domingo, 5 de março de 2017

Por que Lula?, OESP


É a candidatura que visa interditar, no grito, as investigações contra ele
Vera Magalhães
05 Março 2017 | 03h08

A semana promete ser tomada pelo “lançamento” da sexta candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência. O pontapé inicial foi um manifesto “espontâneo” assinado pelos intelectuais de cabeceira do petismo, e que dará origem a um site e um road show do ex-presidente e réu na Lava Jato pelo País. O título do abaixo-assinado é “Por que Lula?”. 
Está aí uma boa pergunta, mas a resposta está longe de ser o misto de ingenuidade, desonestidade intelectual e manipulação contidos no documento.
Por que Lula? Por que o Brasil precisa dele ou por que ele precisa dessa candidatura como escudo para se defender das acusações de que, no exercício da Presidência e depois de deixá-la, praticou corrupção passiva, tráfico de influência, lavagem de dinheiro e outros crimes investigados no petrolão?
O calendário do lançamento de Lula coincide com a reta final de um dos processos nos quais o petista é réu, sob a acusação de ter recebido propina de até R$ 3,7 milhões na forma de “mimos” da OAS, que reformou um triplex no Guarujá que seria ofertado à sua família e pagou pela guarda das “tranqueiras” que ele carregou quando deixou o Alvorada.
Lula vai depor em maio diante do juiz Sérgio Moro. Até lá, deve rodar o País entoando a cantilena de que é vítima de perseguição política e de que os processos nada mais são do que uma tentativa de tirá-lo da vida pública e impedir uma nova candidatura.
Não será o contrário? Lula nunca desejou de fato ser candidato novamente à Presidência. Não o fez quando teve a faca e o queijo na mão: petistas como Rui Falcão e Marta Suplicy lançaram o “volta Lula” em 2014, e ele não o levou adiante.
Não foi em respeito a Dilma Rousseff que ele deixou de ser candidato. Lula desistiu porque não podia vislumbrar a possibilidade – na época, ainda bastante remota – de não ser eleito nem a perspectiva, esta bem concreta, de fazer um governo pior do que os anteriores.
Por que, então, teria mudado de ideia agora que é réu em cinco ações penais, o PT foi varrido do mapa nas eleições municipais, Dilma sofreu impeachment e a economia está em frangalhos? Altruísmo? Senso de dever para com aqueles que o PT diz ter incluído e que voltaram à miséria?
Talvez Chico Buarque ou Leonardo Boff acredite de fato nisso, embora seja espantoso.
A desigualdade social e o desemprego galopam no País por obra e graça dos governos Lula e Dilma. Ele por não ter aproveitado o vento favorável na economia mundial que vigorou até 2009 para fazer as reformas que eram necessárias. Ela por se lançar na tal “nova matriz econômica”, que nada mais era do que desculpa para abraçar a irresponsabilidade fiscal como se não houvesse amanhã.
A Lava Jato nada mais é do que a resposta da Justiça a um esquema de desvio de recursos públicos sem precedentes, montado de forma deliberada e reiterada pelos governos do PT – neste caso mais dele do que dela – para sustentar um projeto de poder que era para durar ao menos 20 anos.
O fato de Lula responder agora pelos crimes dos quais é acusado não é perseguição política, mas consequência do amadurecimento democrático e institucional do Brasil. Não à toa, os defensores do ex-presidente falam em “Justiça para todos e para Lula”, sem esconder a pretensão a que o cacique petista seja beneficiado por uma indulgência que não se destinaria a “todos”, só a ele.
É esse o desejo indisfarçado que transborda do texto dos “intelectuais” lulistas. O por que Lula, aqui, parece pressupor um complemento: por que Lula tem de responder como qualquer mortal perante a Justiça?
Portanto, não é a Lava Jato que quer impedir a candidatura do petista. É a candidatura que visa interditar, no grito, as investigações contra ele. Por que Lula? Por que não ele?

