sexta-feira, 5 de novembro de 2021

Bolsonaro isolado na festa dos poderosos é símbolo da ruína selvagem do Brasil, VTF, FSP

 Nos encontros do G20, Jair Bolsonaro se comportou como o grosseirão que é, incapaz de conversas humanas e um provinciano da pior espécie. Foi desprezado (por Mario Draghi, Itália), tratado com tédio desinteressado (por Recep Erdogan, Turquia) ou condescendente (por Angela Merkel, Alemanha).

E daí? Para os interesses do país, tamanho vexame faz diferença? Pouca. Por vezes, a proximidade entre governantes pode ajudar a desembaraçar um aspecto de uma crise grande ou facilitar um início de negociação. No mais, interesses econômicos e projetos nacionais de domínio, paz ou guerra (mesmo por outros meios) determinam o grosso de relações internacionais, tendo como pano de fundo a inércia de história, geografia, cultura ou religião.

Aquelas situações constrangedoras, porém, são sintomáticas. Para começar, lideranças que não sejam amigas de selvagerias não querem aparecer em bons termos com Bolsonaro. É um risco político, ainda que pequeno, além de desagradável. Isso que está na cadeira de presidente do Brasil é um projeto de tirano, um líder da destruição ambiental e um inimigo da diversidade humana.

O presidente Jair Bolsonaro e o senador italiano Matteo Salvini durante homenagem aos pracinhas brasileiros em Pistoia, na Itália - Gabinete de Matteo Salvini via AFP

Apesar de não serem propriamente intelectuais, Angela Merkel, Emmanuel Macron ou até Boris Johnson fazem parte das elites educacionais de seus países; outros foram bem formados e têm longas carreiras na lida com assuntos de Estado ou na liderança de movimentos importantes da sociedade. Bolsonaro não tem outras inteligências, sabedorias ou formação; não sabe e não quer saber (não querer saber é a definição de ignorância).

Criou problemas com os principais parceiros do Brasil: ChinaFrança e União Europeia, os EUA de Joe Biden, o Mercosul. Não tem aliados afora autocratas, neofascistas ou chefetes da internacional da extrema direita. O caráter humana e democraticamente repulsivo do "networking" bolsonarista diminui o Brasil.

Mais do que promover a destruição ambiental e ser um propagandista da intolerância, da ignorância e da violência física, Bolsonaro é um inimigo da diplomacia. Não há pragmatismo no que faz, a não ser do ponto de vista da destruição.

Dado ainda por cima que a ruína econômica não tem prazo para acabar, o Brasil se torna entre irrelevante e infeccioso, a não ser que sirva de elemento menor das estratégias dos Estados Unidos, por exemplo. O Brasil de Bolsonaro pode ser marionete da política americana contra a China. Caso Biden colocasse um cabresto no terror ambiental do bolsonarismo, faria um ponto mundial.

Bolsonaro ficou isolado não apenas porque é repugnante ou incapaz de cumprir um roteiro escrito por diplomatas (tentar umas conversas redigidas por assessores, por exemplo). Fica em um canto principalmente porque o Brasil desce a ladeira, agora de modo acelerado pelo bolsonarismo. Quanto mais durar, mais essa estupidez terá consequências.

Se inconfiável, o Brasil pode deixar de ser fornecedor preferencial de matérias-primas de países como a China. Caso a "transição verde" avance, o que resta de indústria brasileira pode se tornar obsoleta (carros elétricos já estão no comércio; os biocombustíveis perderam a vez). A produção de commodities ambientalmente incorretas é um problema evidente para o futuro próximo (petróleo, para começar, mas também boi etc.: "carnes" e outras comidas "de laboratório"). Transformar floresta e cerrado em gases de estufa já é um problema crítico.

Um país longínquo, ignorante, meio pobre e incivilizado em quase tudo (violento, desigual e de pouca escola e ciência) será mais marginal. O isolamento vexaminoso de Bolsonaro na festa dos poderosos é a metáfora da nossa irrelevância selvagem crescente.


