Nelson Barbosa: A economia de espantalhos perpétuos
Lamento que Lisbossôa queira construir caricaturas em vez de analisar e propor soluções para nossos problemas econômicos
Na segunda-feira passada (26), Marcos Lisboa e Samuel Pessôapublicaram neste espaço mais um texto ("A economia do moto perpétuo") de construção de espantalhos. Como é difícil saber onde um termina e o outro começa, me referirei à dupla como uma só pessoa para economizar caracteres: "Lisbossôa".
Para Lisbossôa, todos os heterodoxos brasileiros acreditam na "economia do moto perpétuo", segundo a qual o gasto público sempre se autofinancia. Trata-se obviamente de uma caricatura pois, se há uma coisa que define heterodoxia, é justamente não ter pensamento único!
Nós brigamos muito entre nós mesmos, mas alguns economistas ortodoxos têm dificuldade em compreender isso, pois não sabem o que é divergência de opinião.
Lisbossôa não está totalmente errado, pois realmente há minorias heterodoxas que acreditam que mais demanda resolve todo e qualquer problema. Mas isso é um caso isolado, como também é aquele dos neoliberais de jardim de infância da direita, para os quais menos gasto público é o caminho do paraíso na Terra (imagine uma economia com zero de serviços públicos ... pois é).
Uma análise honesta da questão revela que o impacto de uma expansão fiscal sobre renda, preços e dívida pública depende das condições iniciais da economia.
Se há recursos ociosos e ganhos de produtividade que podem ser rapidamente acionados, o estímulo fiscal pode ser acompanhado de crescimento, queda do endividamento público (em relação ao PIB) e controle da inflação.
O próprio texto de DeLong e Summers citado por Lisbossôa analisa esse caso, como também o fez recentemente o insuspeito FMI, ao revisar suas estimativas de multiplicadores fiscais, e Auerbach e Gorodnichenko, em outra autocrítica apresentada no último encontro anual de Jackson Hole.
Mas vamos ao Brasil. Lisbossôa cita um texto de minha coautoria como prova (acusação?) da hipótese do moto perpétuo. Trata-se de mais uma pós-verdade no debate econômico brasileiro.
O texto em questão analisa a correta inflexão da política econômica do governo Lula, em 2006-10, quando houve expansão fiscal, aceleração do crescimento, controle da inflação e redução da dívida pública. Os números falam por si, mas o sucesso daquela época não quer dizer que toda expansão fiscal será sempre bem-sucedida, como indica o ocorrido em 2012-14, quando as condições iniciais eram diferentes.
Lisbossôa ignora essa diferença, como também esquece que a grande flexibilização fiscal de 2016-17 contribuiu para a estabilização da economia brasileira recentemente. Em um resultado tipicamente keynesiano, o déficit primário subiu, a renda e o emprego se estabilizaram, e a inflação caiu.
Ainda faltam controlar o crescimento da dívida e recuperar o crescimento de modo duradouro, mas os últimos dois anos comprovaram que era necessário flexibilizar temporariamente a política fiscal no Brasil (ponto para a heterodoxia).
Lamento a opção de Lisbossôa por construir caricaturas, pois é impossível debater de modo construtivo com pessoas mais interessadas em confundir o público do que em analisar e propor soluções para nossos problemas econômicos.
Mas a vida continua, e ainda creio que exista honestidade na ortodoxia brasileira. Se não em Lisbossôa, talvez entre aqueles que não precisam de espantalhos perpétuos como muleta.
Para Lisbossôa, todos os heterodoxos brasileiros acreditam na "economia do moto perpétuo", segundo a qual o gasto público sempre se autofinancia. Trata-se obviamente de uma caricatura pois, se há uma coisa que define heterodoxia, é justamente não ter pensamento único!
Nós brigamos muito entre nós mesmos, mas alguns economistas ortodoxos têm dificuldade em compreender isso, pois não sabem o que é divergência de opinião.
Lisbossôa não está totalmente errado, pois realmente há minorias heterodoxas que acreditam que mais demanda resolve todo e qualquer problema. Mas isso é um caso isolado, como também é aquele dos neoliberais de jardim de infância da direita, para os quais menos gasto público é o caminho do paraíso na Terra (imagine uma economia com zero de serviços públicos ... pois é).
Uma análise honesta da questão revela que o impacto de uma expansão fiscal sobre renda, preços e dívida pública depende das condições iniciais da economia.
Se há recursos ociosos e ganhos de produtividade que podem ser rapidamente acionados, o estímulo fiscal pode ser acompanhado de crescimento, queda do endividamento público (em relação ao PIB) e controle da inflação.
O próprio texto de DeLong e Summers citado por Lisbossôa analisa esse caso, como também o fez recentemente o insuspeito FMI, ao revisar suas estimativas de multiplicadores fiscais, e Auerbach e Gorodnichenko, em outra autocrítica apresentada no último encontro anual de Jackson Hole.
Mas vamos ao Brasil. Lisbossôa cita um texto de minha coautoria como prova (acusação?) da hipótese do moto perpétuo. Trata-se de mais uma pós-verdade no debate econômico brasileiro.
O texto em questão analisa a correta inflexão da política econômica do governo Lula, em 2006-10, quando houve expansão fiscal, aceleração do crescimento, controle da inflação e redução da dívida pública. Os números falam por si, mas o sucesso daquela época não quer dizer que toda expansão fiscal será sempre bem-sucedida, como indica o ocorrido em 2012-14, quando as condições iniciais eram diferentes.
Lisbossôa ignora essa diferença, como também esquece que a grande flexibilização fiscal de 2016-17 contribuiu para a estabilização da economia brasileira recentemente. Em um resultado tipicamente keynesiano, o déficit primário subiu, a renda e o emprego se estabilizaram, e a inflação caiu.
Ainda faltam controlar o crescimento da dívida e recuperar o crescimento de modo duradouro, mas os últimos dois anos comprovaram que era necessário flexibilizar temporariamente a política fiscal no Brasil (ponto para a heterodoxia).
Lamento a opção de Lisbossôa por construir caricaturas, pois é impossível debater de modo construtivo com pessoas mais interessadas em confundir o público do que em analisar e propor soluções para nossos problemas econômicos.
Mas a vida continua, e ainda creio que exista honestidade na ortodoxia brasileira. Se não em Lisbossôa, talvez entre aqueles que não precisam de espantalhos perpétuos como muleta.
Nelson Barbosa
Colunista da Folha, é doutor em economia e professor da FGV e da UnB; foi ministro da Fazenda e do Planejamento (2015-2016, governo Dilma Rousseff)