terça-feira, 10 de abril de 2018

Nelson Barbosa: A economia de espantalhos perpétuos, FSP

Nelson Barbosa: A economia de espantalhos perpétuos

Lamento que Lisbossôa queira construir caricaturas em vez de analisar e propor soluções para nossos problemas econômicos

O ex-ministro da Fazenda e do Planejamento Nelson Barbosa fala em sessão no Senado, em agosto de 2016
O ex-ministro da Fazenda e do Planejamento Nelson Barbosa fala em sessão no Senado, em agosto de 2016 - Alan Marques - 27.ago.16/Folhapress
Na segunda-feira passada (26), Marcos Lisboa e Samuel Pessôapublicaram neste espaço mais um texto ("A economia do moto perpétuo") de construção de espantalhos. Como é difícil saber onde um termina e o outro começa, me referirei à dupla como uma só pessoa para economizar caracteres: "Lisbossôa".

Para Lisbossôa, todos os heterodoxos brasileiros acreditam na "economia do moto perpétuo", segundo a qual o gasto público sempre se autofinancia. Trata-se obviamente de uma caricatura pois, se há uma coisa que define heterodoxia, é justamente não ter pensamento único!

Nós brigamos muito entre nós mesmos, mas alguns economistas ortodoxos têm dificuldade em compreender isso, pois não sabem o que é divergência de opinião.

Lisbossôa não está totalmente errado, pois realmente há minorias heterodoxas que acreditam que mais demanda resolve todo e qualquer problema. Mas isso é um caso isolado, como também é aquele dos neoliberais de jardim de infância da direita, para os quais menos gasto público é o caminho do paraíso na Terra (imagine uma economia com zero de serviços públicos ... pois é).

Uma análise honesta da questão revela que o impacto de uma expansão fiscal sobre renda, preços e dívida pública depende das condições iniciais da economia.

Se há recursos ociosos e ganhos de produtividade que podem ser rapidamente acionados, o estímulo fiscal pode ser acompanhado de crescimento, queda do endividamento público (em relação ao PIB) e controle da inflação.

O próprio texto de DeLong e Summers citado por Lisbossôa analisa esse caso, como também o fez recentemente o insuspeito FMI, ao revisar suas estimativas de multiplicadores fiscais, e Auerbach e Gorodnichenko, em outra autocrítica apresentada no último encontro anual de Jackson Hole.

Mas vamos ao Brasil. Lisbossôa cita um texto de minha coautoria como prova (acusação?) da hipótese do moto perpétuo. Trata-se de mais uma pós-verdade no debate econômico brasileiro.

O texto em questão analisa a correta inflexão da política econômica do governo Lula, em 2006-10, quando houve expansão fiscal, aceleração do crescimento, controle da inflação e redução da dívida pública. Os números falam por si, mas o sucesso daquela época não quer dizer que toda expansão fiscal será sempre bem-sucedida, como indica o ocorrido em 2012-14, quando as condições iniciais eram diferentes.

Lisbossôa ignora essa diferença, como também esquece que a grande flexibilização fiscal de 2016-17 contribuiu para a estabilização da economia brasileira recentemente. Em um resultado tipicamente keynesiano, o déficit primário subiu, a renda e o emprego se estabilizaram, e a inflação caiu.

Ainda faltam controlar o crescimento da dívida e recuperar o crescimento de modo duradouro, mas os últimos dois anos comprovaram que era necessário flexibilizar temporariamente a política fiscal no Brasil (ponto para a heterodoxia).

Lamento a opção de Lisbossôa por construir caricaturas, pois é impossível debater de modo construtivo com pessoas mais interessadas em confundir o público do que em analisar e propor soluções para nossos problemas econômicos.

Mas a vida continua, e ainda creio que exista honestidade na ortodoxia brasileira. Se não em Lisbossôa, talvez entre aqueles que não precisam de espantalhos perpétuos como muleta.
Nelson Barbosa
Colunista da Folha, é doutor em economia e professor da FGV e da UnB; foi ministro da Fazenda e do Planejamento (2015-2016, governo Dilma Rousseff)

Marcos Lisboa e Samuel Pessôa: Resposta a Nelson Barbosa, FSP


Marcos Lisboa e Samuel Pessôa: Resposta a Nelson Barbosa

Nós aguardamos um artigo acadêmico dele mostrando que o crescimento econômico da segunda metade dos  anos 2000 decorreu da expansão dos gastos públicos



Clientes fazem compras em mercado no centro de São Paulo
Clientes fazem compras em mercado no centro de São Paulo - Rubens Cavallari - 21.fev.18/Folhapress
Esta é uma réplica pela metade. Afinal, concordamos com parte dos argumentos de Nelson Barbosa. Para começo de conversa, após tanto tempo em que trocamos ideias diariamente sobre economia, a genealogia dos argumentos tornou-se inviável. Aceitamos, pois, de bom grado, a denominação de Lisbossôa.

