quarta-feira, 22 de dezembro de 2021

De berço da inovação ao terror de moradores, entenda o caos de SF, The News

 

(Imagem: ABC News | Reprodução)

Welcome to San Francisco. A região que antes era considerada o berço das maiores inovações do mundo e da tecnologia, onde nasceram Google, Apple e outras startups que você conhece, parece estar vivendo uma fase bem turbulenta.

O que está acontecendo? Nos últimos dias, fotos mostraram alguns motoristas da cidade deixando os porta-malas dos carros totalmente abertos, para mostrar a possíveis bandidos que não existem itens de valor no interior dos veículos.

Segundo uma moradora, ladrões estão usando tecnologia para rastrear dispositivos eletrônicos dentro dos veículos, ou seja, colocar o MacBook no porta-malas não adianta. Esse vídeo é assustador.

Dados recentes sobre a região:

O que justifica isso?

A pandemia piorou a situação e, desde o ano passado, a quantidade de tendas e barracas também cresceu muito, mas há quem culpe as políticas mais progressistas da região.

Como assim? Há uma lei que classifica furtos abaixo de US$ 950 como contravenção penal, e não crime. Com isso, a maioria desses furtos são punidos apenas com multa ou serviços comunitários.

Zoom out: São Francisco é considerado um dos lugares mais caros para se viver em todo o mundo, ocupando o primeiro lugar nos Estados Unidos pelo sexto ano consecutivo — 17% maior que o restante do país.

Edgar Morin: “É preciso ensinar a compreensão humana”, Fronteira do Pensamento

 Matéria originalmente publicada em Fronteira do Pensamento

Nos acostumamos a acreditar que pensamento e prática são compartimentos distintos da vida. Quem pensa o mundo não faz o mundo e vice-versa.

Mas, houve um tempo em que os sábios, eventualmente chamados de cientistas ou artistas, circulavam por diversos campos da cultura. Matemática, física, arquitetura, pintura, escultura eram matéria-prima do pensamento e da ação.

A revolução industrial veio derrubar a ideia do saber renascentista e, desde o século 19, a especialização foi ganhando força. Porém, sempre haverá quem nos lembre que a vida é produto de um contexto, de um acúmulo de vivências e ideias.

Pense em um filósofo que pegou em armas contra o nazismo para depois empunhar as ferramentas da retórica contra o stalinismo, que reconhece a importância dos saberes dos povos originais sem abrir mão de pensar e repensar a educação formal.

Com mais de 90 anos, o francês Edgar Morin, nascido e criado Edgar Nahoum no início do século 20, é um dos mais respeitados pensadores do nosso tempo. Com uma gigantesca produção literária, pedagógica e filosófica. Em tempos de radicalismos, Morin é herdeiro do melhor do humanismo francês.

Em entrevista ao programa Milênio, Edgar Morin fala sobre o extremismo e o significado da educação na contemporaneidade. Leia abaixo:

Gostaria de começar com uma questão generalista. Sociólogo, antropólogo, filósofo, professor, escritor, e até, às vezes, jornalista. Qual a melhor definição de Edgar Morin e por quê?

Edgar Morin: A melhor definição seria não ter definição. De se bastar. A palavra “filósofo” talvez me conviesse bem, mas hoje a filosofia, no geral, se fechou em si mesma e a minha é uma filosofia que observa o mundo, os acontecimentos, etc. Sou muito marginal, quer dizer, sou marginal em todas essas áreas. Então, sou aquele que querem que eu seja.

Seria mais correto falar em um pensador do estilo renascentista, alguém que mistura um pouco essas histórias todas?

Edgar Morin: Não exatamente que mistura, mas que tenta fazer a ligação, que tenta ter uma cultura feita de conhecimentos que hoje estão dispersos. Mas, é verdade que o Renascentismo foi admirável pelos homens que tinham um conhecimento, não digo enciclopédico, mas aberto a várias áreas. Se quiserem, acho que as perguntas fundamentais de cada um a si mesmo, “quem somos nós, para onde vamos e de onde viemos?”, são questões fundamentais, precisamos respondê-las e não afastá-las.

A tragédia do nosso sistema de conhecimento atual é que ele compartimenta tanto os conhecimentos que a gente não consegue se fazer essas perguntas. Se perguntarmos “O que é o ser humano?”, não teremos respostas, porque as diferentes respostas estão dispersas. E, no fundo, é isso que chamo de pensamento complexo, um pensamento que reúne conhecimentos separados.

