sexta-feira, 20 de março de 2015

Extermínio da juventude negra: Letalidade policial e violação à vida

Extermínio da juventude negra: Letalidade policial e violação à vida no sistema socioeducativo são denunciados à Organização dos Estados Americanos (OEA) nesta sexta feira (20)

- Justiça Global pede que Estado brasileiro aprove o PL 4471 que põe fim nos autos de resistência.
O Brasil mata 30 mil jovens por ano, destes quase 80% eram negros, segundo dados do Mapa da Violência 2014. O extermínio da juventude negra será denunciado nesta sexta-feira, dia 20, às 10h, em audiência sobre na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA), em Washington.O racismo institucional desenhado a partir de medidas de criminalização da juventude negra através da privação de liberdade; da expansão de políticas de militarização em áreas empobrecidas das cidades, como as UPP’s , a ocupação do exército no conjunto de favelas da Maré e da Força Nacional no Morro do Santo Amaro, no Rio de Janeiro; e da manutenção de instrumentos jurídicos como o auto de resistência agravam o cenário. Segundo o Índice de Vulnerabilidade Juvenil à Violência e Desigualdade (IVJ) 2014 as chances de um rapaz negro entre 12 e 29 anos ser assassinado no Brasil é 2,5 vezes maior em relação aos brancos. Entre 2002 e 2012, por exemplo, o número de homicídios de jovens brancos caiu 32,3% , enquanto o dos jovens negros aumentou 32,4%.
Criminalização, violações e mortes no sistema socioeducativo
O sistema socioeducativo brasileiro possui 15.414 vagas para 18.378 internos. A maioria desses jovens são negros e pobres, e tem como motivo de sua internação crimes de caráter não violento, como roubo. Em 16 Estados, as unidades de internação estão superlotadas. No Maranhão, por exemplo, existem 73 vagas e são 335 internos. A situação destes locais são marcadas pela superlotação, tortura, ausência de acesso a saúde, educação e assistência jurídica.
Segundo a pesquisa “Pelo Direito de Viver com Dignidade – Homicídios de adolescentes em cumprimento de Medida Socioeducativa de Internação”, da ANCED, em 11 Estados brasileiros, identificou 73 mortes apenas entre os anos de 2006 e 2010. Outro estudo que evidencia violações aos adolescentes no sistema socioeducativo foi realizada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que indica que em 34 locais pesquisados pelo menos um adolescente foi abusado sexualmente nos últimos 12 meses, e em 19 estabelecimentos há registros de mortes de adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas.
Auto de resistência: a permissão para matar
Segundo relatório da organização Human Rights Watch (HRW), só em São Paulo, o número de mortes tipificadas como “Auto de Resistência” passou de 369, em 2013, para 728, em 2014. Um aumento de quase 100%. A letalidade da PM paulista é alta, e dados apontam que as maiores vítimas da violência policial são os jovens. No Estado de São Paulo, 78% das pessoas mortas pela polícia entre 2009 e 2011 tinham entre 15 e 29 anos.
Para Natália Damázio, advogada da Justiça Global, “grande parte dos casos de auto de resistência têm marcas de execução, com tiros na nuca, cabeça ou costas a curta distancia, grande parte dos casos termina sendo arquivado, por isso é emergente que se aprove o projeto de lei 4471, que extingue o auto de resistência e cria regras para a apuração de mortes e lesões corporais decorrentes da ação de agentes do Estado”.
São peticionárias da audiência a Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente – ANCED, Quilombo Xis Ação Cultural Comunitária/ Campanha Reaja ou será morta, Reaja ou será morto e Justiça Global.
Assista a audiência "Denúncia de assassinatos de jovens afrodescendentes no Brasil", às 10h, através dos links http://www.livestream.com/OASLive2
http://www.oas.org/es/cidh/