O novo inimigo, por Mario Vargas Llosa OESP




O populismo frenético de Trump a convenceu de que é possível deter o tempo



05 Março 2017 | 05h00
O comunismo não é mais o inimigo principal da democracia liberal - da liberdade - e sim o populismo. Aquele deixou de sê-lo quando a URSS desapareceu por sua incapacidade de resolver os problemas econômicos e sociais mais elementares, e quando (pelos mesmos motivos) a China se transformou num regime capitalista autoritário. Os países comunistas sobreviventes - Cuba, Coreia do Norte, Venezuela - têm situação tão calamitoso que dificilmente poderiam ser um modelo, como a URSS pareceu sê-lo em sua hora, para retirar uma sociedade da pobreza e do subdesenvolvimento. O comunismo é hoje uma ideologia residual e seus seguidores, grupos e grupelhos, estão nas margens da vida política das nações.
Mas, diferentemente do que muitos acreditavam - que o desaparecimento do comunismo reforçaria a democracia liberal -, surgiu a ameaça populista. Não se trata de uma ideologia, mas uma epidemia viral - no sentido mais tóxico da palavra - que ataca de igual maneira países desenvolvidos e atrasados, adotando em cada caso máscaras diversas, de esquerdismo no terceiro mundo, de direitismo no primeiro. Nem mesmo países de tradições democráticas mais arraigadas como Reino Unido, França, Holanda e EUA estão vacinados contra essa doença: prova disso é o triunfo da Brexit, a presidência de Donald Trump, que o partido de Geert Wilders apareça à frente nas pesquisas para as próximas eleições holandesas e a Frente Nacional de Marine Le Pen para as francesas.

Foto: Efe
Trump
Documento divulgado pelo governo americano não menciona diretamente a China, mas evidencia críticas ao país
O que é o populismo? Antes de tudo, a política irresponsável e demagógica de alguns governantes que não vacilam em sacrificar o futuro de uma sociedade por um presente efêmero. Por exemplo, estatizando empresas, congelando preços e aumentando salários, como fez no Peru o presidente Alan García durante seu primeiro governo, produzindo uma bonança momentânea que fez sua popularidade disparar. Depois, viria uma hiperinflação que esteve a ponto de destruir a estrutura produtiva. (Aprendida a lição à custa do povo, García fez uma política bastante sensata em seu segundo governo).
O ingrediente central do populismo é o nacionalismo - a fonte, depois da religião, das guerras mais mortíferas de que a humanidade já padeceu. Trump promete a seus eleitores que a “América será grande de novo” e “voltará a ganhar guerras”; que os EUA não se deixarão explorar pela China, a Europa, nem pelos demais países do mundo, pois agora seus interesses prevalecerão. Os partidários do Brexit - eu estava em Londres e ouvi, estupefato, a fieira de mentiras chauvinistas e xenófobas propaladas por pessoas como Boris Johnson e Nigel Farage, o líder do Ukip, na televisão durante a campanha - eles ganharam o referendo proclamando que, com a saída da União Europe ia, o Reino Unido recuperaria sua soberania e sua liberdades, então submetidas aos burocratas de Bruxelas.
Inseparável do nacionalismo é o racismo, e ele se manifesta, sobretudo, na busca de bodes expiatórios para culpá-los por tudo que anda mal no país. Os imigrantes de etnias diferentes ou os muçulmanos são, neste momento, as vítimas propiciatórias do populismo no Ocidente. Por exemplo, esses mexicanos que o presidente Trump acusou de serem estupradores, ladrões e narcotraficantes, e os árabes e africanos que Geert Wilders na Holanda e Marine Le Pen na França, para não mencionar Viktor Orbán na Hungria e Beata Szydlo na Polônia, acusam de tirar trabalho dos nativos, de abusar da seguridade social, de degradar a educação pública etc.
Na América Latina, governos como os de Rafael Correa no Equador, do comandante Daniel Ortega na Nicarágua e de Evo Morales na Bolívia se vangloriam de ser anti-imperialistas e socialistas, mas são, na verdade, a encarnação exata do populismo. Os três tratam de aplicar as receitas comunistas de nacionalizações em massa, coletivismo e estatismo econômicos, pois, com melhor faro que o iletrado Nicolás Maduro, conhecem o desastre a que conduzem essas políticas. Eles apoiam de viva voz Cuba e Venezuela, mas não as imitam. Praticam antes o mercantilismo de Putin (isso é, o capitalismo corrupto dos compadres), estabelecendo alianças mafiosas com empresários servis, aos quais favorecem com privilégios e monopólios, sempre que forem submissos ao poder e pagarem as comissões adequadas. 
Todos eles consideram, como o ultraconservador Trump, que a imprensa livre é o pior inimigo do progresso e estabeleceram sistemas de controle, direto ou indireto, para subjugá-la. Nisso, Rafael Correa foi mais longe que ninguém: ele aprovou a lei de imprensa mais antidemocrática da história da América Latina. Trump ainda não o fez porque a liberdade de imprensa é um direito profundamente arraigado nos Estados Unidos e provocaria uma reação negativa enorme das instituições e do público. Mas não se pode descartar que, mais cedo ou mais tarde, ele tome medidas que - como na Nicarágua sandinista ou na Bolívia de Evo Morales - restrinjam e deturpem a liberdade de expressão.
O populismo tem uma tradição muito antiga, embora nunca tenha atingido a magnitude atual. Uma das principais dificuldades para combatê-lo é que ele apela aos instintos mais profundos nos seres humanos, o espírito tribal, a desconfiança e o medo do outro, aos que são de raça, língua ou religião distintas, a xenofobia, o chauvinismo, a ignorância. Isso se percebe de maneira dramática nos Estados Unidos de hoje. A divisão política no país nunca foi tão grande, e nunca foi tão clara a linha divisória: de um lado, toda a América culta, cosmopolita, educada, moderna; do outro, a mais primitiva, isolada, provinciana, que vê com desconfiança ou medo pânico a abertura de fronteiras, a revolução das comunicações, a globalização. O populismo frenético de Trump a convenceu de que é possível deter o tempo, retroceder àquele mundo supostamente feliz e previsível, sem riscos para os brancos e cristãos, que foram os Estados Unidos dos anos 50 e 60. O despertar dessa ilusão será traumático e, infelizmente, não só para o país de Washington e Lincoln, mas também para o restante do mundo.
É possível combater o populismo? Certamente que sim. Estão dando um exemplo disso os brasileiros com sua formidável mobilização contra a corrupção, os americanos que resistem às políticas dementes de Trump, os equatorianos que acabam de infligir uma derrota aos planos de Correa impondo um segundo turno eleitoral que poderá levar ao poder Guillermo Lasso, um genuíno democrata, e os bolivianos que derrotaram Evo Morales no referendo com o qual ele pretendia poder se reeleger por séculos e séculos. E o estão dando os venezuelanos que, apesar da selvageria da repressão desatada contra eles pela ditadura narcopopulista de Nicolás Maduro, continuam combatendo pela liberdade. No entanto, a derrota definitiva do populismo, como foi a do comunismo, será causada pela realidade, pelo fracasso traumático das políticas irresponsáveis que agravarão todos os problemas sociais e econômicos dos países incautos que se renderam ao seu feitiço. / TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK
É PRÊMIO NOBEL DE LITERATURA
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Dia do Pastor e do Rugby: 50% das leis aprovadas em São Paulo celebram aniversários ou mudam nome de rua



