrique Cardoso, ser um ferrenho defensor dadescriminalização da maconha. E apesar de Aécio Neves ser sempre relacionado a comportamentos heterodoxos na área.
E não venham falar em penas alternativas. Isso não é com Alckmin, o homem para quem governar é construir cadeias. No início do ano, ele prometeu entregar até dezembro 11 novas unidades prisionais no Estado. Serão mais 8.728 vagas abertas na verdadeira escola do crime que é o sistema carcerário, sabidamente controlado pelo PCC.
Ah, e tem a questão da redução da maioridade penal, mas nesse quesito São Paulo está na vanguarda, já dispensando aos menores infratores tratamento equivalente ao dos detentos em cadeias para adultos (veja, a propósito, entrevista com o antropólogo Fábio Mallart.
É uma agenda conservadora, que retira sua força do medo dos cidadãos paulistas de serem atingidos pela violência da bandidagem. E como não temer essa violência se a Capital de São Paulo registrou até setembro 121.940 roubos, número que quase se iguala ao total de roubos registrado em 2013 inteiro?
Alckmin é mestre no manejo da narrativa da violência. Se o número de crimes aumenta, ele anuncia mais polícia nas ruas, mais prisões. E logo surge uma estatística mostrando que a PM está matando mais – o que os arautos da violência policial apresentam como a prova de que as forças da lei e da ordem estão trabalhando.
É por essas e outras que Alckmin se tornou o grande vitorioso na derrota tucana. Um Aécio colado em FHC não conseguiu nem sequer ganhar em seu próprio Estado. Marina e a agenda sonhática desidratou-se no embalo das idas e vindas de sua proverbial falta de convicção.
Vários marqueteiros e alguns luminares atribuíram a derrota tucana à incapacidade da campanha de Aécio em entender os eleitores, grandemente transformados depois de 12 anos de governos petistas.
“A sociedade brasileira é outra. E o PSDB tem dificuldade de reconhecer que, durante o governo Lula, houve melhoria expressiva”, disse o ex-ministro das Comunicações Luiz Carlos Mendonça de Barros, do primeiro governo Fernando Henrique Cardoso. Querer ganhar eleição com um programa de governo que tinha como ponto forte a volta de Armínio Fraga, convenhamos, foi coisa de doido.
Alckmin é diferente. Ele entende e oferece algum tipo de resposta para as angústias desse novo eleitor, que conseguiu comprar o primeiro carro, o primeiro celular chique, a primeira geladeira dúplex, além de colocar o primeiro filho na faculdade.
Oferece a repressão brava contra quem queira tomar na marra o que foi tão arduamente conquistado. Não resolve, mas consola saber que “vai ter troco”. É disso que vivem os programas sensacionalistas, Datenas e Marcelos Rezendes, de todas as tardes.
Isso posto, é razoável supor que a renovação no ninho tucano jogue fora a agenda descriminalizadora, FHC e os antigos fundadores do PSDB  – tudo junto – para melhor acolher a linha-dura dos setores mais conservadores do partido. E que a próxima campanha eleitoral tucana dê-se sob o signo da ordem e da moralidade alckmista (sem esquecer o receituário ortodoxo e privatista de sempre).
A saída para a esquerda é parar de se fingir de poste quando a questão é o enfrentamento das questões ligadas aos direitos humanos. Já se viu que o reencantamento da juventude com a política passa pela questão das drogas (como fez a esquerda uruguaia), pela luta contra o racismo e a homofobia, em defesa dos direitos da mulher, pelo acesso à cultura e à educação, pelo direito à cidade de todos, pela agenda ambiental, pela diversidade.
Os imensos progressos materiais que o povo pobre tem realizado sob os governos petistas até agora serviram mais para alimentar a fogueira do individualismo, do egoísmo e do consumismo do que para forjar novas formas de solidariedade, tão necessárias à idéia de um país justo e fraterno. Este é um dos maiores e mais importantes desafios do PT e da esquerda na próxima gestão Dilma.
Em tempo: Contrariando todas as expectativas, as pesquisas e os prognósticos, em plebiscito realizado no domingo, dia 26 de outubro, o Uruguai rejeitou a redução da maioridade penal. Mostra que a esquerda ganhou um importante round na disputa pelos corações uruguaios. E se fosse aqui?
Quem quiser ver os argumentos contra a redução da maioridade usados lá, leia aqui.