Assessoria de imprensa: Glaucia Marinho - Justiça Global -  21 2544-2320 / 21 9 7688-2099 

quinta-feira, 19 de março de 2015

TÉCNICAS APROVEITAM RESÍDUOS DO TRATAMENTO DE ESGOTOS


Data: 12/03/2015
Fonte: Agência USP

P
esquisa da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) da USP demonstra o potencial de reúso e de aproveitamento de resíduos gerados nas estações de tratamento de esgoto (ETEs) como fonte de energia. Durante o trabalho foram avaliados os aproveitamentos de três diferentes tipos de resíduos removidos no tratamento preliminar dos esgotos: óleos e graxas, rejeitos removidos no gradeamento e areia. Além da geração de energia pela queima de rejeitos orgânicos e produção de biogás, resíduos de areia podem ser usados na construção civil. Os resultados do trabalho são apresentados na tese de doutorado de Nayara Batista Borges do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Hidráulica e Saneamento do Departamento de Hidráulica e Saneamento (SHS) da EESC.

Atualmente, a disposição final dos detritos é feita em aterros sanitários, o que gera um alto custo que atinge até 50% do gasto operacional de uma ETE. Como referência para a pesquisa, foi escolhida a ETE Monjolinho em São Carlos (interior de São Paulo), que tem capacidade de atender 258 mil habitantes e possui sistema preliminar destinado à remoção de rejeitos pelas etapas de gradeamento (fino e grosseiro) e desarenador —equipamento que tem a função de realizar a separação física, por diferença de gravidade, e ao mesmo tempo decantar os sólidos de maior tamanho.

Os detritos removidos nas unidades de gradeamento grosseiro e fino foram separados e agrupados de acordo com a tipologia de matéria orgânica sujeita à decomposição — como restos de alimentos, animais, fios de cabelo, galhos e folhas — além de plásticos, papéis, tecidos, pedras e outros. Posteriormente, avaliou-se o potencial energético desses resíduos mediante realização da análise do poder calorífico, que é a quantidade de energia por unidade de massa (ou de volume, no caso dos gases) liberada na oxidação de um determinado combustível.

No total, após o processo de secagem em uma estufa do tipo agrícola, a queima dos rejeitos captados nas duas unidades de gradeamento geraram 1.094 KWh de energia, o que corresponde à economia de R$ 437,70, e considerando os R$ 18,70 de despesa com o transporte e disposição das cinzas, obteve-se o lucro de R$ 419,00.

Geração de energia
Ressalta-se que esses custos referem-se apenas aos gastos operacionais, pois não foi realizada a análise envolvendo os cálculos de implantação e manutenção do incinerador. A pesquisadora destacou que a geração de energia utilizando os restos removidos nos gradeamentos de apenas uma estação de tratamento de esgoto não seria rentável, tendo em vista sua baixa produção e o elevado custo de implantação de equipamentos para esse fim. Uma possível solução para viabilizar a queima dos detritos seria enviá-los às centrais de geração de energia de resíduos sólidos urbanos.

Verificou-se também o elevado potencial de aproveitamento da sobra de areia, removida dos desarenadores, como agregado miúdo na incorporação de argamassas para revestimento e preparação de concreto não estrutural, desde que seja submetida ao procedimento de limpeza e secagem. “Ao aproveitar a areia removida, além de diminuir danos ambientais por sua disposição inadequada, pode-se reduzir impactos decorrentes da extração desse material em rios a ser destinado para a construção civil”, explicou Nayara.

Nessas condições, comprovou-se a viabilidade técnica e econômica de utilização da areia residual, pois ela apresentou menores custos: um total de R$ 3.530,43 em comparação à disposição em aterro sanitário, que gera o custo de R$ 4 mil. “Essa diferença pode ser ainda mais significativa para ETEs de grande porte. Portanto, sob o ponto de vista econômico, é mais vantajoso aproveitar a areia do que dispô-la em aterros sanitários”, afirmou.

Nayara ainda obteve resultados a partir da gordura removida dos desarenadores. O trabalho demonstrou que a degradação do material reduz cargas orgânicas, além de gerar biogás durante o processo anaeróbio (na ausência de oxigênio), que pode ser consumido na própria estação. Avaliou-se também a potencialidade de produzir biocombustível, porém os resultados dessa avaliação demonstraram que há dificuldades técnicas e baixa potencialidade de retorno econômico.