E esse pensamento complexo do qual o senhor fala estaria em oposição a um pensamento simples. Como se dá esse duelo hoje, num setor que o senhor conhece bem, o ensino?

Edgar Morin: O que chamo de desafio da complexidade é que estamos em um mundo onde encontramos problemas tão difíceis e separados, e uni-los. Como fazer isso? Eu fiz um trabalho ao longo de muitos anos para, de certa forma, elaborar um método que possibilite a união desses saberes, porque não podemos simplesmente sobrepor, é preciso articulá-los.

Acredito que, para uma melhor compreensão da realidade, para entender quem somos, que você é um ser complexo, que eu sou um ser complexo, não podemos estar reduzidos a um único aspecto da personalidade, para saber que a sociedade é complexa, para entender a globalização. Acredito que é sim necessário um pensamento assim, senão temos um pensamento mutilado, o que é muito grave, porque um pensamento mutilado leva a decisões erradas ou ilusórias.

E como traduzir isso para os alunos, para as novas gerações, por meio do ensino? Como é possível encarar essa tarefa tão difícil para os educadores, para aqueles que estudam a educação e querem passar adiante esse pensamento mais complexo, com uma visão um pouco mais ampla do mundo do que aquela homogeneizada, simplista, com certezas bastante frágeis?

Edgar Morin: Eu proponho, no ensino, a introdução de temas fundamentais que ainda não existem. Quer dizer, proponho introduzir o tema do conhecimento, pois damos conhecimento sem nunca saber o que é o conhecimento. Mas, como todo conhecimento é uma tradução seguida de uma reconstrução, sempre existe o risco do erro, o risco de alucinações, sempre.

Eu proponho o método de incluir esses temas, de incluir o tema da compreensão humana. É preciso ensinar a compreensão humana, porque é um mal do qual todos sofrem em graus diferentes. Começa na família, onde filhos não são compreendidos pelos pais e os pais não entendem seus filhos. Pode continuar na escola, com os professores e os colegas. Continua na vida do trabalho, no amor e acho que temos que ensinar também a enfrentar as incertezas. Porque em todo destino humano há uma incerteza desde o nascimento.

A única certeza é a morte e não sabemos quando. Mas, é claro que estamos em meio, não apenas das incertezas que chamaria de normais, de saúde, casamento, trabalho, mas também uma incerteza histórica impressionante.

Antes, a gente achava que existia um progresso certo e agora o futuro é uma angústia. Por isso, suportar, enfrentar a incerteza é não naufragar na angústia, saber que é preciso, de certa forma, participar com o outro, de algo em comum, porque a única reposta aos que têm a angústia de morrer é o amor e a vida em comum.

Isso nos traz a um dos muitos caminhos que temos para nos conhecer e conhecer o outro, que é a participação política. E o senhor, desde muito cedo, teve uma participação política muito importante. Na Resistência e, depois, com suas relações no Partido Comunista. Mas, muito cedo também, o senhor aprendeu a fazer essa autocrítica e não hesitou em criticar duramente o Partido Comunista e a ascensão da URSS Stalinista, depois da China maoísta. Mais recentemente, a globalização. Politicamente, hoje, qual a luta que o senhor considera que vale a pena lutar? Sabemos que o mundo vive uma crise profunda de representação nas democracias, nos partidos, nos sindicatos. Como fazer essa luta política?

Edgar Morin: Antes de mais nada, é preciso entender bem que estamos ameaçados, cada vez mais, por duas barbáries. A primeira barbárie a gente conhece, vem desde os primórdios da história, que é a crueldade, a dominação, a subserviência, a tortura, tudo isso.

A segunda barbárie, ao contrário, é uma barbárie fria e gelada, a do cálculo econômico. Porque quando existe um pensamento fundado exclusivamente em contas, não se vê mais os seres humanos. O que se vê são estatísticas, produtos burros. No fundo, o cálculo, que é útil, mas como instrumento, se torna um meio de conhecimento, mas de falso conhecimento, que mascara a realidade humana.

No fundo, assim que entra o cálculo, os humanos são tratados como objetos. E hoje, com o domínio justamente do poder e do dinheiro, com o domínio do mundo burocrático, tudo isso, é o reino da barbárie gelada. Se preferir, é preciso repensar a política e nós estamos na pré-história desse momento. É preciso saber se as forças negativas, a corrente negativa vai ser mais forte do que as forças positivas que tentam se levantar hoje no mundo e são ainda muito dispersas.

