sábado, 10 de setembro de 2016

Procela agourenta - HÉLIO SCHWARTSMAN (IDEB)


FOLHA DE SP - 10/09

Os dados do Ideb referentes à educação se juntam aos indicadores econômicos e demográficos para formar uma tempestade perfeita. E é uma borrasca que traz maus presságios, pois os números sugerem que estamos desperdiçando nossas melhores chances de entrar para o clube dos países ricos.

A razão principal é que nosso bônus demográfico está se esgotando. Vivemos hoje no melhor dos mundos populacionais, que é aquele em que o contingente de pessoas em idade de trabalhar é maior que o de dependentes (crianças e idosos). É nessa fase que países reúnem as condições mais propícias ao crescimento e à elevação da renda "per capita". O quadro mais favorável vai mais ou menos até 2030. Depois disso, a proporção de idosos deverá ficar igual à de jovens e por fim superá-la, impondo custos crescentes aos sistemas previdenciário e de saúde.

A megarrecessão que vivemos, cortesia do governo Dilma, é desastrosa porque nos rouba anos preciosos. Estima-se que, se tudo correr bem, a renda "per capita" que tínhamos em 2013 voltará lá por 2021, já perto do fim da janela de bonança.

Como se isso fosse pouco, o Ideb agora mostra que o país não está conseguindo avançar na educação. Numa interpretação benigna, o Brasil estagnou —e num patamar muito ruim. Na principal comparação internacional, o Pisa, nossos alunos ocupam as últimas posições.

Isso significa que também vão ficando menores nossas chances de nos tornarmos um país próspero pela via do aumento da produtividade, que, cada vez mais, depende de um amplo contingente de cidadãos educados o bastante para ter ideias inovadoras e para extrair o máximo das mudanças tecnológicas que vêm do exterior.

Sem bônus demográfico e sem educação de qualidade, ficamos na dependência do imponderável para nos tornarmos um país desenvolvido. E o problema do imponderável é que, bem..., ele é imponderável.

A bolsa e a vida real - MÍRIAM LEITÃO


O Globo - 10/09

A bolsa ontem despencou 3,7% em um movimento de realização. De fato, a alta acumulada nos últimos meses impressiona. Foi de 59% desde o pior momento do ano, em janeiro, e chegou na semana a romper os 60 mil pontos. A valorização reflete a aposta dos investidores de que o pior período da recessão ficou para trás. Mas existem problemas reais na economia, como desemprego, inflação e incerteza sobre os juros.

Aforte queda do índice Ibovespa foi também provocada pelo risco de alta nos juros nos Estados Unidos. Mas, para se ter uma ideia da dimensão da alta, as ações PN da Petrobras triplicaram de valor, saindo da casa de R$ 4,2, em janeiro, para R$ 13,5, agora.

Ao mesmo tempo, a inflação continua preocupando. O IBGE divulgou o IPCA de agosto e, embora a taxa tenha caído em relação a julho, ela foi a maior para o mês desde 2007. Com isso, o índice acelerou no acumulado de 12 meses para 8,97%. Com a inflação de alimentos, a taxa de 0,3% foi a menor desde setembro, indicando que o choque de preços pode estar perto do fim. Mas, em um ano, os alimentos subiram 13,93%. Esses números ainda altos colocam incertezas sobre o início e a intensidade dos cortes de juros pelo Banco Central. Na terça-feira, ao divulgar a Ata do Copom, o BC condicionou a redução da Selic à aprovação do ajuste e ao fim do choque dos alimentos.

Esses dados contrastam com a recente melhora dos indicadores de confiança, mas é sempre assim em períodos de inflexão na economia. O diretor-superintendente do Grupo Astra, que produz material de construção, Manoel Flores, conta que já houve um forte aumento nas expectativas após a saída da presidente Dilma. Ele lembra que o primeiro semestre foi de cortes de empregos e elevação na ociosidade da fábrica. Nas conversas com revendedores, hoje, já há relatos mais animadores:

— Conversei com 40 representantes comerciais do setor e me disseram que o movimento está voltando às lojas. Os consumidores voltaram a entrar, a fazer contas e a perguntar principalmente sobre as condições de financiamento.

Ele acredita que serão necessários mais sinais para que a recuperação seja mais consistente. Calcula que, nesse ritmo, levará dois anos para voltar ao nível de emprego anterior à crise:

— Agora não prevemos mais demissões. Se o PIB do ano que vem crescer 2%, nosso setor consegue crescer 6%.

O economista da Acrefi Nicolas Tingas avalia que a economia irá crescer pelo menos 1% no que vem, porque o ciclo de queda foi muito forte e está perto do fim. No cenário em que o governo Temer consegue aprovar pelo menos duas medidas do ajuste fiscal, como o teto de gastos e a reforma da Previdência, a projeção sobe para 2% em 2017 e 3,5% em 2018.

