segunda-feira, 2 de novembro de 2020

Em eleição mais concorrida, estreantes das periferias tentam mudar perfil da Câmara Municipal de SP, FSP

 Lucas Veloso

SÃO PAULO | AGÊNCIA MURAL

Em Paraisópolis, segunda maior favela de São Paulo, um grupo de amigos discutia no começo deste ano o que fazer nas eleições municipais.

“Por que votar em candidato de fora, se podemos juntar forças entre nós e elegermos um candidato do gueto? A favela pela favela”, disse o mestre de obras Marcondes Luz, 49.

Dessa conversa, surgiu a ideia de apostar em uma candidatura própria e coletiva para o cargo de vereador.

Morador da comunidade há décadas, Marcondes é o nome de urna da candidatura coletiva Bancada Periférica do Avante. O exemplo não é isolado.

Com a ideia de renovar o Legislativo e trazer mais representantes das periferias da capital paulista, líderes comunitários, empresários, advogados, professores, sociólogos, entre outros, disputam pela primeira vez o cargo em uma eleição que se tornou mais concorrida.

PUBLICIDADE

De acordo com dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), até esta quinta-feira (1º) foram registrados 1.968 pedidos de candidatura a vereador na cidade de São Paulo.

O número representa um aumento de 50% em relação às eleições de 2016, quando 1.315 pessoas solicitaram o registro. São 36 candidatos para cada uma das 55 cadeiras da Câmara Municipal. Há quatro anos, eram 24 por vaga.​​

No caso de Paraisópolis, a ideia do grupo foi apostar no modelo coletivo que conta com um cabeça de chapa e outros membros atuando na campanha —eles não podem assumir oficialmente o mandato. Esse tipo de iniciativa tem crescido pelo Brasil.

Além de Marcondes, a chapa composta por sete pessoas tem pastores evangélicos, um militante da causa animal, além de outros ativistas sociais.

Pessoalmente, Marcondes se diz comprometido com a defesa da moradia e com a estrutura urbana na favela. Entre as prioridades na comunidade cita também a canalização dos córregos e um hospital veterinário público na região.

Para ele, os atuais vereadores esquecem as periferias e favelas quando pensam o Orçamento municipal, daí a importância de uma chapa formada por moradores de uma favela.

No caso da jornalista Simone Nascimento, 28, moradora da Vila Zatt, em Pirituba, zona norte, a decisão de disputar pelo PSOL é pela histórica falta de mulheres negras na Câmara Municipal de São Paulo.

A Casa só teve duas mulheres negras em sua história, que começa em 1560. A primeira foi Theodosina Rosário Ribeiro (MDB), que entrou em 1969 e ficou até 1971. A segunda foi Claudete Alves da Silva Souza (PT), que ocupou uma cadeira de 2003 a 2008.

Simone milita há 13 anos em causas sociais, como o Movimento Negro Unificado (MNU).

Na jornada da candidatura e de campanha, elenca dificuldades no processo, como a falta de dinheiro. “A enorme desigualdade de financiamento de campanha existente entre os partidos políticos dá mais dinheiro para quem já está no poder."

O racismo e o machismo são outros desafios que a jornalista enxerga para chegar ao Legislativo —atualmente só 9 das 55 cadeiras são ocupadas por mulheres.

Ela quer mostrar que a Câmara é um espaço que também deve ser ocupado por negras, jovens e moradoras das periferias.

“Nas nossas quebradas existem centenas de pessoas que conhecem os piores problemas, têm ótimas ideias de solução, mas não encontram espaço para legislar sobre nossas vidas, por isso as coisas não estão indo nada bem.”

No bairro de Guaianases, zona leste, a advogada Tamires Gomes Sampaio, 26, também concorre pela primeira vez. Filha de uma militante do movimento de mulheres negras, diz que a proximidade com a política e as questões sociais a incentivaram na disputa.

Ela já foi vice-presidente da UNE (União Nacional dos Estudantes) e hoje milita no movimento negro pelo Conen (Coletivo de Entidades Negras). Para ela, a construção da candidatura pelo PT foi feita em conjunto nos últimos anos.

“A decisão para ser candidata também passa por esses processos e por entender a importância de mulheres negras da periferia serem representadas na Câmara para construir políticas antirracistas em nossa cidade."