Deltan Dallagnol pede exoneração do Ministério Público, FSP

 


SÃO PAULO

O procurador Deltan Dallagnol, ex-chefe da força-tarefa da Operação Lava Jato, vai deixar o Ministério Público Federal. A informação foi antecipada pelo jornal O Estado de S. Paulo.

Em vídeo publicado nas redes sociais nesta quinta-feira (4), Deltan confirmou a decisão dizendo que tem várias ideias para seu futuro e defendendo o "voto consciente". "Posso fazer mais pelo país fora do Ministério Público", disse ele, sem detalhar se entrará na política, como o ex-juiz Sergio Moro.

Moro anunciou que vai se filiar ao partido Podemos, em evento na semana que vem, o que abre caminho para sua candidatura à Presidência da República.

Em entrevista nesta quinta, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), ironizou o anúncio de Deltan, ao ser questionado se pretendia retomar a votação da PEC (proposta de emenda à Constituição) que muda a composição do CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público).

"Não sei. Ela [a PEC] não terminou o jogo ainda, mas hoje ela teve um jogador importante que entrou no jogo, declarando que é candidato e pode ser que reacenda o debate", disse.

Deltan, 41, foi o principal porta-voz do Ministério Público Federal na operação deflagrada em 2014. Estava na instituição fazia 18 anos.

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Além da presença na mídia, cabia a ele organizar as diferentes frentes de apuração entre a equipe de procuradores envolvidos no caso no Paraná. Tinha participação reduzida no dia a dia dos processos e das audiências na Justiça Federal.

Ele ingressou na operação logo em suas primeiras fases, quando o então procurador-geral Rodrigo Janot decidiu formar uma força-tarefa para se dedicar exclusivamente ao caso, diante das dimensões das descobertas em andamento em Curitiba.

Na época, havia acabado de concluir um mestrado na Universidade Harvard. Reuniu a seu lado uma mescla de colegas experientes, como Ca rlos Fernando dos Santos Lima, com jovens, como Roberson Pozzobon, incluindo vários convocados de outros estados.

Santos Lima, assim como Deltan, era veterano do caso Banestado, um mega esquema de evasão de divisas por meio do extinto banco do estado do Paraná, hoje tido como um laboratório da Lava Jato.

No auge da operação, em 2016, o chefe da força-tarefa ficou marcado pela apresentação de um PowerPoint contra o ex-presidente Lula, no qual listava fatores que indicavam que o petista havia chefiado o esquema de corrupção na Petrobras.

Com o ritmo intenso de revelações e a prisão de grandes empresários e líderes políticos em decorrência das investigações deflagradas no Paraná, Deltan foi alçado à condição de um dos símbolos da operação, com homenagens em manifestações de rua.

Sempre foi questionado, porém, pelo foco dos trabalhos nas administrações do PT e pelos métodos para a obtenção de acordos de delação premiada, um dos pilares da Lava Jato.

Ao se desligar da instituição, Deltan abre mão de um salário bruto de R$ 33,7 mil mensais, além de benefícios e férias de 60 dias.

Em 2020, desgastado pela divulgação de conversas que manteve no aplicativo Telegram e que foram obtidas pelo site The Intercept Brasil, o procurador pediu para deixar os trabalhos da operação, citando motivos familiares.

As mensagens obtidas pelo Intercept e divulgadas pelo site e por outros órgãos de imprensa, como a Folha, expuseram a proximidade entre Moro e os procuradores da Lava Jato e colocaram em dúvida a imparcialidade como juiz do atual ministro da Justiça no julgamento dos processos da operação.

Após isso, porém, Deltan continuou se manifestando em redes sociais e em entrevistas sobre temas ligados à Lava Jato e à corrupção.

Sua saída da investigação ocorreu já em um momento de declínio, quando o procurador-geral Augusto Aras procurava mudar o modelo de trabalho de forças-tarefas.

O grupo exclusivo da Lava Jato foi encerrado em fevereiro deste ano —como a Folha mostrou nesta semana, agora os investigadores até evitam usar o nome da operação.

