terça-feira, 22 de agosto de 2017

A estranha geração dos adultos mimados, Observador


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O fato de termos sido criados com cuidado e afeto pelos nossos pais, começou a confundir-se com uma espécie de sensação de que todos devem nos tratar como eles nos trataram.
Tudo começou com uma colega minha de estágio, há mais de 10 anos, que pediu demissão por acreditar que “não foi criada para ficar carregando papel”. Sim, carregar papel fazia parte das nossas tarefas, enquanto ajudávamos o juiz e os demais servidores públicos com os processos do Tribunal. Acompanhávamos audiências, ajudávamos com os despachos e, sim, carregávamos papéis entre o segundo e o quarto andar do edifício.
Os pais da menina convenceram-na de que ela era boa demais para aquilo. Não importava que nós fôssemos meninas de 19 anos, no segundo ano da faculdade, sem qualquer experiência, buscando aprender alguma coisa e ganhar uns poucos reais para comer hamburguer nos finais de semana. Ela, que tinha a certeza de ser uma joia rara, foi embora, deixando sua vaga vazia no meio do semestre e sobrecarregando todos os demais, inclusive eu, sem nem se constranger com isso.
O tempo passou e, quando eu já era advogada, tive um estagiário de vinte e poucos anos que, três meses depois de ser contratado, solicitou dois meses de férias. Eu nem sequer entendi o pedido. Perguntei se ele estava doente ou se havia algum outro problema grave. Ele me respondeu que não, que simplesmente tinha decidido ir para a Califórnia passar dezembro e janeiro, pois a irmã estava morando lá e ele tinha casa de graça. Eu mal podia acreditar no que estava ouvindo. Deixei ele ir e pedi que não voltasse mais.
Alguns anos depois, ouvi um grande amigo me dizer que iria divorciar-se. Ele havia casado fazia menos de um ano, com direito a uma imensa festa, custeada pelos pais dos noivos. Mais uma vez perguntei se algo de grave tinha ocorrido. Ele me respondeu que “não estava dando certo”, discorrendo sobre problemas como “brigamos por causa da louça na pia”, “não tenho mais tempo para sair com meus amigos” e “acho que ainda tenho muito para curtir”. Me segurei para não dar um safanão na cabeça dele. Aos 34 anos ele falava como um garoto mimado de 16. Tentava explicar isso para ele, mas era como conversar com a parede.
Agora foi a vez de uma amiga minha, com seus quase 30 anos, que me disse que iria pedir demissão pois fora muito desrespeitada no trabalho. Como sou advogada trabalhista, logo me assustei, imaginando uma situação de assédio moral ou sexual. Foi quando ela explicou: meu chefe fez um comentário extremamente grosseiro no meu facebook. Suspirei e perguntei o que era, exatamente. Ela disse que postou uma foto na praia, num fim de tarde de quarta-feira, depois do expediente, e o chefe comentou “Espero que não esqueça que tem um prazo para me entregar amanhã cedo”. E isso foi suficiente para ela se sentir mal a ponto de querer pedir demissão de um bom emprego.
Eu não sei bem o que acontece com a minha geração. O fato de termos sido criados com cuidado e afeto pelos nossos pais, começou a confundir-se com uma espécie de sensação de que todos devem nos tratar como eles nos trataram. O chefe, o colega, o marido, a mulher, os amigos, ninguém pode nos tratar de igual para igual e muito menos numa hierarquia descendente. Se não for tratado a pão de ló, este jovem adulto surta, se julga injustiçado e vai embora.
Acho que o mundo evoluiu e as situações nas quais se tratava alguém com desrespeito são cada vez menos toleráveis, o que é ótimo. Também é ótimo o fato de sermos uma geração que busca felicidade e não apenas estabilidade financeira. É bom termos a coragem de mudar de carreira, de recomeçar, de priorizar as viagens e não a casa própria.
Mas nada disso justifica que a minha geração tenha comportamentos tão egoístas, agindo como verdadeiras crianças mimadas. E o grande perigo é que essas crianças mimadas têm belos diplomas e começam a ocupar cargos importantes nas empresas e no setor público. Vamos nos tornar um perigoso jardim de infância, no qual quem manda não pode ser contrariado e quem obedece também não. Isso não será uma tarefa fácil.

