sexta-feira, 5 de novembro de 2021

'Demonizou-se o poder para apoderar-se dele', diz Gilmar após anúncios de Moro e Deltan, FSP

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes criticou nesta sexta (5) o que chamou de "politização da persecução penal". A declaração, feita nas redes sociais, foi entendida como uma resposta às movimentações recentes do ex-juiz Sergio Moro e de Deltan Dallagnol, ex-chefe da força-tarefa da Operação Lava Jato, em direção à política.

"Alerto há alguns anos para a politização da persecução penal. A seletividade, os métodos de investigações e vazamentos: tudo convergia para um propósito claro —e político, como hoje se revela. Demonizou-se o poder para apoderar-se dele. A receita estava pronta", escreveu o magistrado.

O ministro Gilmar Mendes durante sessão de abertura do segundo semestre do STF, em Brasília - Nelson Jr. - 2.ago.2021/SCO/STF/Divulgação

Na quinta-feira (4), Deltan confirmou que vai deixar o Ministério Público Federal, conforme informação antecipada pelo jornal O Estado de S. Paulo.

O procurador afirmou que tem várias ideias para seu futuro e defendeu o "voto consciente". "Posso fazer mais pelo país fora do Ministério Público", disse ele, sem detalhar se entrará na política, como o ex-juiz Sergio Moro.

Moro anunciou que vai se filiar ao partido Podemos, em evento na semana que vem, o que abre caminho para sua candidatura à Presidência da República.

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Ex-ministro da Justiça de Jair Bolsonaro desde abril do ano passado, quando pediu demissão, Moro tem buscado nomes para elaborar seu projeto de governo e entrou em contato inclusive com estrategistas políticos próximos do ex-presidente Michel Temer (MDB).

Moro ficou de quarta (3) a quinta-feira (4) em Brasília e tinha pré-agendado reuniões com a bancada do Podemos, um grupo de congressistas do PSL e com o general Santos Cruz, também ex-ministro de Bolsonaro. ​

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), ironizou o anúncio de Deltan ao ser questionado se pretendia retomar a votação da PEC (proposta de emenda à Constituição) que muda a composição do CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público).

"Não sei. Ela [a PEC] não terminou o jogo ainda, mas hoje ela teve um jogador importante que entrou no jogo, declarando que é candidato e pode ser que reacenda o debate", disse.

Deltan, 41, foi o principal porta-voz do Ministério Público Federal na operação deflagrada em 2014. Estava na instituição fazia 18 anos.

Além da presença na mídia, cabia a ele organizar as diferentes frentes de apuração entre a equipe de procuradores envolvidos no caso no Paraná. Tinha participação reduzida no dia a dia dos processos e das audiências na Justiça Federal.

Ele ingressou na operação logo em suas primeiras fases, quando o então procurador-geral Rodrigo Janot decidiu formar uma força-tarefa para se dedicar exclusivamente ao caso, diante das dimensões das descobertas em andamento em Curitiba.

No auge da operação, em 2016, o chefe da força-tarefa ficou marcado pela apresentação de um PowerPoint contra o ex-presidente Lula, no qual listava fatores que indicavam que o petista havia chefiado o esquema de corrupção na Petrobras.

Com o ritmo intenso de revelações e a prisão de grandes empresários e líderes políticos em decorrência das investigações deflagradas no Paraná, Deltan foi alçado à condição de um dos símbolos da operação, com homenagens em manifestações de rua.

Sempre foi questionado, porém, pelo foco dos trabalhos nas administrações do PT e pelos métodos para a obtenção de acordos de delação premiada, um dos pilares da Lava Jato.

Como mostrou a coluna nesta sexta, Deltan Dallagnol já tinha respondido até esta semana a 52 processos no Conselho Nacional do Ministério Público, que fiscaliza os integrantes do órgão. Com a sua saída, todos os que ainda estão abertos agora serão arquivados.

Deltan responde ou já respondeu a reclamações disciplinares, sindicâncias e a processos administrativos disciplinares (PAD). Chegou a receber as penas de advertência e censura em alguns deles.

Dois dos processos administrativos ainda não foram arquivados, o que poderia complicar uma eventual candidatura de Dallagnol: pela Lei da Ficha Limpa, procuradores que respondem a PADs não podem concorrer a cargos públicos.

Um dos PAD contra ele foi aberto depois que Deltan afirmou em entrevista que três ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) formavam uma "panelinha" para conceder habeas corpus e passavam uma mensagem de "leniência" com a corrupção.

Deltan foi punido com advertência, mas recorreu ao próprio STF para reverter a decisão. Em outro episódio, ele atacou a candidatura de Renan Calheiros à presidência do Senado. Foi punido com censura. E também recorreu ao Supremo.

Para ficar com "ficha limpa" e disputar eleições, o ex-procurador terá que desistir das ações que moveu no STF para reverter as penas de advertência e censura. Elas seriam consideradas automaticamente aplicadas —e os processos iriam para o arquivo.

Ao se desligar da instituição, Deltan abre mão de um salário bruto de R$ 33,7 mil mensais, além de benefícios e férias de 60 dias.

