segunda-feira, 2 de abril de 2018

José Padilha: O mecanismo agradece (tendências e debates) FSP

José Padilha: O mecanismo agradece

Esperava que formadores de opinião da esquerda fossem sair do estupor ideológico e combater o mecanismo de corrupção 

Homem tira foto de stand da Netflix no desembarque do aeroporto de Brasília faz divulgação da série "O Mecanismo", sobre a operação Lava Jato
Stand da Netflix no desembarque do aeroporto de Brasília faz divulgação da série "O Mecanismo", sobre a operação Lava Jato - Pedro Ladeira - 27.mar.18/Folhapress
A série "O Mecanismo" é uma dramatização inspirada em um conjunto de acontecimentos reais, apresentada de forma a ilustrar uma tese. Eis a tese, em cinco enunciados:

a) No Brasil, a corrupção não ocorre esporadicamente; ela é o mecanismo estruturante da política e da administração pública, um mecanismo que opera nos municípios, nos estados e no governo federal; no Executivo e no Legislativo, e também nas cortes judiciais constituídas por indicações políticas. 

b) As campanhas de todos os grandes partidos do Brasil são financiadas por empresas que trabalham para o Estado. Uma vez eleitos, políticos desses partidos montam coalizões com base na distribuição de cargos que auferem controle sobre o orçamento público. Quanto mais poderoso for um político, maior o quinhão que lhe cabe.

c) O Estado, assim loteado, contrata as mesmas empresas que financiam as campanhas políticas dos grandes partidos, superfaturando orçamentos.
 
d) Parte da fatura se transforma em financiamento de campanha para o próximo ciclo eleitoral, e parte vira caixa dois e propina. 

e) O mecanismo não tem ideologia; ele opera nos governos de esquerda e de direita.

Na série "O Mecanismo", assumimos que esses enunciados são verdadeiros. Isso é fato ou ficção? O que aconteceria em um país onde o mecanismo operasse de fato? 

No mínimo, três coisas: 

1) A polícia e a Procuradoria se deparariam constantemente com casos de corrupção sistêmica. 

2) A classe política criaria legislação específica para impedir que as investigações desses casos gerassem punições para seus membros, pois, na ausência de legislação assim, o mecanismo não sobreviveria.

3) Se alguma contingência histórica permitisse que uma investigação de corrupção fosse levada a cabo nesse país, em uma área de orçamento público significativo, a política como um todo seria implicada na investigação.

O Brasil satisfaz essas condições? 

Não vou perder tempo analisando as duas primeiras. Sabemos que sim. No que tange à terceira, olhemos para a Lava Jato e a Petrobras. 

Que contingencia histórica permitiu que a Lava Jato acontecesse? Claramente, foi o fato de uma pessoa sem nenhuma experiência política ter chegado à Presidência. Só pode ter sido por falta de traquejo que Dilma Rousseff sancionou, em 2013, uma emenda à lei de delações premiadas que permitiu que acordos de delação fossem celebrados com doleiros, empreiteiros e administradores públicos.

Foram acordos desse tipo que revelaram um extenso esquema de corrupção na Petrobras, envolvendo as maiores lideranças políticas do país, inclusive o patrono político de Dilma, Lula da Silva.

Hoje, a Lava Jato tem US$ 11,5 bilhões em recuperação judicial, sendo R$ 3,2 bilhões já bloqueados. Se não há corrupção sistêmica, de onde veio esse volume de dinheiro?

Ora, é inegável que o mecanismo opera no Brasil, e é inegável que os grupos políticos de Temer e de Lula se beneficiaram dele. Sendo esse o caso, qual o motivo para os violentos e desonestos posts que alguns formadores de opinião de esquerda dispararam contra os atores e autores da série "O Mecanismo"?

Para entender sua natureza, precisamos olhar o que ocorreu com a opinião pública pós-Lava Jato. 