sábado, 19 de agosto de 2017

Governo esvazia comissões da Assembleia, Folhapress

GABRIELA SÁ PESSOA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Se a Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo) fosse uma pizzaria, mal conseguiria esquentar o forno. Na semana passada, o prazo da CPI que investigava planos de saúde acabou com apenas 5 reuniões e outras 11 que não tiveram quorum.
Na quarta (16), a comissão parlamentar de inquérito que apurava a existência de um cartel para decidir o preço da laranja no Estado terminou com um relatório pouco contundente, sem quorum nas três reuniões anteriores.
"É um retrato evidente do Poder Legislativo no país", lamentou Barros Munhoz (PSDB), líder do governo e autor do pedido de CPI.
Durante a sessão, que presidiu, o tucano prometeu trabalhar por uma nova comissão. Já no gabinete, disse à reportagem que percebe uma descrença da Casa nas CPIs: "Pelo menos essa procurou fazer honestamente o seu trabalho. Conseguiu muito pouco, 15% do que deveria ter conseguido, mas é um caminho".
Para o governista, o problema foi o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), que não abriu os dados sobre o tema. O órgão afirma que entregará em 60 dias. É um tema de interesse do Bandeirantes, pois esbarra na arrecadação do Estado.
O esvaziamento não é um problema apenas nas CPIs. Nesta legislatura, 34% das reuniões de comissões permanentes, que discutem projetos de lei e requerimentos, não aconteceram por cancelamento ou falta de quorum.
O cálculo foi feito pela reportagem com base em dados no portal da Assembleia, contando de 2015 até este mês. Não havia informações sobre mandatos anteriores.
Os tucanos não controlam dois colegiados estratégicos: Infraestrutura, presidido por José Américo (PT) e com metade das reuniões realizadas, e Finanças -que deixou de se reunir em 31,7% dos encontros e é comandado por Wellington Moura (PRB) desde a morte do titular Celso Giglio (PSDB), em julho.
O esvaziamento é uma estratégia de disputa política pelo controle das comissões. O PSDB entende que Moura deveria convocar nova eleição para a de Finanças.
Américo diz que convoca os colegas para as reuniões de Infraestrutura, sem sucesso. Ele diz pensar que há orientação do presidente da Casa, Cauê Macris (PSDB), ou do líder do governo para que a base falte às comissões.
O governo tem 68 dos 94 deputados da Assembleia.
JATO
A velocidade é outra, no entanto, quando a pauta dá conta de projetos do governo.
Foi o que aconteceu na terça (15), quando Macris convocou um congresso de comissões -reunindo as de Constituição e Justiça, Infraestrutura e Finanças- para passar um projeto que quer transferir parte das ações da Sabesp para a iniciativa privada.
A reunião das comissões aconteceu, durante cinco minutos, ao mesmo tempo em que a plenária -o que é vedado pelo regimento.
Um vídeo, gravado no colegiado, mostra os deputados exasperados, passando o projeto de mão em mão. "Assina, assina deputado", ouve-se a presidente da comissão, Célia Leão (PSDB).
Na sequência, um parlamentar fala alto: "Assina aí, Cezinha, porra", dirigindo-se a Cezinha da Madureira (DEM), vice-líder do governo.
Na quarta (16), Alencar Santana (PT), líder do PT, disse que se tratava de "falta de transparência aprovar a toque de caixa" um projeto que muda a estrutura da Sabesp -para o partido, o texto é vago demais para a complexidade do tema. A legenda pediu anulação da comissão coletiva e Macris voltou atrás.
"Foi uma pressa desesperadora por parte do governo", disse Moura no plenário, que questionou: "Para que existem as comissões desta Casa?"
Situação semelhante aconteceu na comissão de Infraestrutura.
Em 1º de agosto, Macris convocou sessão extraordinária para aprovar um projeto do governo sobre a transferência de um imóvel. Não avisou ao presidente, José Américo, que pede a anulação daquela reunião.
"Nós [PT] imprimimos outro ritmo. Não significa que votaríamos contra. Somos contra votar no afogadilho", comenta Américo.
OUTRO LADO
Barros Munhoz diz não orientar a base a faltar às comissões e que não nota esvaziamento. "Sinceramente, há uma frustração, sim [com o processo legislativo]", ele pondera, referindo-se à falta de interesse dos deputados. Para ele, o regimento da Alesp está superado e há uma descrença no instituto da CPI.
Munhoz também defende revisão da Constituição, ampliado a competência legislativa das assembleias.
Roberto Massafera, líder do PSDB, diz não orientar os deputados e que a decisão de comparecer ou não às comissões é "individual" de cada deputado. Afirmou, no entanto, que irá verificar as ausências.
Cauê Macris, presidente da Casa, afirma que não compete ao presidente da Casa comentar atitudes dos deputados nas comissões.