Em 2020, desgastado pela divulgação de conversas que manteve no aplicativo Telegram e que foram obtidas pelo site The Intercept Brasil, o procurador pediu para deixar os trabalhos da operação, citando motivos familiares.

As mensagens obtidas pelo Intercept e divulgadas pelo site e por outros órgãos de imprensa, como a Folha, expuseram a proximidade entre Moro e os procuradores da Lava Jato e colocaram em dúvida a imparcialidade como juiz do atual ministro da Justiça no julgamento dos processos da operação.

Após isso, porém, Deltan continuou se manifestando em redes sociais e em entrevistas sobre temas ligados à Lava Jato e à corrupção.

quinta-feira, 4 de novembro de 2021

A USP e a disputa pela reitoria, OESP

José Eduardo Faria*

04 de novembro de 2021 | 06h00

José Eduardo Faria. FOTO: DIVULGAÇÃO

Nas apresentações que fizeram aos membros da Congregação da Faculdade de Direito da USP, no dia 28 de outubro, os dois candidatos a reitor apresentaram seus projetos e as diretrizes que adotarão, caso venham a integrar a lista tríplice e ser escolhidos pelo governador. Contudo, apesar de suas boas intenções e de sua simpatia, deixaram parte da plateia frustrada.

Em primeiro lugar, porque privilegiaram uma agenda essencialmente burocrática, como se os problemas USP se reduzissem apenas a questões técnicas e de gestão administrativa. Em segundo lugar, porque nada falaram a respeito de como reagirão a pressões externas, sejam elas políticas, sejam oriundas de setores econômicos que reivindicam sua submissão à princípios de utilidade mercantil e à lógica do mercado, onde conhecimento é tratado como mercadoria. E, em terceiro lugar, porque não levaram em conta que, nestes últimos tempos, a comunidade acadêmica e científica tem ficado à mercê das contingências de governos e de preconceitos de governantes. Com isso, frustraram quem esperava que tratassem de questões institucionais, como, por exemplo, a sistemática agressão do governo ao princípio da autonomia universitária, o processo de asfixia orçamentária do ensino superior público, o menosprezo pela proteção do meio ambiente, o desprezo pela pesquisa e a negação da ciência.

Assim, deixaram no ar quem aguardava deles uma atitude resistência às ameaças aos direitos fundamentais do corpo docente da USP, como ocorreu com a ofensiva jurídica da AGU contra um professor da instituição, o constitucionalista Conrado Hubner Mendes. Improcedente e intimidadora, a iniciativa foi tomada pela AGU apenas por ter ele exercido sua liberdade de opinião, criticando a omissão do Ministério Público Federal na fiscalização de atos de um presidente da República autocrata, homofóbico, inepto, inconsequente e irresponsável.

USP. FOTO: FELIPE RAU/ESTADÃO

Além disso, apesar das reiteradas afrontas desse presidente às instituições de direito e ao regime democrático, em momento algum desses candidatos mostraram ver a Universidade publica como um espaço autônomo dos poderes político e econômico, bem como um locus de liberdade de criação, de pensamento e reflexão crítica. É difícil saber se os dois candidatos foram omissos por questão de esquecimento ou, então, por contemporização. Mas o fato é que, como se entendessem equivocadamente que as posições de uma universidade pública devam ser neutras, uma vez que é praticamente impossível que ela se expresse em nome de todos seus integrantes, os dois candidatos perderam uma excelente oportunidade para mostrar como encaram, por exemplo, a crítica de que universidades públicas são “locais de baderna” e as insistentes tentativas desmanche do ensino superior público.

No fundo, ambos agiram como se a ausência de uma manifestação sobre essas questões equivalesse a uma imparcialidade de juízo. Assim, desprezaram o risco de que ela pudesse ser entendida como um silêncio pusilânime. Pecaram por se esquecer de que reitores de uma universidade de ponta, como a USP, têm de enfrentar dois desafios. Por um lado, o de compreender as transformações de sua época. Por outro, o de estimular ações transformadoras por meio de suas atividades não apenas administrativas, mas, também intelectuais. Esqueceram-se, também, de que a gestão de uma universidade pública do porte da USP, a maior da América Latina, requer não apenas eficiência administrativa, mas coerência político e compromisso. Dessa forma, relevaram as razões políticas e as motivações culturais que levaram à criação, no dia 24 de janeiro de 1934, da própria instituição que almejam dirigir.

Comunidades cientificas respeitadas e universidades públicas conceituadas exigem liberdade de pensamento, condições de trabalho, ambiente de ensino, autonomia administrativa e independência funcional – ou seja, requisitos que o atual governo não honraria, se pudesse. Foi justamente por isso que o silêncio dos dois candidatos a reitor da USP com relação a de temas institucionais, num período de fortes tensões políticas, deixou vários membros da congregação da Faculdade de Direito decepcionados com as alternativas que ofereceram.

*José Eduardo Faria, professor titular da Faculdade de Direito da USP. Chefe do Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito (DFD)