Em meio aos embates com políticos, Deltan se tornou alvo de procedimentos no Conselho Nacional do Ministério Público. Uma das representações o acusava de interferência em eleição para a presidência do Senado, em 2019, devido a críticas feitas ao senador Renan Calheiros (MDB-AL).

Quando era questionado sobre a intenção de deixar a carreira no Ministério Público para entrar na política, Deltan costumava desconversar.

Em 2018, disse à Folha que tinha sido procurado por partidos e não quis dialogar.

"Nunca tive o sonho de ser político ou criei planos concretos nessa direção. Ao mesmo tempo, eu me vejo contribuindo com a sociedade no futuro de diferentes possíveis formas. Inclusive em outras posições públicas e na iniciativa privada."

No caso dos diálogos pelo Telegram, um dos principais fatores de desgaste foi a proximidade demonstrada com o então juiz Moro.

As conversas mostraram que Deltan antecipou o teor de acusações feitas contra Lula ao magistrado e recebeu dicas, como a indicação de pistas e a sugestão de treinamento para uma procuradora.

As sentenças expedidas contra Lula acabaram anuladas neste ano no Supremo Tribunal Federal, e Moro foi considerado pela corte parcial no julgamento do ex-presidente. Os casos foram enviados à Justiça Federal no Distrito Federal.

Em fevereiro deste ano, questionado pela Folha se havia necessidade de autocrítica em relação à proximidade com o então juiz, Deltan afirmou: "Advogados têm contatos com juízes diariamente em todo o Brasil, e isso é legal. Figurões vão ao STF de bermuda. Não temos um décimo do acesso a certos ministros das cortes superiores que muitos advogados ou mesmo réus têm".

Além das conversas com o ex-juiz, os diálogos no Telegram mostraram que Deltan montou um plano para lucrar com palestras.

"Vai entrar ainda uns 100k [R$ 100 mil] limpos até o fim do ano. Total líquido das palestras e livros daria uns 400k [R$ 400 mil]. Total de 40 aulas/palestras. Média de 10k limpo", disse o procurador, em mensagem em 2018, segundo mostrou reportagem da Folha e do Intercept.

Nas palestras ministradas, defendia mudanças legislativas como forma de combater a corrupção no Brasil.

No projeto chamado de "Dez Medidas contra a Corrupção", liderou a coleta de assinaturas pelo país para pressionar o Congresso. No fim de 2016, a proposta foi votada, com alterações que iam na direção oposta à defendida pelos procuradores.

No vídeo divulgado nesta quinta, disse que os instrumentos de trabalho do Ministério Público têm sido "enfraquecidos, destruídos".

Afirmou que, na Lava Jato, "por um momento aqueles que nos roubam há décadas foram punidos pelos seus crimes". "Vemos notícias cada vez piores sobre processos anulados, leis desfiguradas e corruptos alcançando a impunidade."

O abalo na credibilidade da operação começou ainda em 2018, com a decisão de Moro de abandonar a magistratura para ser ministro no governo Jair Bolsonaro.

Em 2019, antes da divulgação das mensagens trocadas pelo Telegram, Deltan já havia sofrido um grande revés com decisão do Supremo de suspender a formação de uma fundação com recursos bilionários recuperados da Petrobras, pagos graças a um acordo da estatal com o governo americano.

Os recursos acabaram destinados à educação e em defesa da Amazônia.

A Lava Jato, depois de obter a condenação de chefes das principais empreiteiras do país e de políticos como Lula, o ex-deputado Eduardo Cunha e o ex-governador Sérgio Cabral, passou a sofrer uma série de derrotas na Justiça.

Entre elas, decisão do STF que determinou o envio de casos de corrupção para a Justiça Eleitoral e a retirada de casos de Curitiba por falta de ligação com a Petrobras.

A principal derrota ocorreu em novembro de 2019, com julgamento que barrou a prisão de condenados que estejam com recursos ainda pendentes nas instâncias superiores. A medida possibilitou a soltura de Lula depois de um ano e sete meses na cadeia.