quarta-feira, 2 de abril de 2025

O MEC deve defender o Pé-de-Meia, Elio Gaspari, FSP

 O Pé-de-Meia é o melhor programa social do terceiro mandato de Lula. Ele busca incentivar jovens carentes a permanecer nas salas de aula do ensino médio, oferecendo-lhes bolsas de R$ 1.000 ao fim de cada ano letivo concluído. O repórter André Shalders mostrou que o programa está contaminado por fraudadores. Numa balbúrdia de estatísticas, há cidades onde o número de bolsistas é maior que o de estudantes. Riacho de Santana, na Bahia, teve 1.231 bolsistas. A direção do único colégio público da cidade informa que há só 1.024 matriculados no ensino médio. Já a Secretaria de Educação do Estado diz que os alunos são 1.677. Para o MEC, eles seriam 1.860. Seja qual for o número certo, há gato na tuba.

Homem alto de terno e gravata segura microfone. Ao seu lado, outro homem, de terno e gravata também, gesticula em sinal de deferência. O fundo é azul e parece indicar um telão
O ministro da Educação, Camilo Santana, e o presidente Lula (PT) em evento do programa Pé-de-Meia - Evaristo Sá - 7.mar.2025/AFP

Nos últimos tempos, o MEC teve dois programas ambiciosos: o ProUni e o Fies. O primeiro matriculou em faculdades privadas estudantes bem colocados no Enem. Sucesso, não custou um centavo, pois as bolsas compensavam isenções tributárias concedidas há tempo. Já o Fies, em tese, financiava estudantes de faculdades privadas. Fracasso, emprestava sem fiador a jovens com desempenhos medíocres no Enem. Na vida real, repassaram-se para a Viúva as carteiras de inadimplência dos maganos do ensino superior privado. O Fies resultou num rombo estimado em R$ 20 bilhões.

Se o ralo do Fies tivesse sido reconhecido ou denunciado no primeiro ano da festa, o buraco teria sido menor. Infelizmente, o governo preferiu fazer o jogo do contente, enquanto as ações dos grupos que controlavam as faculdades bombaram na bolsa de valores.

As fraudes descobertas no Pé-de-Meia são pontuais, pois o dinheiro vai direto para o bolso dos estudantes ou de suas famílias. O MEC tem dois caminhos: pode varrer o problema para baixo do tapete com estatísticas mágicas ou pode cavalgar nas denúncias, expondo os municípios fraudadores. É difícil imaginar que as fraudes numa cidade partam de uma iniciativa dos estudantes. O lance seria impossível sem a mão invisível de gente da rede pública municipal.

Além das fraudes que podem desmoralizar o Pé-de-Meia, sob o guarda-chuva do MEC há hoje outra esquisitice. O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, Inepengavetou dados do seu sistema de avaliação do desempenho dos estados. A decisão, tomada pela direção, contrariou pareceres técnicos.

Os dados engavetados mostram que alguns estados vão bem e outros vão mal. O efeito político dessas avaliações é óbvio: alguns governadores ficarão felizes, e outros, amargurados.

O Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica) é uma conquista da pedagogia nacional. Ele mostra quem vai bem e quem não vai. Sua utilidade depende da divulgação das pesquisas.

Avaliar para engavetar seria repetir o que fazia dom Pedro 2º. Nas suas viagens pelo Brasil, além de contar degraus de escadas, fazia questão de visitar escolas, arguindo professores e alunos. Em 1859 ele foi à Bahia, contou 107 degraus, conversou com diversos professores, anotou tudo, para nada. Como lembrou Sérgio Buarque de Holanda, naquela figura avaliadora e paternal havia "muito lastro para pouca vela".

Os dados do Inep e o Pé-de-Meia não podem virar lastro de barco sem vela.

Le Pen foi finalmente condenada, e eu estou saboreando cada momento, Rui Tavares, FSP

 Fui colega de Marine Le Pen, de seu pai, Jean-Marie Le Pen, do defensor do brexit Nigel Farage e de muitos outros ídolos da ultradireita europeia durante cinco anos, entre 2009 e 2014, quando fui deputado no Parlamento Europeu.

Não que eu os visse muito. Em geral, esses deputados eurofóbicos não punham os pés nas comissões parlamentares, que ocupam grande parte do trabalho em Bruxelas. Apenas uma vez por mês era certo que se dignariam a aparecer, quando o Parlamento Europeu se desloca para Estrasburgo, na França, e o excesso de faltas pode dar origem à perda de mandato.