Por fim, cabe ressaltar que a pesquisa resultou em um dos objetivos previstos da Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305/2010), que visa incentivar o desenvolvimento de sistemas de gestão ambiental e empresarial voltados para a melhoria dos processos produtivos e ao reaproveitamento dos resíduos sólidos, incluindo a recuperação e o aproveitamento energético. Além disso, atendeu o artigo 9 da referida lei, que estabelece que todos os resíduos sejam reaproveitados e tratados, e somente os rejeitos desses processos sejam dispostos em aterros sanitários. A pesquisa foi orientada pelo professor José Roberto Campos, da EESC, e teve a colaboração do professor Javier Mazariegos Pablos e dos técnicos do Laboratório de Construção Civil do Instituto de Arquitetura e Urbanismo (IAU) da USP, em São Carlos. 

Nota em resposta à ação do MPE contra as ciclovias em São Paulo


Obras da ciclovia da Av. Paulista, em 5 de março de 2015. Foto: Tatiana Lowenthal
Obras da ciclovia da Av. Paulista, em 5 de março de 2015. Foto: Tatiana Lowenthal
Nesta quarta-feira, 18 de março, o Ministério Público Estadual (MPE) entrou com uma ação civil pública com pedido de liminar, exigindo a paralisação imediata de todas as obras cicloviárias em andamento na cidade, com multa diária de R$ 100 mil em caso de descumprimento. A ação também pede que a prefeitura “recomponha a pavimentação” nas obras que ainda não estejam terminadas, como no caso da Av. Paulista, também com multa diária no mesmo valor e prazo de 30 dias para realização.
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O questionamento da ação não se limita apenas ao método de implantação das estruturas, mas abrange a política pública em si, colocando em xeque a promoção do uso de bicicletas em uma cidade como São Paulo, e contrariando diretrizes do Plano Diretor Estratégico (Lei nº 16.050/14) e da Política Nacional de Mobilidade Urbana (Lei nº 12.587/12).
A ação só terá efeito se avalizada pela justiça. Ela foi distribuída para o Juiz Luiz Fernando Rodrigues Guerra, da 5ª Vara da Fazenda Pública, que a avaliará e emitirá parecer sobre o caso. Para quem quiser acompanhar, o número do processo é 1009441-04.2015.8.26.0053.
Vale lembrar que liminar de teor semelhante já foi suspensa pelo presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), desembargador José Renato Nalini, no caso da ciclovia da Madre Cabrini, por entender que se evidenciava “risco de dano à ordem, à segurança e economia públicas”.Saiba mais.

Nota

Ciclocidade (Associação dos Ciclistas Urbanos de São Paulo), junto com Instituto CicloBRITDP (Institute for Transportation & Development Policy), União de Ciclistas do Brasil (UCB) e o próprio Vá de Bike, e diversas outras organizações e entidades relacionadas no final da nota, vêm a público manifestar sua indignação frente à ação proposta pelo MPE, que representa um retrocesso. Queremos melhorar a política cicloviária paulistana e transformá-la em uma política de Estado, entendemos que há erros pontuais na implantação, mas o programa é uma exigência legal amparada por legislações federais, estadual e municipais e não aceitaremos nenhum passo no sentido contrário ao de uma cidade mais ciclável, humana, segura, inclusiva e justa.
Veja abaixo a nota divulgada nesta quinta-feira 19, por associações e entidades de ciclistas, como resposta à ação do MPE contra as ciclovias. A ação do MPE pode ser consultada neste endereço.

Resposta ao pedido de liminar, feito pelo Ministério Público Estadual, para a paralisação das obras de ciclovias

