quarta-feira, 3 de novembro de 2021

Em Glasgow, dois Brasis, Maria Hermínia Tavares. FSP

 

Derrotado, o governo brasileiro chega a Glasgow engatando marcha-a-ré em relação a tudo o que disse —e fez— até aqui em matéria ambiental. Foi-se o tempo em que o então chanceler Ernesto Araújo imprecava contra um fantasmagórico globalismo ecológico, enquanto o seu colega do Meio Ambiente, Ricardo Salles, imaginava fazer bons negócios contando lorotas na COP25.

Os seus sucessores levam à capital escocesa um discurso bem-comportado, as vagas ideias do Programa de Crescimento Verde, o compromisso de reduzir pela metade em nove anos as emissões de carbono do país —sem dizer como. Tudo isso deixa de ponta-cabeça as falas e os atos de Bolsonaro para enfraquecer os instrumentos de controle da aplicação das leis ambientais, ao patrocinar no Congresso projetos que as desfiguravam e ao estimular toda sorte de empreendimentos criminosos contra a Amazônia e seus habitantes.

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Mas quando esconde o malfeito e ostenta compromissos com o que não acredita —e por isso não pretenda cumprir—, a extrema direita no poder capitula diante da resistência interna e da forte pressão internacional contra a treva com que recobriu o Planalto.

A verdade é que, em resposta às sistemáticas investidas contra as instituições em que se arrima a política ambiental, o país avançou muito no reconhecimento da gravidade do problema climático; na discussão de alternativas disponíveis; e na ampliação das forças situadas na sociedade civil, no empresariado, nos governos subnacionais e no sistema político dispostas a dar-lhes sustentação.

Eis por que também desembarcaram em Glasgow as propostas do Consórcio Brasil Verde, criado pelo Fórum dos Governadores, com o apoio de 22 dos 26 dirigentes estaduais --resultado de sua dura experiência no combate à Covid-19, à revelia do Executivo federal, quando não do seu empenho em sabotá-lo. Da mesma forma, será posto a circular na COP26 o documento "Uma concertação pela Amazônia", produzido por uma rede de mais de 200 líderes em diferentes setores de atividade, da ciência ao mundo dos negócios.

Assim também o relatório "Clima e Desenvolvimento "" Visões do Brasil em 2030", gestado na Coppe, o instituto de pós-graduação em engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a partir da contribuição de mais de 250 especialistas. São três exemplos de iniciativas importantes para dar vida às aspirações ao desenvolvimento sustentável, baseado na economia de baixo carbono, na justiça e na inclusão social.

São dois Brasis igualmente reais que se confrontam na Escócia --desde já com encontro marcado aqui mesmo em outubro do ano que vem.


Número de empregos com carteira assinada em 2020 cai à metade após revisões de dados, OESP

 Eduardo Rodrigues , O Estado de S.Paulo

03 de novembro de 2021 | 10h34
Atualizado 03 de novembro de 2021 | 13h30

BRASÍLIA - Após o governo ter negado durante meses a subnotificação de demissões no Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) durante a pandemia, o saldo de vagas com carteira assinada em 2020 já caiu pela metade após as revisões mensais no sistema. 

Em janeiro, o Ministério da Economia divulgou a criação líquida de 142.690 empregos no ano passado, mas o número real já despencou para 75.883 com os dados apresentados pelas empresas ao longo deste ano, conforme revelado pelo portal R7.  

O resultado de 2020 ainda é positivo, mas a redução de 46,82% na quantidade de novas vagas criadas no ano chama atenção. Revisões em dados do Caged são corriqueiras e podem ocorrer até 12 meses após novas demissões e admissões, mas a magnitude da discrepância revela que de fato um número maior de empresas atrasou o preenchimento das informações sobre demissões no ano passado.

  


Quando divulgado em janeiro, o Caged de 2020 acumulava 15,166 milhões de admissões e 15,023 milhões demissões. Agora, após dez meses de revisões mensais, o número de admissões subiu para 15,437 milhões, uma correção de 1,78%. Mas a quantidade de demissões aumentou para 15,361 milhões, um ajuste de 2,25%.

