quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

O amigo Bozo, Ruy Castro, FSP

Bolsonaro saliva para Trump e recebe bofetadas em troca

  • 19
Donald Trump, quando quer insultar seu desafeto Jeff Bezos, dono da Amazon e do jornal The Washington Post, chama-o de Jeff Bozo. Comparar alguém ao famoso palhaço da televisão americana parece ser a suprema ofensa. Não por acaso, é assim também que multidões de brasileiros se referem, sem cerimônia, a um amigo de Trump: Jair Bolsonaro —o Bozo.
Mas será Trump tão amigo assim de Bolsonaro? Esta semana, Trump aplicou em Bolsonaro e, consequentemente, no Brasil, mais uma bofetada na área econômica. Em nova medida protecionista dos interesses americanos, sobretaxou o aço brasileiro em 25%. Outras medidas recentes de Trump incluíram a manutenção do embargo da carne bovina brasileira nos EUA e não estar nem aí para a sonhada candidatura do Brasil à OCDE. Preferiu apoiar a candidatura da Argentina. 
Não adiantou também Bolsonaro importar oceanos do etanol de Trump para lhe vender açúcar —Trump não comprou. E foi olímpica a indiferença com que Trump recebeu de Bolsonaro a eliminação da exigência de visto para os americanos que queiram vir ao Brasil.
Embora Bolsonaro se diga íntimo de Trump e com livre entrada na Casa Branca, é possível que Trump só consiga identificá-lo entre dezenas de governantes do 2º time quando brifado por seu assessor em América Latina —região esta que, para Trump, se resume ao México e, talvez, por causa do petróleo, à Venezuela. Quanto a Bolsonaro transitar pela Casa Branca, só se juntando a uma excursão de turistas. 
Bolsonaro não ganhará nada em continuar salivando à simples menção do nome Trump. Sempre que necessário, Trump ignorará essa sabujice explícita e botará Bolsonaro simbolicamente em seu devido lugar, amarrado à casinha no quintal. E não é impossível que, ao ouvir do assessor o nome Bolsonaro, o próprio Trump —se se lembrar dele—  também o chame de Bozo.
O palhaço Bozo em cena de seu programa de TV - Divulgação/SBT
Ruy Castro
Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues.
  • 19

Apenas um peão, editorial FSP

Ameaça comercial ao Brasil escancara malogro do alinhamento irrefletido a Trump

  • 17
Jair Bolsonaro e Donald Trump, durante encontro na ONU - Alan Santos - 24.set.19/PR
Donald Trump promove conflito tecnológico, comercial e diplomático com a China, a outra grande potência mundial; cria atritos com os seus maiores aliados militares e diplomáticos, os europeus; espezinha os vizinhos e grandes parceiros comerciais Canadá e México. 
Nesse universo de desarranjos e hostilidades, a importância da política e da economia do Brasil é periférica. A recente ameaça americana de cobrar mais tarifas sobre o aço e o alumínio aqui produzidos parece, pois, mais um dano colateral das ofensivas de Trump.
O presidente americano não deve ter se dado ao trabalho de considerar que sua atitude protecionista pudesse ofender ou desmoralizar um congênere —Jair Bolsonaro— que tão sofregamente suplica um posto de aliado preferencial.
Mais importante, o republicano não teve escrúpulo de causar problemas para a economia brasileira. O caso torna explícito outro gargalo —a conduta do atual Itamaraty.
Se Brasil é ninharia no jogo político de Trump, a política de sacrifícios ou doações voluntárias em nome da conquista de uma suposta boa vontade americana torna-se ainda mais contraproducente, além de tristemente ridícula.
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O país tem se isolado no cenário internacional, migrando para a ilha de democracias iliberais. Perde antigos aliados e posições formais e informais de prestígio e liderança ao se colocar em posição subordinada pueril e inconsequente em relação aos EUA e ao programa de uma internacional reacionária. 
Não parecem evidentes os objetivos pragmáticos de tais atitudes canhestras. Pelo contrário, acumulamos constrangimentos como a frustração da expectativa criada em torno de um apoio americano ao ingresso na OCDE.
Aço e alumínio representam cerca de 14% das exportações brasileiras para os EUA. Trata-se de menos de 2% das vendas do país. De imediato, não se vê grande dano, embora as empresas envolvidas e seus trabalhadores não possam dizer o mesmo. Mas se tornou razoável imaginar uma eventual ampliação dos ataques americanos.
Apesar de afirmações genéricas sobre abertura comercial, o governo não apresentou um plano palpável nesse sentido, o que causa incerteza em uma economia travada também pelo futuro nebuloso.
Pior, o líder que é modelo para Bolsonaro faz pouco do Brasil e descrê das vantagens do livre-comércio. Em tal cenário, não nos resta chance de uma reação altiva.