A Ciclocidade – Associação dos Ciclistas Urbanos de São Paulo vem, juntamente com as organizações abaixo citadas, manifestar sua indignação frente ao pedido de paralisação das obras de implantação do sistema cicloviário da cidade de São Paulo, ação engendrada pelo Ministério Público Estadual (MPE) – 3º Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo – por meio da promotora Camila Mansour Magalhães da Silveira.
A ação civil pública proposta, com pedido de liminar, questiona não apenas o método de implantação de tais estruturas, mas a importância da política pública em si, colocando em xeque a promoção o uso da bicicleta em uma cidade como São Paulo.
Sem querer esgotar o assunto, cabe recordar aqui os benefícios de se promover o uso da bicicleta para se preservar vidas, pois a bicicleta é frágil frente ao tamanho e velocidade dos demais veículos nas ruas e almeja-se uma cidade onde idosos e crianças possam ocupar as ruas sem medo; para a saúde pública, promovendo qualidade de vida e reduzindo internações, gastos com medicação de uso continuo, prevenindo doenças cardiovasculares, pressão alta e ajudando a controlar o diabetes, além de reduzir o sedentarismo e a obesidade, melhorar a saúde do idoso e aumentar a expectativa de vida; para a mobilidade urbana, promovendo a migração dos modos motorizados para a bicicleta e melhorando a fluidez e o impacto do tráfego; para asegurança pública, promovendo uma nova relação com a cidade, ocupando e humanizando os espaços públicos; para aeconomia e sustentabilidade, gerando renda, economia no orçamento familiar e reduzindo os desperdícios públicos e privados com os congestionamentos e a evidente falência do sistema de transportes baseado no automóvel; para aredução da poluição atmosférica e sonora advindas do uso excessivo de carros, lembrando que de acordo com pesquisa do Instituto Saúde e Sustentabilidade, nos próximos 16 anos a poluição atmosférica matará 256 mil pessoas no Estado (quase 44 pessoas por dia) e a concentração de partículas poluentes no ar levará a internação de 1 milhão de pessoas e a um gasto público estimado em mais de R$ 1,5 bilhão, com pelo menos 25% das mortes (59 mil) ocorrendo na capital; para o comércio, pois ciclistas são clientes potenciais que passam em baixa velocidade e não exigem grandes áreas de estacionamento, podendo facilmente parar em frente a uma vitrine, entrar numa loja, conhecer um serviço; para atender à demanda existente pelo uso da bicicleta, uma vez que a Pesquisa de Mobilidade da Região Metropolitana, realizada pelo Metrô em 2012, registrou 333 mil viagens diárias em bicicleta durante os dias úteis, mesmo com a infraestrutura ainda reduzida, deficiente e desconectada; para aredução do stress causado aos cidadãos pelos congestionamentos, trazendo ganhos para a qualidade de vida e saúde individuais, melhorando os relacionamentos interpessoais e humanizando o trânsito e a cidade; para a retomada do uso das ruas pelas crianças, sendo uma opção de lazer que resgata uma faceta da infância há muito esquecida nas regiões mais urbanizadas da cidade, e considerando que já temos crianças utilizando as ciclovias junto a seus pais, com o potencial de em dado momento passarem a pedalar sozinhas até suas escolas; para a economia de tempo dos cidadãos, sobretudo nos horários de pico, quando a velocidade média dos automóveis chega a meros 6,9 km/h em alguns casos; para uma democratização do acesso à cidade, permitindo que todos os cidadãos tenham acesso a todos os pontos da cidade, já que as falhas do transporte público e priorização histórica do deslocamento em automóvel acabam dificultando o acesso a determinadas áreas e bairros a quem não se utiliza de um carro; para o estímulo à troca de modal, reduzindo os congestionamentos pelo uso excessivo do automóvel e a lotação dos transportes públicos.
Para quem anda de bicicleta em São Paulo, 2014 pode ser considerado um ano histórico. A cidade saltou de 63 km para mais de 200 km de infraestrutura cicloviária, em cerca de 7 meses. O plano para 2015 é chegar a 463 km de vias exclusivas e segregadas. O Plano Diretor Estratégico, cuja revisão se iniciou em 2013 e foi sancionado em Julho de 2014, teve a participação direta e ampla de ciclistas e da população como um todo na construção dos capítulos relativos à bicicleta e na priorização dos modos ativos de transporte, em detrimento dos motorizados individuais, seguindo diretrizes do Plano Nacional de Mobilidade Urbana (ver Artigo 6º). Este atual cenário de avanços já rende resultados importantes e não pode ser colocado em xeque mediante uma liminar unilateral e profundamente questionável.