Outro ponto citado pelos estreantes é a falta de atenção dada aos bairros nas periferias pelo Legislativo.

“Fiz diversos relatórios do bairro, pontuando problemas de todos os tamanhos, mas esbarrei na burocracia e descaso”, afirma a candidata do Podemos Silvia Miranda Nagata, 39.

Formada em ciência política e história, ela mora no Rio Pequeno, na zona oeste.

Voluntária na entidade de educação política Politize!, conta que a decisão pela candidatura foi o resultado de um conjunto de fatores. Um deles foi a dificuldade, como moradora, de ser atendida nos órgãos públicos.

Silvia diz que a falta de recursos é um desafio, assim como conscientizar os eleitores sobre o papel do Legislativo.

“Já me perguntaram o que eu poderia oferecer em troca de visibilidade. Uma líder comunitária me pediu dinheiro. Não é fácil explicar que você é diferente, que quer priorizar o bairro e trabalhar sem ter que comprar apoio."

O administrador de empresas José Correia da Silva Junior, 37, é filiado ao partido Novo desde 2016 e atuava como voluntário.

Em 2018, o pai de 73 anos foi morto durante um assalto enquanto saía de casa. Ao procurar o Hospital Ermelino Matarazzo, o mais próximo, não foi atendido e acabou morto. O pai dele trabalhou na unidade por mais de 20 anos.

Depois da tragédia, Correia diz que tentou transformar a indignação em ação e resolveu ter um propósito de melhorar a saúde pública municipal.

“Sou um cidadão comum, que nasceu e cresceu na periferia. Vivenciar isso faz você ter sensibilidade e foco no que deve ser feito para garantir, ao menos, o básico às pessoas."

Estreante nas eleições, o candidato cita que as maiores dificuldades que enfrentou até aqui foram relacionadas à educação e saúde. “Só consegui fazer uma faculdade com bolsa integral depois dos 27 anos”, diz. “Passei a ter um bom atendimento na saúde depois que consegui pagar um plano privado."

Ele considera que é preciso fiscalizar a forma como o sistema funciona. “Devemos melhorar esse ambiente para diminuir os desvios de verba e não ter monopólio de certas instituições que ficam grudadas em quem tem poder na prefeitura."

Quem também concorre pela primeira vez é a florista e líder comunitária Maria de Lourdes Andrade Silva, 57, a Lia Esperança, como é chamada na Vila Nova Esperança, zona oeste. Lia fundou a associação do bairro, foi conselheira participativa e criou um projeto de sustentabilidade no local.

Ela conta que decidiu ser candidata, pela Rede, para ampliar o trabalho que tem realizado, mesmo sem estrutura. Apesar disso, diz sofrer preconceito por não ter dinheiro e nem graduação. “Vem gente falar para mim como que eu quero ser vereadora se não tenho dinheiro e não tenho uma faculdade."

​​Além de disputar contra vereadores que buscam a reeleição, têm mais estrutura partidária e enviaram emendas para seus redutos eleitorais nos últimos anos, os estreantes apontam um desafio extra em 2020: conseguir divulgar a candidatura em meio à pandemia de Covid-19.

Silvia, por exemplo, conta que tem sido difícil reunir a equipe de trabalho. “Pela minha idade, e distância dos meios acadê micos, não tenho equipe de apoio que cresceu comigo. Tenho alguns poucos amigos que acreditam no projeto, outros dizem que vão apoiar e logo esquecem."

O ideal na campanha, diz Simone, seria o olho no olho, medida não indicada pelos médicos. “Já perdemos muitas vidas e nossos cuidados serão redobrados com a saúde. Precisamos ser criativos para achar outras formas de ampliar a nossa voz."

Tamires afirma que "por conta pandemia tivemos que reduzir ao mínimo os encontros para dialogar com as pessoas e temos feito quase tudo pela internet".

Nem sempre isso é possível, diz ela, lembrando desafios da periferia. “Muitas pessoas não têm acesso nem a água potável, imagina se tem banda larga para fazer uma reunião", afirma. Nestes casos, ela organiza visitas presenciais para explicar ao potencial eleitor o seu projeto de cidade.