Barbosa reclama da nossa crítica ao argumento que classificamos como moto-perpétuo, defendido por alguns heterodoxos: o aumento do gasto público resultaria em crescimento ainda maior da renda e da arrecadação de tributos.

O resultado seria a queda do endividamento como proporção da renda nacional. Bastaria gastar mais para ficar mais rico.

Barbosa não discorda de que alguns heterodoxos defendem essa tese. Também não discorda de que ele mesmo utilizou esse argumento. Afirma, porém, que ele apenas defendeu a validade da tese para o período entre 2006 e 2010.

Nosso debate está bem circunscrito. Barbosa e Lisbossôa concordam que, em casos bem específicos, o aumento do endividamento produzido pelo aumento do gasto público pode ser autofinanciável.

Barbosa, inclusive, cita o mesmo trabalho de DeLong e Summers, mencionado no nosso artigo, que delimita circunstâncias para que esse processo possa acontecer. Vamos, então, às nossas duas divergências em relação a Barbosa.

Primeira divergência. Entre as circunstâncias apontadas pelo trabalho de DeLong e Summers encontram-se baixa inflação e baixa taxa de juros real, que deve ser próxima da taxa de crescimento econômico, condição decorrente da equação 7 no texto dos dois autores. Esse, porém, não foi o caso do Brasil nas últimas décadas, incluindo o período analisado por Barbosa.

Entre 2006 e 2010, a taxa de juros real que incide sobre a dívida pública foi de 6,9%, ao passo que a economia brasileira cresceu 4,5%, uma diferença de 2,4 pontos porcentuais. Não conhecemos evidência na literatura acadêmica de estimativas de um impacto do gasto público sobre o crescimento da renda que compense um diferencial tão elevado entre os juros reais e o crescimento econômico.

Essa diferença deveria ter sido menor do que 0,5 ponto porcentual naquele período, e não 2,4, para que a economia brasileira atendesse às condições do moto-perpétuo.

Muitos anos de contração fiscal seriam necessários para que os juros reais de equilíbrio caíssem o suficiente para que houvesse alguma possibilidade do gasto público se tornar autofinanciável.

Segunda divergência. Barbosa apenas constata que, naquele período, a dívida pública como proporção do PIB caiu em meio ao crescimento da economia e do gasto público. Isso basta para que ele conclua que foi o aumento do gasto que levou ao crescimento.

Barbosa repete o erro comum de vários heterodoxos no Brasil. Infere uma causalidade a partir da ocorrência simultânea de dois fenômenos. Carecas usualmente não têm pentes, o que não significa que pentear os cabelos impede a sua queda. As técnicas da estatística são úteis precisamente para tentar identificar se existem evidências de uma relação de causalidade.

Deve-se verificar se outros fatores não teriam sido os responsáveis pelos fenômenos observados, como, por exemplo, o significativo crescimento da economia mundial naquele período.

Há mais. Diversos gastos públicos são indexados ao PIB, como saúde, educação e boa parte da previdência. Quanto mais cresce a economia, mais esses gastos aumentam. Trata-se de uma causalidade inversa à proposta por Barbosa.

A estabilidade é uma agenda de muitos governos e requer anos de política econômica consistente. A ilusão de que nossa economia atendia à condição do moto-perpétuo foi parte da inflexão na política econômica ocorrida no segundo governo Lula, que ajudou a interromper o longo processo de ajuste macroeconômico iniciado no Plano Real.

Aguardamos o artigo acadêmico de Barbosa que mostre que o crescimento econômico da segunda metade dos anos 2000 decorreu da expansão dos gastos públicos.
Samuel Pessôa
É formado em física, doutor em economia e pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da FGV
Marcos Lisboa
É economista, presidente do Insper e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005, governo Lula)

A dama,o diplomata e o general, autor desconhecido.

Durante almoço em uma embaixada, conversas amenas rolando, a anfitriã pergunta a um velho General: o senhor sabe a diferença entre a dama, o diplomata e o militar?
O velho homem, calmamente disse que sim...e explicou:
- A dama, quando diz NÃO, significa TALVEZ; quando diz TALVEZ, significa SIM; e quando diz SIM não é uma dama.
- O diplomata, quando diz SIM, quer dizer TALVEZ; quando diz TALVEZ, significa NÃO; quando diz NÃO, não é diplomata.
- O militar quando diz SIM, significa SIM; quando diz NÃO, significa NÃO; e quando diz TALVEZ...não é militar.
(Autor desconhecido)