O primeiro impacto da pandemia de covid-19 sobre o Caged foi um “apagão” de dados do indicador no começo do ano passado. No fim de março de 2020, o Ministério da Economia decidiu suspender por tempo indeterminado a divulgação dos saldos do Caged de janeiro e fevereiro. Com o passar das semanas, os dados de março também caíram nesse limbo.

Em abril do ano passado, o então secretário de Trabalho do Ministério da Economia e atual secretário executivo do Ministério do Trabalho, Bruno Dalcolmo, reconheceu que Caged tinha dificuldades na coleta de informações em um momento em que muitas empresas e escritórios de contabilidade estavam fechados.

Carteira de trabalho
Saldo de vagas com carteira assinada em 2020 já caiu pela metade após as revisões mensais no sistema.  Foto: Amanda Perobelli/Reuters

Nos meses seguintes, porém, a pasta alegou que o preenchimento das informações tinha voltado ao normal, negando o aumento de subnotificações de demissões. No entanto, a persistente elevação da taxa de desemprego medida pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), contrastava com os resultados bastante positivos do Caged.

Em abril deste ano, o Estadão/Broadcast mostrou que diversos economistas seguiam suspeitando que empresas que faliram na crise simplesmente haviam deixado de comunicar um volume alto de demissões ao Caged. Existiam dúvidas se o ritmo da recuperação do emprego seria mesmo em forma de "V", como sempre sendo propagado pela equipe econômica do governo.

O próprio Dalcolmo argumentou em mais de uma divulgação mensal do Caged que, se houvesse qualquer tipo de subnotificação de demissões, os próprios trabalhadores teriam denunciado as empresas, já que ficariam sem receber o seguro-desemprego.

As suspeitas de subnotificação de demissões no Caged incomodaram autoridades da pasta ao longo do ano passado. Em junho de 2020, o ex-secretário especial de Trabalho e Emprego do Ministério da Economia e atual Advogado Geral da União, Bruno Bianco, atribuiu a uma discussão ideológica os questionamentos às estatísticas do mercado de trabalho. “Uma ou duas pessoas que não se contentam com dados positivos e criam histórias infundadas”, afirmou, na ocasião.

O pesquisador do Ibre/FGV Daniel Duque foi um dos economistas que alertaram para a possibilidade de subnotificação nos números ainda no ano passado. “Era uma hipótese, porque havia diversos indícios de subnotificação. Eu tinha uma forte suspeita de que haveria mesmo uma revisão para baixo nos números. Em um momento de fechamento de empresas, suspensão de atividades ou desorganização das equipes, o envio de dados ao Caged não entrou nas prioridades dessas firmas”, avalia. 

Duque lembra que essas revisões mensais a partir das declarações enviadas fora do prazo são comuns, mas aponta que a pandemia inverteu o sinal desses ajustes. “Antes da pandemia, essas revisões eram de pequena magnitude e em geral computavam mais admissões que demissões fora do prazo. Na pandemia, ocorreu o inverso, com as revisões trazendo mais demissões do que admissões, em uma magnitude muito maior”, acrescenta. 

Para o economista, os pagamentos do auxílio emergencial de R$ 600 por mês ao longo de 2020 também pode ter adiado a busca pelos trabalhadores demitidos pelo seguro-desemprego. Por isso, parte das empresas não teria sido pressionada pelos ex-empregados a notificarem com mais rapidez as demissões. 

Duque avalia ainda que o movimento de ajuste para baixo nos resultados de 2020 não acabou. As empresas têm 12 meses para enviar novas informações - podendo ainda alterar os resultados do fim do ano passado. “Ainda há um sinal atípico em relação a declarações fora do prazo, mas não dá para saber a magnitude. Ainda há empresas desorganizadas, mas são poucas razões para acreditar em um novo grande ajuste negativo”, pondera. 

O economista descarta qualquer tipo de manipulação nos dados, mas recomenda mais transparência  na divulgação dos resultados, que são apenas parciais até que se esgote o prazo de revisões. “O Caged é confiável na tendência, mas em termos de nível é sempre preciso esperar mais dados. O governo deveria comemorar menos os saldos nominais e destacar mais a questão da tendência. Os números não são ruins, mas é preciso ter cautela antes de estourar o champagne”, conclui.

