domingo, 8 de abril de 2018

Nunca antes na história deste país, Antonio Prata, FSP


Tom Jobim disse que o Brasil não era para principiantes, mas nem sequer é para iniciados

É sexta-feira. São 18h02. Passei o dia com o controle remoto na mão e um gosto amargo na boca, esperando o Lula se entregar à polícia. No meio da tarde, mandei e-mail pro jornal, avisando que iria atrasar. Nunca foi tão difícil escrever uma coluna.
Me sinto agachado numa trincheira entre o tiroteio dos que acreditam que a prisão do Lula é um complô dos brasileiros ricos com a CIA e o Moro para entregar nossas minas de nióbio ao capital estrangeiro e os que têm certeza absoluta de que o Lula é a encarnação do mal e que sua prisão representa um momento ensolarado da nossa história, sinal de que caminhamos a passos largos para um futuro virtuoso. Qualquer um que tome um destes dois lados está, como se diz por aí, ou mal informado ou mal-intencionado. Ou ambos.
Tom Jobim disse que o Brasil não era para principiantes. A realidade, de 2013 para cá, prova que o Brasil não é nem sequer para iniciados. Vamos levar alguns anos, talvez muitos, para entender o sentido do que está se passando. 
Os acontecimentos são ambivalentes, polivalentes, contraditórios. Lula foi de longe o melhor presidente que este país já teve e foi condenado porque de fato recebeu de presente um apartamento de uma empreiteira que desviou rios de dinheiro público e despejou parte desta fortuna nos cofres do PT. A Lava Jato é um avanço indiscutível num país em que a impunidade é a regra e a Lava Jato é parcial e atropela direitos. É preciso ser um avestruz e enfiar a cabeça na própria bolha do Facebook para não aceitar todas essas afirmações como verdadeiras.
A eleição do Lula foi um sopro de esperança num país que, desde sempre, foi governado pela mesma meia dúzia, para a mesma meia dúzia. Houve um momento na década passada em que todos, mesmo aquela meia dúzia (que, aliás, continuou governando ao lado do Lula), acreditamos que o Brasil ia dar certo. Que éramos como Mané Garrincha, apesar das nossas pernas tortas, por causa de nossas pernas tortas, sairíamos driblando como ninguém. Lula era o protótipo do sonho brasileiro, o self-made-man tupiniquim vindo da miséria em Garanhuns e eleito presidente, o personagem mais brasileirissimamente 
hollywoodiano que este país já produziu. E milhões saíram da miséria. E milhares conseguiram bolsas em faculdades. E a economia cresceu. E roubou-se a torto e a direito. 
Roubou-se como “nunca antes na história deste país”? Impossível saber, porque antes não se investigava. Veja como é contraditório: Lula só foi preso porque deixou que o Ministério Público e a Polícia Federal agissem sem amarras, como “nunca antes na história deste país”. Mas o fato de que sempre se roubou não legitima a roubalheira do PT. E haver roubalheira no PT não deslegitima tudo de bom que o PT fez. Não foi pouco —nem o que fez de bom, nem a roubalheira. O Brasil não é para principiantes. Nem para iniciados.
Logo após vencer as eleições de 2002, Lula disse que “A esperança venceu o medo”. Com toda a corrupção revelada pela Lava Jato, com o desastre econômico do governo Dilma e a hábil orquestração dos abutres que agora estão no poder, lavando todos os seus pecados nas águas do antipetismo, o medo está de volta. A prisão do Lula é a prova definitiva de que aquela esperança morreu. Viva a esperança!

Lula estragou a biografia, FSP

É triste ver Luiz Inácio Lula da Silva prestes a ser preso.
Sua biografia era uma daquelas de contos de fadas. Garoto pobre do Nordeste chega a São Paulo num pau de arara. Devido às dificuldades econômicas da família, estuda pouco, mas torna-se metalúrgico, sindicalista e líder político de esquerda. É perseguido pela ditadura e demonizado pela elite. Perde sucessivos pleitos presidenciais, até que finalmente triunfa. Sob sua gestão, o país cresce como não se via havia décadas e a desigualdade cai. A consagração vem no Brasil e no exterior.
Leitores poderão apontar pequenos exageros e omissões na narrativa, mas ela é essencialmente correta. Conta ao mesmo tempo uma história de autossuperação, que exalta virtudes do indivíduo, e de mobilidade social, que consagra o sistema democrático. O problema é que, em algum momento, Lula fraquejou.
No mínimo, ele se meteu em relacionamentos eticamente inaceitáveis com empreiteiras. Mesmo aceitando a narrativa lulista, é forçoso concluir que construtoras reformaram de graça o sítio que amigos lhe emprestavam para passar os fins de semana e remodelaram, ao gosto da família do petista, um apartamento na praia para o caso de ele desejar comprá-lo.
A Justiça, que é o foro encarregado de decidir se condutas eticamente questionáveis configuram também delitos, analisou o caso do tríplex e concluiu que Lula cometeu os crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, pelos quais o condenou a 12 anos. E é difícil falar em complô quando se sabe que a situação de Lula, entre julgamentos e habeas corpus, foi analisada por todas as instâncias, incluindo o STF, onde 7 dos 11 ministros foram nomeados por petistas.
A triste verdade é que o líder que um dia encantou o país e o mundo se perdeu ao longo do caminho. Foi condenado num processo regular e agora precisa cumprir a pena. A biografia sai estragada, mas o país fica um pouco mais republicano.