Como fazer com que todas essas ferramentas, que existem e foram desenvolvidas nas últimas décadas, possam ser utilizadas de uma forma, digamos, mais positiva?

Edgar Morin:Antes de mais nada, é verdade que informação não é conhecimento. Conhecimento é a organização das informações. Então, estamos imersos em informações e como elas se sucedem dia a dia, de certa forma, não temos como ter consciência disso. De outra parte, os conhecimentos, como eu disse, estão dispersos. É preciso uni-los, mas falta esse pensamento complexo.

Dito isso, quando pensamos sobre a internet, a internet virou uma força incrível, eu diria que em todas as direções, tanto para o lado negativo quando para o positivo.

O que há de extraordinário na internet e em todos esses meios que você citou é que, hoje, um Estado pode controlar um indivíduo em todos os seus gestos e atos, mesmo quando ele está na rua lendo um jornal. Podemos ser controlados. Mas, ao mesmo tempo, através da internet, um ou dois indivíduos razoavelmente talentosos em matemática podem decifrar os segredos do Pentágono, segredos diplomáticos dos mais importantes do Estado mais forte do mundo.

O senhor acha que neste mundo, com tantas coisas que regridem, um país como o Brasil que o senhor conhece tanto tem algo a ensinar aos outros notadamente quando se vê essa sociedade mestiça, essa mistura que existe de verdade. Mesmo que tenhamos os nossos problemas com o racismo, nossos problemas de exclusão e tudo isso. Mas, o senhor acha que essa sociedade brasileira, com todos esses problemas, tem algo a ensinar?

Edgar Morin: Apesar dos limites, digamos, do caráter de segregação social, é uma sociedade indiscutivelmente mestiça, que conseguiu integrar contribuições vindas da África. Nunca em outro país a contribuição africana foi tão intensamente integrada nos costumes, nem que seja na gastronomia, nas danças, nos cantos.

É um país muito interessante também onde, no Sul, que tem muitos imigrantes alemães e italianos e o Nordeste, que é muito diferente com sua população, os caboclos… Apesar dessa grande diversidade, é um país que nunca quis se separar. Vejam a Itália, a Itália do Norte quer se separar da do Sul, veja a Inglaterra, a Escócia quer deixar o Reino Unido.

No Brasil, mesmo com toda essa extraordinária heterogeneidade, existe uma cultura comum que mantém a unidade. Ou seja, pra mim, o Brasil é um grande estimulante. Um estimulante intelectual, mas também humano, pois tem um calor humano, um sentimento de familiaridade, que também perdemos na França e encontramos, muito vivo, no Brasil.

Eu já o vi e li dizendo que o monoteísmo era o flagelo da humanidade. Queria saber se o senhor mantém essa posição hoje, frente ao que vemos no Oriente Médio e nas lutas nacionalistas que misturam a religião à importância nacional.

Edgar Morin: A fórmula é parcialmente verdadeira. Por quê? Porque há outro aspecto muito presente no Cristianismo, sobretudo no Cristianismo de caráter evangélico, e também no Islã, onde também há como princípio um Deus magnânimo e misericordioso. Existe um universalismo, porque o Cristianismo e o Islã se dirigem a todos os homens, a todos os seres humanos, não importa a raça.

Quando vemos a história do Cristianismo, há uma renovação dessa fonte de fraternidade e de evangelismo. Mas, quando olhamos a mesma história do Cristianismo, também vemos guerras religiosas, a Inquisição, as perseguições, as fogueiras, as cruzadas e tudo isso. E quando olhamos para a história do Islã também.

Dito isso, o que é o monoteísmo? É o que vê a unidade no mundo. O que é o politeísmo? É o que vê a diversidade no mundo, que vê, como os antigos gregos, mas também no Candomblé, vocês têm Iemanjá, deusa das águas, têm os outros, dá pra dizer que são complementares. Uns veem a diversidade e outros a unidade.

Mas, o politeísmo sempre foi mais tolerante do que o monoteísmo, sempre foi menos dogmático. E, se hoje, o Hinduísmo fica agressivo contra o Islã é que ele próprio vive uma luta entre duas religiões, mas, em princípio, as religiões politeístas são mais… Mas, como estou fora dessas religiões, apenas constato.