— Existe uma parcela da sociedade que continua consumindo, porque tem mais condições, e haverá um forte ingresso de investimento estrangeiro. Isso vai se somar à recuperação que acontece depois de um longo período de queda. O desafio é ter esses dois impulsos ao mesmo tempo — disse.

Ele explica que, apesar da forte recessão, os empresários reajustam preços porque tiveram aumento de custos, como por exemplo, com tarifas de energia elétrica e gasolina. Por isso, a inflação está resistente.

O sócio e diretor da iDream, pequena empresa de venda de acessórios e reparos para telefonia celular, Leandro Tomasi, diz que o faturamento no mês de julho foi melhor do que o de junho, em cerca de 15%, e no mês de agosto foi melhor do que julho em 18%. Se, por um lado, o aumento do dólar e a inflação reduziram as vendas de aparelhos e acessórios, por outro, cresceu a procura por assistência técnica:

— Acho que este ano vamos aumentar o faturamento entre 10% e 18%, e no ano que vem entre 18% e 22%.

Ele diz que cortou 20% da folha de pagamento e conseguiu reduzir o valor gasto com aluguéis. A saída para driblar o encarecimento do crédito foi a aposta na abertura de franquias. O problema é que crescer, para ele, pode ser um risco:

— A gente, que está no Simples, já está tendo dificuldade enorme porque o teto da tributação não é corrigido há vários anos, que é de R$ 3,6 milhões. Não estão corrigindo nem a inflação. Trocar de faixa inviabiliza o negócio porque o custo aumenta entre 40% e 50%.

Essas são as dificuldades do momento atual. Fazer um ajuste fiscal sem penalizar a recuperação, e cortar os juros sem comprometer a queda da inflação.

A proibição do Waze e o direito à comunicação - ERICSON M. SCORSIM


GAZETA DO POVO - PR - 10/09

O poder público pode reprimir as condutas ilícitas dos motoristas, mas isso não autoriza a supressão do direito fundamental à comunicação de todos os cidadãos brasileiros


O Projeto de Lei 5.596, de 2013, aprovado na Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara dos Deputados, dispõe sobre a proibição do uso de aplicativos, redes sociais e quaisquer outros recursos na internet para alertar motoristas sobre a ocorrência e localização de blitz de trânsito. O projeto de lei será ainda analisado por outras comissões legislativas da Câmara dos Deputados.

Segundo o projeto de lei, o provedor de aplicações de internet tem a obrigação de tornar indisponível o conteúdo associado ao aplicativo ou à rede social. Como sanção pelo descumprimento da regra, o projeto de lei prevê que o infrator terá de pagar multa de até R$ 50 mil, multa também aplicável à pessoa que fornecer informações sobre a ocorrência e localização de blitz para aplicativos, redes sociais ou quaisquer outros recursos na internet.

Em outras palavras, se aprovado este projeto de lei, fica proibida a utilização de aplicativos como o Waze, bem como a criação de páginas nas redes sociais destinadas a alertar os motoristas sobre a ocorrência e localização de blitz de trânsito.

Ora, este projeto de lei é contrário às diretrizes do Marco Civil da Internet, que estabelecem a plena liberdade de expressão, informação e comunicação, no âmbito da cidadania. O projeto de lei atinge em cheio o núcleo essencial do direito fundamental dos cidadãos quanto à utilização de aplicativos de internet. O Marco Civil da Internet ainda garante a plena liberdade dos modelos de negócios na internet e, consequentemente, a liberdade da empresa provedora de aplicações de internet. De fato, a empresa de tecnologia responsável pelo provimento do aplicativo com informações relacionadas ao trânsito não pode ser responsabilizada em lei pela conduta de seus respectivos usuários.

Além disso, há desproporcionalidade entre a medida legislativa e a finalidade por ela buscada (segurança no trânsito), daí a sua potencial inconstitucionalidade. Em vez de se adotar uma medida legislativa, extrema (a proibição do uso de aplicativos e redes sociais para fins de alerta de motoristas sobre ocorrência de blitz de trânsito), o Legislativo poderia adotar medidas de fomento à realização de campanhas educativas relacionadas ao trânsito, especialmente sobre o comportamento dos motoristas.

Sem dúvida alguma, o poder público tem a obrigação de fiscalizar a aplicação das regras do Código Nacional de Trânsito, inclusive com a repressão das condutas ilícitas dos motoristas, mas isso não autoriza a adoção de medida legislativa excessiva, com a supressão do direito fundamental à comunicação de todos os cidadãos brasileiros.

O direito à comunicação por aplicativos é protegido pela Constituição Federal, daí o controle rigoroso quanto ao exame da constitucionalidade de medidas restritivas a direitos fundamentais, tal como o direito à comunicação digital. Tema relevante, que envolve o direito e as novas tecnologias, com alto impacto sobre os cidadãos brasileiros, razão pela qual o referido projeto de lei merece análise bastante cuidadosa.


Ericson M. Scorsim, mestre e doutor em Direito, é advogado especializado em Direito das Comunicações e autor do e-book Direito das Comunicações.