Os resultados de tais políticas podem ser observados no aumento do uso da bicicleta na cidade, especialmente no centro expandido, a área mais privilegiada pela implantação de ciclovias e ciclofaixas até o momento, onde a infraestrutura cicloviária atende também a demanda das bicicletas de carga, melhorando o compartilhamento entre bicicletas cargueiras e pedestres. Outro aspecto interessante observado no centro com a implantação das estruturas cicloviárias é a demanda por calçadas, que continuam exíguas e insuficientes. Como exemplo prático desse aumento no uso de bicicletas, podemos citar as contagens de ciclistas feitas pela Ciclocidade na Avenida Eliseu de Almeida. Ali, houve um aumento de mais de 50% no uso da bicicleta, poucos meses após a implantação de uma ciclovia.
A ação no Ministério Público cita a todo instante a segurança de quem anda de bicicleta como premissa para sua ação, esquecendo-se que é justamente a infraestrutura cicloviária que garante a ciclistas segurança, conforto e praticidade em seus deslocamentos. A medida também questiona a necessidade de aferir a frequência de ciclistas como justificativa para a implantação de uma ciclovia ou ciclofaixa. Tal ponto não leva em consideração a função que essa infraestrutura cumpre, que é essencialmente a de induzir a demanda. Isso em uma cidade que necessita, há muito tempo, aumentar significativamente o uso de modais alternativos menos poluentes que o carro em suas ruas. A cidade de Bogotá (Colombia), antes da implantação da sua rede cicloviária de 350km, amargava um percentual de viagens feitas de bicicleta que não superava 1%. Hoje em dia a cidade já conta com 7% das viagens realizadas em bicicletas; comprovando, outrossim, que infraestrutura cicloviária induz demanda e promove a migração de outros modais para a bicicleta. Como exemplo local, podemos citar a Av. Faria Lima, onde quase inexistiam bicicletas circulando devido à agressividade do viário e hoje as contagens realizadas pela Ciclocidade nesta via apontam para mais de 1700 ciclistas no horário contabilizado, chegando a um fluxo de 193 bicicletas por hora no pico.
O relatório fotográfico e detalhado na ação do MPE apresenta problemas e casos pontuais na implantação das ciclovias e ciclofaixas e que certamente deveriam ser solucionados e que também são alvos de contínua cobrança por parte dos ciclistas. São buracos, poças d’água, falhas na pintura, bocas de lobo, grelhas, entre outros casos. No entanto, tais falhas não deveriam comprometer a política pública em si, como sugere a ação do MPE, uma vez que as soluções são de baixa complexidade e custo. Seguindo a lógica argumentativa da promotoria, certamente teríamos de proibir a circulação de veículos motorizados em praticamente toda a cidade, em decorrência da qualidade do asfalto, da proliferação de buracos nas vias e dos problemas recorrentes com semáforos.
O MPE afirma: “Ainda hoje, o veículo [automóvel] é o modal de transporte que transporta o maior número de pessoas neste Município”, o que é um equívoco grave. A maior parcela da população de São Paulo desloca-se a pé ou por meio do transporte público, segundo a pesquisa de Origem e Destino do Metrô, de 2007. Uma pesquisa mais recente, da Rede Nossa São Paulo/IBOPE, aponta que, para quem faz uso diário dos meios de transporte, o carro é a opção de apenas 20% das pessoas, enquanto transportes públicos, somados, equivalem a 34% – mesma porcentagem de quem anda a pé. Apesar de não ser o veículo mais utilizado, é fato que o automóvel é aquele que mais ocupa espaço nas vias, sendo o maior responsável pelo congestionamento na cidade, assim como pela poluição, ruído e estresse da população, constituindo imensos prejuízos diários ao munícipio. É bom lembrar inclusive, que as obras de implementação viária da cidade nunca foram debatidas publicamente, mas impostas pelos diversos governos.