Acredito que a virtude dos politeístas seja a de respeitar também a natureza. Quando se tem a Pacha Mama, da tradição andina, temos o amor da mãe terra. O Cristianismo separou, como aliás o Islã, os dois tendo a mesma fonte, a Bíblia. Dizem que Deus criou o homem à sua imagem, diferente da dos animais. Paulo disse que os humanos podem ressuscitar, mas os animais não.

Criamos a dissociação com a natureza, acentuada pela civilização ocidental, dizendo que, através da ciência e da tecnologia podemos dominar e controlar a natureza. Mas, é preciso reencontrar o sentido da natureza de uma forma não mais politeísta, mas humana, quer dizer, sentir essa vida, esse sentimento que expressava Spinoza, que a criatividade e a divindade estão na natureza.

Qual seria, então, na sua opinião, o maior desafio do ensino escolar hoje no mundo? Fazer esse equilíbrio sociedade tecnológica e humana, o equilíbrio entre o dinheiro e o saber, entre o humanismo e a individualidade?

Edgar Morin: Antes de mais nada, é não se deixar contaminar pela lógica da empresa. Uma universidade não é uma empresa, é como um hospital, não é uma empresa.

A lógica não é a do lucro, não é a dos benefícios, não é a do equilíbrio orçamentário, é outra lógica. Depois, não obedecer ao dogma da avaliação. Avaliamos e avaliamos, quando, na realidade, a avaliação também é um jeito de calcular que ignora a complexidade das realidades humanas.

O objetivo do ensino deve ser ensinar a viver. Viver não é só se adaptar ao mundo moderno. Viver quer dizer como, efetivamente, não somente tratar as grandes questões de que falamos, mas como viver na nossa civilização, como viver na sociedade de consumo.

Produzimos coisas descartáveis em vez de objetos reparáveis, que possam ser consertados. Então há toda uma lógica e é preciso dar, no ensino, os meios àqueles que vão se tornar adultos, de poder escolher alimentos, consumo, não usar o que não é bom e favorecer o que tem qualidade e o que é artesanal.

Acho que é preciso ensinar não só a utilizar a internet, mas a conhecer o mundo da internet. É preciso ensinar a saber como é selecionada a informação na mídia, pois a informação sempre passa por uma seleção – como e por quê? É preciso ensinar, há todo um ensinamento, para nossa civilização, que não está pronto. Tem isso e ainda o ensino dos problemas fundamentais e globais. Essa é a reforma fundamental que precisa ser feita.

Para terminar, professor, o que é que alimenta suas esperanças num mundo melhor?

Edgar Morin: A esperança é a ideia que o futuro já que é incerto e já que é desconhecido, pode justamente ser melhor e, no fundo, meu sentimento profundo é que eu sou um pedacinho temporário, numa gigantesca aventura, que é a da humanidade, que começou, talvez, há sete milhões de anos, quando um primata virou bípede. Que continuou e seguiu pela pré-história, a história, o fim dos impérios, os acontecimentos, as guerras mundiais. Uma aventura absolutamente incrível. E como o passado é incrível, eu sei que o futuro também será incrível.

Mas, sinto que faço parte dessa totalidade, querendo ou não. Isso também me leva para frente. Não renuncio. Sem querer, sou animado por esse sentimento de estar na aventura e quero também dar, mesmo que seja pequena, minha contribuição a isso. É isso que também me encoraja. Não tenho só esperança, tampouco desespero. Mesmo que saiba que a vida é, ao mesmo tempo, magnífica e trágica.

Uma das minhas máximas favoritas é: “o que não se regenera, degenera.” Nada está estabelecido para sempre. Se você tem a democracia, não é para sempre, pode degenerar. Se acabou com a tortura, não é para sempre, pode voltar. Quer dizer, é preciso estar com as forças da regeneração e sentir a necessidade dessas forças de regeneração me tonifica, me faz bem e espero fazer o bem também.

