sábado, 2 de fevereiro de 2019

A força do velho, André Singer, FSP

A eleição nesta sexta (1°) da presidência da Câmara e o impasse quanto ao Senado atestam a capacidade de resistência de antigas estruturas no Brasil. 
Do mesmo modo que elas passaram incólumes por quatro governos petistas —ao ponto de derrubarem o último—, agora sobrevivem ao terremoto provocado por Bolsonaro. Entrincheiradas no Congresso, continuam a controlar cartas decisivas do baralho nacional.
Ainda que importantes figuras do clientelismo tenham sido atingidas no período recente, o esquema fisiológico ficou intacto. Eduardo Cunha (MDB-RJ) e Geddel Vieira Lima (MDB-BA) estão presos; Romero Jucá (MDB-RR) não foi reeleito. Os substitutos, porém, representam tão somente outras máscaras para o mesmo baile.
Na Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), reeleito presidente, representa “modus vivendi” que remonta à formação do Estado brasileiro. Os mandões locais se aninharam sucessivamente nos partidos Liberal e Conservador do Império, depois nos Republicanos de cada estado, acabando por desaguar na UDN e no PSD, em 1945. Após o golpe de 1964, tenderam a se concentrar na Arena.
Na redemocratização de 1985, para permanecer no poder, apoiaram Tancredo Neves, adotando a legenda de Partido da Frente Liberal (PFL). Há cerca de 15 anos, pela primeira vez fora do aparelho estatal, pois decidiram fazer oposição ao lulismo, a morte do PFL era dada como certa. Por isso, resolveram alterar a sigla mais uma vez, apelidando-se de Democratas.
 
Eis que atravessado o maremoto eleitoral provocado pela extrema direita, o DEM reaparece mais forte do que antes. 
Com três ministros importantes na Esplanada, a agremiação dos ACMs e Caiados continua na linha sucessória presidencial, condição que adquiriu após o golpe parlamentar contra Dilma Rousseff. 
Maia na chefia da Casa do povo dá à velha turma o poder de encaminhar qualquer proposta de impeachment que porventura venha a se apresentar contra o atual ocupante do Planalto.
No caso do Senado, o racha que provocou o adiamento da decisão para este sábado (2) é uma briga entre iguais. Se a manutenção do controle do MDB, por via de Renan Calheiros (sucessor de José Sarney), for rompida, o poder vai cair, quase certamente, nas mãos do... DEM. 
Nenhum vislumbre de renovação, nenhuma proposta diferente. Será o de sempre (o MDB presidiu a Casa em 32 dos 34 anos de democracia) com caras (um pouco) diferentes. 
Em suma, o que chamo de “partido do interior” segue no comando do Congresso, mesmo que na dança das cadeiras entre o DEM e saia o MDB. O arco clientelista, a mais antiga instituição do país, não mudará se a sociedade não mudar. A ultradireita terá que negociar com ele se quiser governar.
André Singer
Professor de ciência política da USP, ex-secretário de Imprensa da Presidência (2003-2007). É autor de “O Lulismo em Crise”.