PEC dos Precatórios deve ser considerada inconstitucional, mas decisão pode demorar anos, FSP

 

SÃO PAULO

A Comissão de Precatórios da OAB Nacional afirma que a PEC dos Precatórios, também conhecida como PEC do Calote, ataca duas cláusulas pétreas da Constituição —separação dos Poderes e direitos e garantias individuais— e possui mais de 30 violações constitucionais.

Dada a jurisprudência do STF (Supremo Tribunal Federal), a entidade prevê que a regra será derrubada no Judiciário. Isso, no entanto, pode demorar até cinco anos para acontecer, considerando também o histórico de julgamentos anteriores sobre o tema.

Com isso, o problema ficaria para outro governo, mesmo no caso de uma reeleição de Jair Bolsonaro.

A proposta apresentada pelo governo e que já foi aprovada por uma comissão especial da Câmara acaba com o pagamento regular dessas dívidas judiciais. Nesta quarta-feira (3), haverá uma nova tentativa de votar o texto no plenário da Casa.

Nas contas da Consultoria de Orçamento da Câmara dos Deputados, a fila de pagamentos deve ficar entre R$ 200 bilhões e R$ 250 bilhões até 2026. Ou seja, seriam necessários pelo menos quatro anos para pagar os precatórios postergados apenas de 2022.

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No pior cenário, as requisições de pequeno valor passariam a ocupar todo o espaço no teto a partir de 2028, adiando e pagamento de todos os precatórios indefinidamente, com uma dívida que pode chegar a R$ 1,5 trilhão ao final de 2036, quando será extinto o teto de gasto.

A Comissão de Precatórios da OAB Nacional afirma que precatórios não devem estar sujeitos a qualquer limitação do teto de gastos, pois não se trata de uma despesa, mas de uma dívida judicial. Se a dívida mobiliária [títulos públicos] é paga fora do teto, dívida judicial também tem de ser, afirma o presidente da Comissão, Eduardo Gouvêa.

"Não precisa de emenda constitucional para dizer que precatório é dívida e dívida não se submete ao teto de gastos. O teto pode incidir sobre gastos do Judiciário. Agora, em decisão judicial, você não pode impor limite."

O presidente da Comissão de Precatórios da OAB Nacional diz esperar que o Congresso não aprove a PEC, mas, se ela passar na Câmara, voltará a trabalhar para que seja modificada no Senado, onde o texto também enfrenta resistências.

Gouvêa afirma que é possível criar alternativas para o recebimento dessas dívidas, mas que isso deve ser uma alternativa para o credor, sem que ele seja punido com a espera indefinida pelos recursos caso opte por esperar pelo dinheiro.

Ele lembra que 80% desses precatórios são de caráter alimentar, normalmente de aposentados e pensionistas que brigam há décadas na Justiça e estão agora sendo punidos novamente.

"Precatório não é problema de finanças públicas, é problema de vontade política", afirma Gouvêa. "Temos de encontrar uma solução para o Auxílio Brasil, mas há muitas outras coisas [por trás da mudança], fundo partidário, emendas de relator. Está passando a boiada junto."

Pela proposta, haverá um limite para o pagamento de precatórios com base no gasto de 2016 (ano de criação do teto de gastos) corrigido pela inflação, o que reduz o valor do próximo ano de R$ 89 bilhões para cerca de R$ 45 bilhões.

As dívidas não pagas entram em uma fila, sem prazo para que o dinheiro seja recebido. Quem quiser receber no ano seguinte, precisa abrir mão de 40% do valor, deságio abaixo do valor de mercado e criado de forma arbitrária pelo Executivo e Legislativo.

O argumento do governo é que a mudança é necessária para viabilizar o programa social que vai substituir o Bolsa Família, mas a mudança, combinada com a alteração no índice de correção do teto de gastos, vai permitir o aumento de outras despesas no ano eleitoral.

Outra proposta, que seria retirar todos os precatórios do teto de gastos e manter o pagamento, foi rejeitada pelo governo e por parlamentares.

IFI (Instituição Fiscal Independente) calcula ser possível pagar integralmente os precatórios de 2022 e ainda elevar o orçamento Auxílio Brasil de R$ 34,7 bilhões para R$ 46 bilhões sem romper o teto de gastos.