sexta-feira, 18 de agosto de 2017

Vamos, por Guilherme Boulos

Diversos grupos e integrantes de partidos de esquerda anunciarão nesta semana um movimento para discutir projetos para o país e o futuro dessa corrente de pensamento.
Segundo organizadores, o debate não será pautado pelo calendário eleitoral. Porém, ele deve traçar cenários para 2018, com e sem a candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Não consta da pauta a formação de um novo partido, mas essa opção não está descartada.
Haverá uma série de debates em praças, transmitidos online por um site que permitirá a participação de internautas. O primeiro debate está previsto para 26 de agosto em São Paulo. Já há outros programados em Belém, Recife, Rio, Porto Alegre, Fortaleza e Belo Horizonte.
O site, batizado de Vamos!, entra no ar nesta segunda (14), desenvolvido pelo coletivo Mídia Ninja. A ideia se baseia no movimento que originou o partido Podemos, na Espanha, que tem como um dos pilares a horizontalidade.
"O que está colocado é discutir projeto para o próximo período, de 10, 20 anos. Nós temos uma crise do país e da esquerda, precisamos de uma discussão honesta, sem tabus, com espírito crítico", diz Guilherme Boulos, do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), que passou uma temporada na Espanha a convite do Podemos.
A articulação partiu da Frente Povo Sem Medo, da qual o MTST faz parte, e terá integrantes de PSOL, PT, PCB, UNE, Uneafro, CUT, Intersindical, MLB (Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas) e outros.
Segundo Boulos, foram convidados intelectuais como Laura Carvalho, colunista da Folha, e Raquel Rolnik, ambas da USP, o português Boaventura de Sousa Santos e líderes como Sônia Guajajara, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil.
Do mundo político virão representantes do Podemos espanhol, os petistas Tarso Genro e Lindbergh Farias, Luíza Erundina e Chico Alencar, do PSOL, e outros. Segundo a organização, os convites foram para as pessoas, não para os partidos.
"A ideia é assegurar uma participação que não seja restrita a militantes. Essa ferramenta de rede permite que mais gente participe, pessoas que às vezes não têm o costume de se organizar e atuar em movimentos de rua", diz Boulos.
"A gente entende que há uma demanda de participação política na sociedade, em especial na juventude, e que isso tem se expressado muito por rede social."
FATOR LULA
Em junho, integrantes de PSOL e PT que estão no Vamos! já haviam se reunido para uma primeira conversa sobre os rumos da esquerda. Como a Folha noticiou à época, o diálogo causou irritação ao ex-presidente Lula, que soube dele pela imprensa.
A articulação de agora é vista por alguns grupos como uma forma de pensar a esquerda "além de Lula" –um dos cenários para 2018 é que ele esteja inelegível, caso sua condenação no caso do tríplex de Guarujá (SP) seja mantida em segunda instância.
Boulos ressalta que há consenso entre os organizadores que o petista é vítima de perseguição e que há uma tentativa de tirá-lo do páreo "no tapetão". Por isso, pessoas do círculo de influência de Lula, como o presidente da CUT, Vagner Freitas, também deverão estar no debate.