Ao questionar o interesse público em se investir nas estruturas cicloviárias, a promotora mostra desconhecimento da realidade da cidade. A mesma pesquisa já citada da Rede Nossa São Paulo/IBOPE mostra que 88% das pessoas são favoráveis à construção e ampliação das ciclovias. Ela diz ainda que 71%  dos entrevistados trocariam o carro por uma alternativa eficiente e segura; destes, 40% citaram a bicicleta, desde que houvesse infraestrutura adequada. As ciclovias e ciclofaixas estão sendo implementadas onde antes havia automóveis estacionados, ou seja, imóveis, devolvendo para a circulação pública e garantindo fluidez ao tráfego de veiculos a um espaço viário que estava ocioso e “privatizado”, sem qualquer beneficio coletivo. A que interesse público coletivo a promotora se refere, portanto?
O MPE fala em participação pública. Os moradores da cidade de São Paulo foram ouvidos nas discussões do Plano Diretor Estratégico e nas discussões do Conselho Municipal de Trânsito e Transportes a respeito do planejamento cicloviário da cidade. Uma Câmara Temática de Bicicleta está em funcionamento na cidade de São Paulo justamente para acompanhar a implantação do sistema cicloviário. O Ministério Público nesta ação, ao contrário do Poder Executivo, em nenhum momento procurou ouvir quaisquer das organizações aqui assinadas. Nem tampouco as obras viárias tiveram participação pública, e foram no entanto realizadas sem questionamento do MPE.
Ao sugerir desfazer a ciclovia da Avenida Paulista, uma obra discutida desde seu projeto e já em adiantado estágio de implantação, o MPE ensaia danos àquilo que ele próprio defende: o bom uso do dinheiro público e o interesse e bem-estar coletivos. A ciclovia da Paulista foi apresentada e debatida em audiências públicas, em reuniões com a sociedade civil e com organizações interessadas. Além disso, sempre foi bem recebida por quem usa bicicleta. Isso porque a via não é apenas uma das mais utilizadas por ciclistas na cidade; ela é uma infraestrutura cicloviária simbólica, em uma avenida historicamente marcada por tragédias. Sem a ciclovia, a Paulista é a via mais perigosa da cidade para quem anda de bicicleta, o que ressalta, mais uma vez, a importância da estrutura em salvar vidas.
A promotora pede ainda que se “restabeleça a funcionalidade do local”, na Avenida Paulista, para a “segurança dos munícipes”. Ou seja: o ciclista, do ponto de vista da ação, não é munícipe (ou não deve ser tratado como tal). Quando o Ministério Público questiona “para onde irão os ciclistas em dias de chuva” (sic) afirmando que “o transporte público não dará conta”, lança um enigma penoso e vazio em si mesmo: o que sugere o MPE? Que ciclistas que não quiserem pedalar na chuva deixem de existir em tais dias? Ou que utilizem carros, congestionando ainda mais o já caótico trânsito individual motorizado?
Possivelmente a promotora e sua equipe não tenham se dado conta do fato que entre as cidades com maior utilização de bicicleta no mundo estejam diversas cidades de clima instável e temperado, que oferecem condições climáticas muito mais exasperantes do que São Paulo. Podemos citar as cidades de Portland, Nova Iorque, Copenhagen, Amsterdamn e Oslo. Portanto, é absolutamente equivocado dizer que as chuvas trariam uma redução do uso deste modal, que viesse a justificar a não implantação de estrutura cicloviária; além do fato da nossa cidade possuir uma chuva previsível, concentrada em alguns meses e longos períodos de estiagem. Além, claro, de existir capa de chuva, o que ocorre também com os motociclistas.
A Ciclocidade e as organizações abaixo assinadas solicitam que o Poder Judiciário rejeite o pedido de liminar, assim como o Tribunal de Justiça o fez no absurdo caso recente da ciclovia da Rua Madre Cabrini, na Vila Mariana, onde houve o entendimento de “risco de dano á ordem, à segurança e economia públicas”.
Urge transformarmos a política cicloviária paulistana em uma política de Estado, para muito além de uma gestão ou um mandato, e não aceitaremos nenhum passo no sentido contrário ao de uma cidade mais ciclável, mais humana, mais segura, inclusiva e mais justa. O Ministério Público Estadual representou hoje, surpreendentemente, um retrocesso. Retrocesso este que deve ser aparado pelo próximo a examinar a questão – o Poder Judiciário.

Assinam:
Ciclocidade – Associação dos Ciclistas Urbanos de São Paulo
Instituto CicloBR de Fomento a Mobilidade Sustentável
ITDP Brasil
UCB – União de Ciclistas do Brasil
Rede Bicicleta para Todos
Instituto Aromeiazero
CicloZN
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