Dos 270 projetos aprovados na Assembleia Legislativa em 2016, somente 18% têm caráter coletivo ou inclusivo


O cidadão paulista provavelmente não sabe, mas em 2016 o calendário de eventos oficiais do Estado ganhou várias datas comemorativas - cuja elaboração e inclusão na agenda foram pagas com seu dinheiro de impostos. O primeiro domingo do mês de novembro, por exemplo, é o Dia do Pastor Quadrangular - uma denominação da igreja evangélica. Já o primeiro domingo de junho é o Dia do Pastor Assembleiano, que homenageia a Assembleia de Deus. De forma mais genérica, o segundo domingo de junho é apenas o Dia do Pastor. Em 3 de junho comemora-se o Dia da Igreja Pentecostal Deus é Amor, e para completar as efemérides do mês, o dia 25 daquele mês é o Dia do Policial Militar Evangélico. Estes são alguns dos projetos de lei propostos pela bancada evangélica e aprovados na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo no ano passado.


O deputado estadual Fernando Capez. ALESP

Um levantamento feito pelo EL PAÍS revela que das cerca de 270 leis aprovadas em 2016 na Assembleia, quase 50 (22%) legislavam sobre a criação de dias específicos no calendário para celebrar profissões e religiões. E também esportes e veículos: dia 6 de outubro é o Dia Estadual do Rugby, 3 de janeiro é o Dia Estadual do Fusca. Mas a produção legislativa dos deputados não para por aí. No ano passado, 76 leis aprovadas (28%) dizem respeito à mudança do nome de ruas, praças, viadutos e escolas. Completam o total de leis 87 projetos (32%) que tornam de utilidade pública algumas entidades de auxílio e cultura– parte delas ligadas a centros religiosos - como a Associação de Tropeirismo raiz de Porongaba. Outras 49 leis (18%)  podem ser consideradas de interesse coletivo ou inclusivo, como a lei que proíbe a cobrança de taxas extras em escolas para matricular crianças com down ou necessidades especiais.



