quarta-feira, 4 de novembro de 2020

'Formigueiro' do país, Taboão da Serra cobra candidatos para enfim destravar, FSP

 

SÃO PAULO

Com 20,4 km², nono menor município do país, Taboão da Serra ganhou quase 50 mil habitantes na última década e se tornou campeã em densidade demográfica do Brasil, segundo estimativa do IBGE. Sem planejamento para crescer, os 293,6 mil habitantes que ali vivem enfrentam diariamente problemas de mobilidade.

Localizado na região sudoeste da Grande São Paulo, o município é cortado pela rodovia Régis Bittencourt, BR-116, o que faz do trânsito um problema cotidiano para os taboanenses.

O coordenador da divisão de transporte metropolitano do Instituto de Engenharia, Flamínio Fichmann, afirma que nunca foram feitas obras de infraestrutura na cidade capazes de dar conta do problema, um desafio para quem comandar o município, cujo traçado viário é definido como “péssimo” pelo especialista.

“A ocupação do tecido urbano se deu de forma muito precária. São vias estreitas, mal resolvidas, com desenho inadequado. Nunca houve investimentos importantes para o trânsito e para o transporte público. Foi uma cidade que simplesmente inchou”, diz.

Taboão tem apenas 11% de sua área de malha viária (o ideal seriam 15%), mais de 170 mil veículos cadastrados, sem contar motociclistas e 5.000 caminhões de carga e descarga que trafegam pelo município, segundo a prefeitura. Dados do Denatran mostram que em 2010 a frota da cidade era de pouco mais de 70 mil veículos, o que representa um crescimento de quase 143%.

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Candidato do PSDB, Daniel Bogalho, 36, diz que o problema do adensamento da cidade, que atribui à construção de condomínios, não ocorreu nas gestões do partido, que governa a cidade desde 2013.

“Com certeza houve falta de planejamento. Não foi da gestão atual, mas da anterior, do Evilásio Farias (PSB)”, diz.

Conhecido como engenheiro Daniel, o ex-secretário de manutenção da cidade defende o governo de Fernando Fernandes (PSDB), que comandou o município por 16 anos, somados os dois mandatos atuais aos outros dois, exercidos de 1997 a 2004. Foi também vice por quatro anos, no final da década 1980.

Além do candidato da situação, a cidade tem outros oito postulantes ao cargo. Entre eles o ex-tucano Eduardo Nobrega, 44, hoje no MDB e que se coloca como oposição moderada ao prefeito, e Aprigio da Silva (Podemos), 68, presidente da Associação Conjunto Habitacional Vida Nova, apontada pelos adversários como responsável por agravar o problema da mobilidade, o que ele nega.

“Foi feito um estudo de impacto de vizinhança para saber se comportava o condomínio ali. Se construímos, é porque cabia”, diz Aprigio, que destaca ter entregue mais de 7.000 apartamentos, um prédio com 560 escritórios e um shopping, bloco residencial localizado à beira da rodovia e apelidado por moradores de “aprigiolândia”.

Ele conta que a empresa está construindo mais de 9.400 apartamentos em Embu das Artes, o que na visão dele valoriza e traz empregos para a região. Adversários afirmam que o empreendimento deve piorar ainda mais a mobilidade em Taboão.

Uma promessa comum de Nobrega e Aprigio é a municipalização da rodovia que corta a cidade. Eles planejam a construção de viadutos e passagens de nível para melhorar a mobilidade. Bogalho afirma que isso não foi feito pela necessidade de grandes obras para as quais a prefeitura, segundo ele, não tem dinheiro.

Enquanto as obras não chegam, os candidatos prometem investir no transporte público para ajudar o trânsito. Atualmente, a cidade tem uma frota de 124 veículos distribuídos em 10 linhas que transportam mensalmente 1,2 milhão de passageiros.

Bogalho diz que a prefeitura entrou na Justiça contra as empresas que operam o serviço, Viação Fervima e Viação Pirajuçara, pertencentes ao mesmo grupo, para tentar manter o preço da tarifa, que de 2017 a 2019 era de R$ 3,80.

Porém, a decisão judicial foi a favor do reajuste para R$ 4,30 em vigor desde fevereiro. Não há subsídios ou isenções fiscais concedidas às empresas e o custo da operação é pago pela tarifa dos usuários. A criação de um bilhete único é uma proposta comum nas campanhas. Hoje, não há integração com a linha de transportes intermunicipais, da EMTU.