A imagem mostra uma mulher sentada em um ambiente legislativo, com as mãos apoiadas no queixo, aparentando estar pensativa. Ela tem cabelo loiro e usa uma blusa escura. Ao fundo, é possível ver outras pessoas e assentos vermelhos.
A líder de ultradireita francesa e membro do parlamento, Marine Le Pen, durante sessão na Assembleia Nacional em Paris, França - Gonzalo Fuentes/1.abr.25/Reuters

Mesmo aí, tirando um ou outro discurso, pai e filha Le Pen eram mais vistos à hora do almoço no restaurante dos deputados. Não me lembro de uma iniciativa legislativa, de um relatório, de nem uma emenda sequer que tenha melhorado a vida de quem quer que seja. Não era para isso que eles lá estavam.

Estavam para quê, então? Para ganhar dinheiro, dar dinheiro a ganhar, e fazer política partidária o tempo inteiro. Como é evidente, dado o que contei atrás, não seria difícil adivinhar que os assessores pagos com dinheiro do contribuinte europeu não teriam grande coisa para fazer ao serviço do Parlamento Europeu. Mas como os fundos de apoio à contratação eram gastos, e os assessores eram contratados, fácil também foi para os serviços do Parlamento Europeu chegarem à conclusão de que o dinheiro estaria a ser gasto para uso partidário, enriquecimento pessoal, ou ambos —o que é proibido pelo direito europeu.

Marine Le Pen foi avisada várias vezes e continuou rindo na cara da lei. O problema é que a lei francesa mudou, e no sentido que Marine defendia: a inelegibilidade automática dos políticos culpados de desvio de fundos no desempenho do seu cargo. Foi aí que ela deixou de rir e tentou antes uma estratégia de bloqueio e protelamento dos tribunais —até a última segunda-feira (31), quando foi finalmente condenada, após nove anos de julgamento com todas as garantias de defesa, a cinco anos de inelegibilidade.

Os pruridos que esta decisão provoca a algumas almas sensíveis não são compreensíveis. Marine Le Pen violou a lei conscientemente, desviou mais de US$ 4 milhões durante vários anos e persistiu depois de avisada. Pelo próprio critério que defendia, que era o de aplicar a inelegibilidade vitalícia, a pena foi até suave.

A questão mais interessante não está, no entanto, aí, mas antes no fato de que é a democracia europeia que tornou possível a carreira desses políticos que a querem destruir.

É sabido que uma das principais críticas que políticos como Le Pen fazem à União Europeia é da sua falta de democracia, em comparação com a democracia nos Estados-nação. Mas na França, durante muito tempo, o sistema eleitoral não permitia aos Le Pen chegar ao Parlamento francês, como Farage não conseguia chegar ao britânico.

Foi graças ao Parlamento Europeu e ao seu sistema proporcional que eles conseguiram chegar a ser "revolucionários profissionais" em tempo integral. Agora é uma lei nacional que interrompe a sua carreira. É uma bela ironia, e eu estou saboreando cada momento.

Ruy Castro - O Trump que Bolsonaro seria, FSP

 Hollywood era formidável em filmes de tribunal. Para ficarmos só nos clássicos, "O Vento Será Tua Herança" (1960) e "Julgamento em Nuremberg" (1961), ambos de Stanley Kramer; "Anatomia de um Crime" (1959), de Otto Preminger; "O Sol É para Todos" (1963), de Robert Mulligan; e o talvez melhor de todos, "Doze Homens e uma Sentença" (1957), de Sidney Lumet. Em suas disputas entre advogados ou jurados, sempre a luta por uma causa perdida. Em todas, a vitória da Justiça, baseada num princípio inarredável: a lei.

Foi como sempre enxergamos os EUA —arrogantes e sem escrúpulos no exterior, mas internamente sujeitos a um sistema legal de quase 250 anos e sólido demais para ser abalado por arroubos fora das, olha só, "quatro linhas". Agora Donald Trump está provando que não era nada disso. Bastaria que surgisse alguém chutando a porta, distribuindo tapas na cara e mandando todo mundo ficar de nariz contra a parede para que esse sistema se acoelhasse —com todo respeito pelos coelhos.

Trump descobriu em seu primeiro mandato que, se reeleito, o sistema não resistiria a um peteleco. Novamente de posse do Executivo e tendo reduzido seu outrora grande partido, o Republicano, a um bando de zumbis, só teria pela frente a Suprema Corte, esta já composta em maioria por seus homens, nomeados da outra vez. Para sua surpresa, são exatamente esses juízes que, ainda respeitosos à lei, estão tentando peitar suas indignidades.

Há dias, Hillary Clinton chamou Trump de "burro". Incrível, uma mulher com a tarimba de Hillary afirmar isso. Trump, por mais tresloucadas suas falas e atitudes, sabe o que diz e o que faz. Precisa destruir o sistema para impor outro, em que possa aplicar suas pretensões. A Groenlândia, por exemplo, não lhe interessa para fins turísticos —quer derretê-la para explorar seus minérios e petróleo. Há interesses em todos os aparentes absurdos que comete.

Para isso, Trump precisa imperar sem contestação. Como aqui faria Bolsonaro se tivesse sido reeleito.