Ulisses Capozzoli - O tempo roubado a cada um de nós

Do início da redação deste pequeno relato, em exatas duas horas (12h59) ocorrerá o que se conhece como solstício de verão, em outras palavras, o maior afastamento aparente do Sol em relação ao equador, neste caso, para o hemisfério Sul. No Norte, o que acontece é o solstício de inverno, por um movimento invertido. O resultado disso? A maior incidência de radiação solar no hemisfério Sul e a menor no hemisfério Norte e aqui estamos tratando, evidentemente, de uma Terra de forma esférica, “oblóide” em linguagem mais técnica. Um oblóide é uma forma esférica não perfeita, com ligeira protuberância no equador, resultado da força centrífuga (literalmente do centro para fora) devida ao movimento de rotação do planeta, que produz, sucessivamente, noites e dias. Os mundos do Sistema Solar tem diferentes inclinações em relação ao plano de órbita em torno do Sol. Vênus, por exemplo, gira de “cabeça para baixo”, ainda que isso não passe de pura convenção. No espaço não existe “acima” ou “abaixo”, à “direita” e à “esquerda”. O espaço cósmico é absoluto em sua surpreendente imensidão o que nos leva a um paradoxo: um universo infinito é algo ininteligível. Mas seu aparente oposto, um universo finito, também é incompreensível para os padrões humanos.

O que pode ter inclinado o eixo de rotação da Terra, de aproximadamente 23,5º, em relação ao plano de órbita, a eclíptica? O choque de um corpo do porte aproximado de Marte que partilhou, no passado remoto, uma órbita com a Terra. Do impacto teria nascido a Lua que, agora, também se afasta da Terra à velocidade em que crescem nossas unhas e isso diminui lentamente a velocidade de rotação da Terra, ampliando a duração do dia/noite, o que significa dizer: numa concepção algo reducionista, o tempo “desacelera”. Dia/noite aumentam de duração, ao invés de diminuir, como parece ser a sensação geral. A introdução de uma infinidade de tolices impostas pela “civilização” ocupa cada vez mais um tempo precioso e limitado de nossas vidas, curtas como um entardecer. A quantidade de tarefas que se apossa, cada vez mais do cotidiano, leva à sensação de que o tempo, agora, passa mais rapidamente. O que está por trás disso, no entanto, é a alienação produzida pelo consumismo e a necessidade de se trabalhar cada vez mais para atender a essa exigência estúpida ditada por um sistema de produção alienante. A vida de cada um nós é drenada como a água de um balde furado. Ou mudamos de mentalidade, ou estaremos cada vez mais encurralados pela falta de tempo, algo que não se compra em nenhum lugar. Cada minuto a mais é, paradoxalmente, um minuto a menos nesta brevíssima passagem pela Terra, seja lá o que quer que isso signifique para cada uma da enorme diversidade de crenças que os humanos cultivam em uma pequena horta de valores.

Estou, momentaneamente, trabalhando em uma região da Mantiqueira em que o Sol de fim de tarde é dourado como laranja madura. Nas grandes cidades é avermelhado, por efeito da poluição de uma infinidade de fontes que calcinam nossos pulmões com indiferença do poder público, dominado pelo sistema de valores em que o único que conta é o lucro. A grana. O dinheiro. Como podemos ser tão estúpidos e, ao mesmo tempo, nos enxergarmos como “Homo sapiens”? ou “homens sábios” num espelho moldado para criar uma imagem distorcida de realidade? Pergunte às pessoas na fila do ônibus, do cinema ou do teatro e elas não saberão responder. A energia das pessoas está sendo drenada no esforço de sobreviver num mundo cada vez mais sem sentido, com a essência das coisas, as ideias, os conceitos e a cultura, reduzidos a coisas desprezíveis.

Se sobrar algum tempo a você que passa os olhos por este texto, dedique alguns minutos desta noite (a mais curta do ano, devido ao avanço do dia) a refletir sobre as estações do ano que tornam a vida na Terra tão diversa. Que leva os ursos à hibernação, em locais onde vivem os ursos, ao mesmo tempo em que, entre humanos, contribuiu para moldar a cor dos olhos e da pele, além de ter criado uma memória intrigante em toda a vida vegetal. As árvores não se cobrem de verde ao final do inverno, começo da primavera, ainda que possa não ter chovido? Elas fazem isso porque tem memória e sabem que, em breve, haverá abundância de água precipitada do céu. Humanos, nem sempre se dão conta desse prodígio da Natureza, obra de um universo em que a vida pode ter a finalidade de um espelho: uma superfície refletora indispensável para a criação de uma autoconsciência.


Sol no interior da constelação do Sagitário, em que está localizado o núcleo da Galáxia, neste solstício de verão no Sul, às 12h59 deste 21 de dezembro. Essa seria a imagem que um observador veria, caso pudesse distinguir o Sol contra o fundo escuro de estrelas. Crédito: Stefan Seip/APOD.