O coordenador do programa de mobilidade urbana do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), Rafael Calabria, destaca que Taboão tem como característica ser uma cidade dormitório, com moradores de baixa renda e que depende mais do transporte público.

As empresas que atendem ao município têm contrato de concessão até 2030 e os candidatos prometem cobrar a melhoria do serviço prestado, que é criticado pelos atrasos por moradores de diferentes bairros.

A prefeitura diz que trânsito na rodovia é responsável pelos atrasos e que planeja uma atualização do sistema com o plano de mobilidade urbana, também promessa de Nobrega.

Duas mulheres caminhando numa rua cheia de lixo
A moradoras do Jardim Comunitário Neide Soares (45) e Mônica Carvalho (23), em um dos caminhos que fazem para chegar até chegar em um ponto de ônibus - Bruno Santos - 28.Out.2020/Folhapress

As ruas estreitas são outro obstáculo para a passagem dos ônibus. Em alguns bairros os moradores precisam percorrer distâncias maiores para chegar às paradas, caso do Jardim Comunitário, na periferia da cidade.

“A gente depende muito ou de uma carona ou do Uber, mas transporte mesmo não temos. Quando criança passa mal, fora de hora, é muito difícil”, conta Neide Soares, 45, mãe de uma menina de nove anos.

A ajudante geral Mônica Carvalho, 23, que usa o ônibus todo dia para trabalhar, reclama da lotação dos veículos. “Eles enchem muito e acaba que as mulheres são assediadas, sofrem abuso”, afirma.

O trajeto até o ponto de ônibus mais próximo para ela leva cerca de 15 minutos morro acima, um ponto do qual idosos e pessoas com problemas de saúde se queixam. Outra alternativa para os usuários, a parada na rodovia Régis Bittencourt, tem falta iluminação e, segundo moradores, assaltos são comuns.

Sobre a segurança nas paradas de ônibus na rodovia e também na avenida Jacarandá, no Parque Jaracarandá, a administração municipal não citou ações específicas, mas informou que realiza patrulhamento preventivo com os 259 agentes da guarda civil, que contam com uma frota de 22 veículos.

Usuários idosos se queixam também que motoristas evitam parar no ponto quando há idosos, com gratuidade garantida. “A gente dá sinal e eles não param. Ainda dão risada debochando da gente”, afirma a comerciante Maria José da Silva Quirilo, 66.

A prefeitura diz que diariamente reforça ações de fiscalização e que casos que chegam ao conhecimento da secretaria de transportes são averiguados e, se comprovados, feita a responsabilização do motorista.

Um homem de bicicleta e máscara no meio da rua
O professor aposentado e ciclista José Martins (66), na região central de Taboão da Serra - Bruno Santos - 28.Out.2020/Folhapress

Uma alternativa para o deslocamento usada há 40 anos pelo professor aposentado José Martins, 66, é a bicicleta. Morador do Jardim Maria Rosa, ele conta que a gestão atual desfez as ciclovias, após reclamação de moradores e comerciantes sobre a falta de espaço para os carros.

“A cidade perdeu muito. Temos a necessidade de um deslocamento mais saudável e barato que a bicicleta representa”, diz Martins. Ele deve votar em uma das candidaturas de esquerda, representadas pelos professores Najara Costa (PSOL), 39, e Ordelan de Souza (PT), 52.

Nobrega e Aprigio defendem a implementação de ciclovias na cidade. Já Bogalho afirma que não enxerga esse caminho pela malha viária reduzida, mesmo argumento usado pela prefeitura, que diz que as ciclovias criadas anteriormente foram feitas sem planejamento.

Adilson, um rapaz negro, magro e de óculos, no fundo da casa, de onde é possível avistar várias construções inacabadas no bairro da periferia
Adilson Vieiria (24), morador do Jardim Margarida que teve retorno de pedido de tratamento para câncer um ano depois do pedido - Bruno Santos - 28.Out.2020/Folhapress

Outro tema sensível para os taboanenses é a saúde pública. Morador do Jardim Margarida, Adilson Vieira, 24, conta que teve linfoma de Hodgkin, câncer comum no sistema linfático. Ele foi ao sistema público, mas teve retorno do pedido de consulta um ano depois, quando já havia feito o tratamento em São Paulo, na rede particular.

“Falei que já era para estar morto. A saúde pública aqui é um lixo”, diz.