Esta aparente baixa produtividade dos deputados para legislar assuntos que afetam diretamente a vida do paulista contrasta com a fatura que o Legislativo Estadual apresenta ao contribuinte. Ainda mais em um contexto de crise econômica no país, com vários Estados quebrados pedindo ajuda ao Governo Federal - São Paulo ainda respira sem aparelhos nesse quesito. No total, a Assembleia custa por ano mais de um bilhão de reais, entre gastos com pessoal e outras despesas correntes. Os 94 deputados estaduais recebem 25.322 reais cada. Mas eles dispõe também de uma verba de gabinete mensal que chega a 30.000. Gastos de gabinete mais encargos como auxílio hospedagem custaram aos cofres públicos 23,3 milhões de reais em 2016. As informações são do balanço oficial da Assembleia.
Não bastasse a tormenta econômica, o ano de 2016 na política paulista foi marcado pelo escândalo que ficou conhecido como a Máfia da Merenda. O esquema de corrupção, descoberto pela Polícia Civil no início daquele ano durante a Operação Alba Branca, envolvia a reedição de um triste clássico brasileiro, com pagamento de suborno a políticos, superfaturamento de contratos e prejuízo aos cofres públicos.
O lobista Marcel Júlio, lobista ligado à Cooperativa Orgânica Agrícola Familiar, uma das empresas envolvidas no caso, afirmou em sua delação premiada que o presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo, o tucano Fernando Capez, pediu dinheiro para agilizar contratos de venda de suco de laranja para as escolas estaduais. Júlio afirmou que um assessor do deputado estadual pediu o repasse de 2% do valor do contrato firmado com a Secretaria da Educação mais 450.000 reais para custear a campanha do tucano. Capez sempre negou qualquer envolvimento no esquema: “eu jamais participaria de superfaturamento, muito menos nesta área”. Ele deve deixar a presidência da Casa no dia 15 de março, e em seu lugar deve assumir o também tucano Cauê Macris.


Em fevereiro a operação que desvendou o esquema de corrupção da merenda completou um ano. Ninguém foi punido

O escândalo da merenda sacudiu os bastidores da política no Estado arrastando nomes do establishment político tucano, como o ex-secretário de Educação do Governo de Geraldo Alckmin, Herman Voorwald, e o ex-chefe de gabinete do secretário da Casa Civil Luiz Roberto dos Santos, conhecido como Moita, flagrado em grampos telefônicos.
Ao ver seu presidente envolvido no caso e cobrados nas ruas pelas ocupações de escolas organizadas pelos estudantes secundaristas que pediam a apuração dos fatos, os deputados decidiram agir. Instaurou-se na Assembleia uma Comissão Parlamentar de Inquérito para apurar o caso. O PSDB tem maioria na Casa, e dos nove deputados que integram a CPI oito são da base governista. Em dezembro a CPI aprovou um relatório isentando políticos de qualquer malfeito, mas apontando a responsabilidade de 20 pessoas, incluindo Jéter Rodrigues Pereira e José Merivaldo dos Santos, ex-assessores de Capez. Parlamentares da oposição se insurgiram contra o texto votado e tentaram emplacar um relatório alternativo, que recomendava ao Ministério Público a investigação de Capez. 
Em outra frente na Assembleia, o deputado estadual Davi Zaia (PPS), relator de uma representação contra o tucano no Conselho de Ética da Casa, considerou desnecessário ouvir Capez, de acordo com reportagem do portal UOL. Em fevereiro, a operação que desvendou o esquema de corrupção da merenda completou um ano. Ninguém foi punido.
O EL PAÍS em contato com a assessoria de imprensa e com o departamento de comunicação da Assembleia por email e telefone com questionamentos sobre a CPI da Máfia da Merenda, os elevados custos da Casa e a produtividade legislativa. Até o fechamento desta reportagem nenhuma pergunta havia sido respondida.