Sabendo que O Mecanismo existe, podemos afirmar que:

a) Se a nova lei de delações premiadas tivesse sido sancionada com o PSDB no poder, os políticos denunciados teriam sido Aécio, Serra e FHC. Mas, como a lei foi sancionada com PT e PMDB no poder, os políticos denunciados foram Palocci, Lula, Cunha, Cabral e Temer.

b) A mídia de direita usou essa contingência histórica para atacar a esquerda, como se a direita não fosse corrupta.

c) O PT usou essa contingência para acusar a Lava Jato de partidarismo, como se não fosse inevitável que petistas fossem pegos primeiro, dado que estavam no poder.

Criou-se, assim, um ambiente irracional e polarizado, em que o dogmatismo ideológico da esquerda radical e o cinismo pragmático da direita fisiológica passaram a trabalhar juntos para negar o inegável, o fato de que todas as lideranças políticas dos grandes partidos brasileiros são corruptas.

Hoje, vemos os formadores de opinião de esquerda e os membros da direita fisiológica de mãos dadas, pressionando o STF para cancelar a prisão após condenação em segunda instância. Afinal, para a esquerda isso garantiria a impunidade de Lula; para a direita, a de Aécio, de Temer, de Jucá... O mecanismo, é claro, agradece.

Confesso que esperava mais dos formadores de opinião da esquerda. Pensei que em algum momento da história fossem acordar do estupor ideológico e ajudar pessoas de bem na luta contra o mecanismo que opera no mundo real, em vez de se associar a ele para lutar contra o mecanismo exposto na Netflix
José Padilha
Cineasta, 50, dirigiu os filmes "Tropa de Elite" (2007), "Tropa de Elite 2" (2010) e "RoboCop" (2014)

    O mecanismo da disputa, Opinião Folha

    O mecanismo da disputa

    É lamentável o grau de obscurantismo a que podem chegar as patrulhas ideológicas

    Enrique Díaz e Selton Mello em cena de 'O Mecanismo' - Netflix/Divulgação
    As críticas despertadas pela série de TV "O Mecanismo" —acusada, em especial por petistas, de adulterar a realidade histórica em sua reconstituição de situações ligadas à Operação Lava Jato— inscrevem-se no ambiente maniqueísta em que grupos antagônicos buscam estabelecer sua própria versão dos acontecimentos.
    A obra suscitou as reações mais veementes ao transferir para um personagem identificado com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) uma famosa frase que se sabe pronunciada, na realidade, pelo senador Romero Jucá (MDB-RR).
    Trata-se daquela em que o político, em conversa telefônica gravada, defendia um acordo para "estancar a sangria", ou seja, impedir o avanço e as consequências das investigações policiais. Tal estratégia passaria pelo impeachment da petista Dilma Rousseff, consumado semanas depois.
    Em meio aos ânimos exaltados pelo ano eleitoral e pelas tensões criadas em torno da possível prisão de Lula, a própria ex-presidente voltou à cena, desta vez na vida real, para criticar suposta tentativa da produtora da série, a Netflix, de interferir no curso do pleito.
    Estamos diante —convém recordar o óbvio— de uma produção ficcional que, como tantas outras, não pretende retratar de modo fiel os fatos. Essa seria tarefa complexa mesmo para um documentário, dadas as múltiplas facetas e circunstâncias de um processo ainda em curso, do qual não se tem distanciamento histórico.
    Pode-se considerar, a depender do ponto de vista, que o deslocamento da fala de Jucá foi infeliz ou questionável. As críticas são perfeitamente legítimas, e mesmo as campanhas pelo boicote ao programa fazem parte dos direitos de manifestação da esfera privada.
    Controvérsias do tipo são comuns em sociedades democráticas, nas quais disputas por interpretações da realidade, mesmo no território refinado da historiografia, são permanentes e dinâmicas.
    É lamentável, de todo modo, o grau de obscurantismo a que podem chegar as patrulhas ideológicas. À direita, como se viu em episódios recentes de ofensivas contra mostras que exploravam o tema da sexualidade; à esquerda, agora, com o abandono casuístico da defesa da liberdade artística que se fazia naquelas ocasiões.

    Quadro Uso de agrotóxicos no Brasil

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    Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia

    Larissa Mies Bombardi

    Laboratório de Geografia Agrária

    FFLCH - USP, São Paulo, 2017.

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