quarta-feira, 4 de novembro de 2020

Por uma pitada de cosmopolitismo, FSP

 Uma explicação recorrente para o populismo de direita no mundo rico é a globalização e a desigualdade. A transferência de postos de trabalho dos países desenvolvidos para os emergentes fez com que a classe trabalhadora do primeiro grupo de nações não se beneficiasse tanto dos ganhos econômicos das últimas décadas. Sentindo-se abandonado, esse contingente populacional, que antes se identificava com partidos mais à esquerda, passou a flertar com coisas como o brexit e Donald Trump, dando-lhes eventuais vitórias.

Não discordo dessa explicação, mas reluto em comprar seu corolário, isto é, a ideia de que a globalização é um processo concentrador, disruptivo e que deve ser combatida.

O deslocamento de postos de trabalho para emergentes, em particular para China e Índia, é responsável por tirar milhões de pessoas da miséria. O abismo entre países ricos e pobres, embora ainda profundo, se reduziu. Até a pandemia, em nenhum outro período da história a proporção de pessoas vivendo abaixo da linha de pobreza havia sido tão pequena.

Trabalhadores na unidade chinesa da EMBRACO
Trabalhadores na unidade chinesa da Embraco - Divulgação

A pergunta que se coloca é se devemos adotar a visão mais paroquialista, na qual a globalização é o vilão, ou a mais cosmopolita, na qual ela é um passo para a redução das desigualdades.

Não escondo minha simpatia pelo cosmopolitismo, mesmo sabendo que nossos cérebros estão mais calibrados para o localismo. Vou um pouco mais longe e arrisco dizer que o grande erro das esquerdas nos últimos anos foi ter sucumbido tanto às pautas identitárias, esquecendo o discurso universalista.

[ x ]

Não que isso alteraria os resultados econômicos, mas poderia afetar a psicologia. Trabalhadores brancos sem diploma superior que dão duro para viver provavelmente não se sentiriam tão abandonados se os partidos em que sempre cofiaram viessem com um discurso que defendesse os direitos de todos, em vez de dizer que eles são privilegiados por não serem mulheres nem negros.

Hélio Schwartsman

Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".

Hélio Schwartsman- Por uma pitada de cosmopolitismo, FSP

 3.nov.2020 às 23h15

Uma explicação recorrente para o populismo de direita no mundo rico é a globalização e a desigualdade. A transferência de postos de trabalho dos países desenvolvidos para os emergentes fez com que a classe trabalhadora do primeiro grupo de nações não se beneficiasse tanto dos ganhos econômicos das últimas décadas. Sentindo-se abandonado, esse contingente populacional, que antes se identificava com partidos mais à esquerda, passou a flertar com coisas como o brexit e Donald Trump, dando-lhes eventuais vitórias.

Não discordo dessa explicação, mas reluto em comprar seu corolário, isto é, a ideia de que a globalização é um processo concentrador, disruptivo e que deve ser combatida.

O deslocamento de postos de trabalho para emergentes, em particular para China e Índia, é responsável por tirar milhões de pessoas da miséria. O abismo entre países ricos e pobres, embora ainda profundo, se reduziu. Até a pandemia, em nenhum outro período da história a proporção de pessoas vivendo abaixo da linha de pobreza havia sido tão pequena.

Trabalhadores na unidade chinesa da EMBRACO
Trabalhadores na unidade chinesa da Embraco - Divulgação

A pergunta que se coloca é se devemos adotar a visão mais paroquialista, na qual a globalização é o vilão, ou a mais cosmopolita, na qual ela é um passo para a redução das desigualdades.

Não escondo minha simpatia pelo cosmopolitismo, mesmo sabendo que nossos cérebros estão mais calibrados para o localismo. Vou um pouco mais longe e arrisco dizer que o grande erro das esquerdas nos últimos anos foi ter sucumbido tanto às pautas identitárias, esquecendo o discurso universalista.

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Não que isso alteraria os resultados econômicos, mas poderia afetar a psicologia. Trabalhadores brancos sem diploma superior que dão duro para viver provavelmente não se sentiriam tão abandonados se os partidos em que sempre cofiaram viessem com um discurso que defendesse os direitos de todos, em vez de dizer que eles são privilegiados por não serem mulheres nem negros.

Hélio Schwartsman

Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".

terça-feira, 3 de novembro de 2020

Pablo Ortellado Eleições nos EUA pautam o futuro da esquerda, FSP

 

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Joe Biden construiu sua carreira política promovendo o diálogo bipartidário no Congresso —ficou conhecido como um político de centro que sabia compor com os republicanos quando necessário. Sua candidatura à Presidência é uma aposta do Partido Democrata de que é mais viável uma candidatura de centro que tenha apelo a uma base mais larga de eleitores do que uma candidatura mais à esquerda que mobilize e estimule o eleitorado.

Por isso, uma vitória de Joe Biden terá grande repercussão sobre as estratégias eleitorais da esquerda, inclusive fora dos Estados Unidos, reorientando o debate que teve início quando Hillary Clinton foi derrotada por Trump em 2016.

Barack Obama em ato de campanha para Joe Biden em Miami - Chandan Khanna/AFP

A esquerda do Partido Democrata argumenta que a vitória de Trump em 2016 se deveu à concorrência com uma candidata centrista e pró-establishment, fria e sem grande apelo com o eleitorado. Ela argumenta que Bernie Sanders, o principal adversário de Hillary nas primárias, oferecia melhores respostas para os problemas sociais e ambientais do país e que o engajamento que sua campanha produziria aumentaria o comparecimento às urnas.

Já a ala tradicional do Partido Democrata atribuía o sucesso de Trump não ao programa centrista de Hillary, mas a uma combinação de regras eleitorais arcaicas, jogo sujo do adversário e pequenos erros na condução da campanha.

Trump em campanha na Pensilvânia - Carlos Barria/Reuters

Debate semelhante ocorreu também em outros países. Nas eleições francesas de 2017, discutiu-se se a melhor via para derrotar a extrema-direita de Marine Le Pen seria uma candidatura centrista, como a de Macron ou Fillon, ou se seria mais efetiva uma candidatura radical de esquerda, como a de Melénchon. O mesmo debate se deu no Reino Unido em 2019, quando o Partido Trabalhista entrou na disputa com um programa de esquerda, tentando recuperar o terreno perdido desde o Brexit.

Uma vitória de Biden deve estimular estratégias mais centristas em outras partes do mundo e também no Brasil. Por aqui, ela confirmaria o entendimento produzido pelo resultado de eleições na região que mostraram que uma acomodação um pouco mais ao centro permitiu ao MAS recuperar o poder na Bolivia e à esquerda peronista retomar a Presidência na Argentina.

Por outro lado, uma nova vitória de Trump, ainda que por pequena vantagem no colégio eleitoral ou por manobra na computação dos votos, deve dar fôlego às correntes de esquerda que esperam que uma considerável ampliação dos gastos sociais ou uma tomada de posição mais clara nas guerras culturais seja o melhor caminho para engajar o eleitorado e derrotar o populismo de direita.

Pablo Ortellado

Professor do curso de gestão de políticas públicas da USP, é doutor em filosofia.

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