Faltam água e esgoto para que a internet das coisas avance no Brasil, FSP

Vinicius Torres Freire
SÃO PAULO
Entre 2008 e 2014, o governo na prática emprestava dinheiro a juros baixinhos a grandes companhias, em geral oligopólios de setores tradicionais. Dava também dinheiro, subsídios, a empresas com o objetivo de criar fornecedores nacionais de equipamentos para o setor de petróleo. As iniciativas naufragaram, por erro geral de concepção, por incompetência ou corrupção.
Em meados desta década, grandes cidades, como São Paulo ou Fortaleza, estiveram à beira do colapso por um problema primitivo como falta de água. Nesses anos, mais de um terço das casas no Brasil não tinha esgoto; uma em sete não tinha água encanada.
Não, o governo federal em geral não cuida de abastecimento de água, atribuição de estados e cidades. Não, não é preciso ter água antes de pensar em desenvolvimento industrial. Mas a contradição entre a falta de serviços básicos e as tentativas de dar saltos tecnológicos com impulsos errados dá o que pensar em vários assuntos, inclusive sobre a internet das coisas (IoT) e a indústria 4.0.
A falta de água ameaça investimentos (afasta empresas) e a saúde, é óbvio. No Brasil, falta “água” para a internet das coisas.
Frequentemente, a gente ouve falar de internet das coisas como a conexão da geladeira à rede e outros badulaques de consumo tecnológico. A possível revolução econômica 4.0 é muito mais que isso.
Para saber se é viável no Brasil, comece pensando na sua conexão à internet. É cara, instável e lerda? Então, temos um problema sério de falta de água tecnológica. 
Os rankings mundiais de velocidade de internet são algo controversos, mas, de costume, o Brasil aparece para baixo do 60º lugar.
Por aqui, a vida digital ainda está mais relacionada ao consumo do que à produção. Isto é, mais a comércio eletrônico, games, música e vídeos, redes sociais; menos a automação produtiva. Para que possamos mudar de vida, é preciso de “água” e “redes de água” digitais: bancos de dados (big data), técnicos capacitados para lidar com eles e para programar, redes de comunicação velozes e confiáveis, infraestrutura de armazenamento de dados.
A internet das coisas pode modificar de modo profundo a produção de bens e de prestação de serviços. As decisões de quanto produzir, de como aperfeiçoar um produto ou um serviço podem ser alteradas se houver a conexão inteligente a redes e dados suficientes que forneçam a informação necessária para reformatar a atividade produtiva. É automação interativa.
Sendo menos abstrato, quais são as mudanças que podem oferecer essa conexão da atividade produtiva com bases de dados, mediada por alguma estratégia inteligente e automatizável de melhora da eficiência?
É possível modificar desde procedimentos cirúrgicos até a forma como é feito o controle de pragas agrícolas. Da produção robotizada de bens a atividades extrativas (mineração, petróleo). O gerenciamento de redes de eletricidade e de tráfego urbano. O consumo de combustíveis por máquinas e veículos.
Para que funcione, a IoT depende de aparelhos com sensores capazes de captar e receber informação, processá-la minimamente, transmiti-la a uma base de inteligência e daí receber “instruções”. Essa base “entende” o equipamento, tem um modelo para pensar e processar as informações de modo a melhorar ou modificar em geral uma tarefa ou produto.
É fácil entender que o avanço tecnológico depende de velocidade de conexão, mas não apenas. Há sintomas de outros problemas no avanço tecnológico. Por que o Brasil tem, por exemplo, tão poucos robôs, um primeiro passo da automação produtiva?
Cerca de 72% dos robôs industriais instalados no mundo estão em apenas cinco países (Japão, China, Estados Unidos, Coreia do Sul e Alemanha). A América Latina tem 2% dos robôs do planeta, 60% deles no México. O Brasil nem é citado nessa estatística apresentada no Trade and Development Report 2017 da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad). Aparecemos no ranking de densidade de robôs (número dessas máquinas por empregados da indústria) em 39º lugar, atrás do México.
Parece um indício de falta de capacidade de investimento e de mão de obra barata demais. De falta de integração com o comércio mundial. De falta de gente capacitada para operar e pensar a produção automatizada.
Falta o de sempre: escola boa e capacitação de trabalhadores. Infraestrutura: pelo menos, redes de banda larga capazes de transmitir dados em volume, confiabilidade e quantidade necessárias para a economia 4.0.
Quando você ouvir falar de casas “inteligentes” como exemplo de internet das coisas, mude de assunto. Pergunte de satélites, obras e licitações para a internet 5G ou mesmo de conexões mais primitivas, mas que cubram o país inteiro de modo decente. Pergunte quantos engenheiros e professores de matemática estamos formando.