A prefeitura informa que oferece atendimento de 22 especialistas e exames e procedimentos especializados, ampliou de 193 para 231 o número de médicos especialistas e de 112 para 129 os médicos da rede básica.

A cidade conta atualmente com 24 equipamentos de saúde. A administração municipal afirma que agendamentos de média complexidade são responsabilidade do governo do estado e que em casos de exames de ressonância magnética e hematologia é preciso solicitar uma vaga.

Erramos: o texto foi alterado

Diferentemente do publicado em versão anterior, o candidato Daniel Bogalho (PSDB) tem 36 anos, não 44, e o nome da associação presidida por Aprígio da Silva (Podemos), é Vida Nova, não Vila Nova. O texto foi corrigido.

Alunos das escolas públicas: não desistam da universidade, Renato Janine Ribeiro , FSP

 Renato Janine Ribeiro

Professor titular de ética e filosofia política da USP, ex-ministro da Educação (governo Dilma, 2015) e autor de 'A Pátria Educadora em Colapso' (ed. Três Estrelas)

Vejo muitas pessoas, especialistas ou não em educação, preocupadas. Temem que a falta de aulas presenciais impeça o acesso dos alunos de baixa renda —que na grande maioria estudam em escolas públicas— ao curso superior caso se saiam mal no próximo Enem. Mas quero esclarecer que esses estudantes continuam tendo direito às cotas, porque o ingresso nas universidades e institutos federais usa, sim, os resultados do Enem, mas se dá pelo Sisu, ou Sistema de Seleção Unificada.

Desde 2012, a lei federal 12.711, chamada de Lei de Cotas, reserva metade das vagas de cada curso superior federal a quem fez o ensino médio, inteiro, em escolas públicas. São cotas ditas “sociais”.

O professor da USP e ex-ministro da Educação Renato Janine Ribeiro na cerimônia de entrega do "Prêmio Empreendedor Social", no Teatro Porto Seguro, em São Paulo - Mathilde Missioneiro - 5.nov.19/Folhapress

Muita gente não sabe disso e afirma que, em vez de cotas étnicas, deveríamos ter cotas para os mais pobres. Pois é, elas já existem: os mais pobres geralmente cursam escolas públicas.

As cotas étnicas são um subconjunto dessa metade. Ou seja, afrodescendentes, indígenas e seus descendentes só se beneficiam de cotas se tiverem feito todo o curso médio em escolas públicas. E têm direito a um porcentual dessas vagas na proporção de sua população no estado em que está o curso desejado.

Mas que fique claro: o Enem não tem cotas. Ele apenas dá as notas. Com base nelas, o aluno interessado se inscreve no Sisu para escolher o curso em que deseja estudar.

As cotas estão no Sisu, não no Enem. Assim, mesmo que os alunos de escolas públicas tenham aproveitamento inferior ao esperado, por não terem podido acompanhar o ensino remoto emergencial (na falta de computador ou smartphone, de pacote de dados, de banda larga onde moram), continuam com direito à metade das vagas no ensino superior federal.

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Daí decorrem três coisas. Primeira, acalmem-se (um pouco). Vocês continuam com direito moral e legal às políticas de inclusão social no ensino superior para tornar nosso país mais justo e mais diverso. A revista Piauí publicou em outubro uma reportagem tocante (“O ano da luta”) sobre jovens pobres que, sem aulas presenciais, têm dificuldades em estudar. Mas não desanimem, estudem. Ninguém desista de seu futuro! Ele está assegurado pelo compromisso que o Brasil assumiu, em lei, de lhes dar oportunidades.

Segunda, dirigentes de instituições de ensino superior: preparem-se, no ano que vem, para atender a alunos que entrarão na faculdade com as chagas deste ano de pandemia. Vários terão menos conhecimento, todos terão mais sofrimento. Ninguém, ninguém mesmo (nem os ricos), chegará ileso ao pós-pandemia. Preparem-se. Acolham.

Terceira, acalmem-se, mas mobilizem-se. O atual governo deixa claro, por palavras e atos, que não tem preocupação com os mais pobres. Pode ser que baixe uma medida provisória, na véspera das matrículas, subvertendo o Sisu e desviando para os mais ricos as vagas criadas na enorme expansão do ensino superior federal após 2003. Se isso acontecer, devemos estar prontos para lutar, inclusive pressionando quem de direito (o Supremo, a presidência do Congresso) para impedir a destruição dos sonhos de quem merece a oportunidade de uma vida melhor.