quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Vigília para o ano novo - CONTARDO CALLIGARIS


FOLHA DE SP - 02/01

A maioria dos turistas são apenas compradores; eles só tem uma experiência: a de comprar


O edifício principal da biblioteca pública de Nova York está na Quinta Avenida, entre as ruas 40 e 42.

É uma construção imponente, no estilo Beaux-Arts, como a Grand Central Station, e a sala de leitura é majestosa, como o átrio de Grand Central: o Beaux-Arts gosta de espaços enormes, altos e sem colunas de sustentação.

Não é um estilo pelo qual eu tenha uma paixão. Sempre achei um pouco pomposo, como tudo o que foi concebido e feito na época de Napoleão 3º e, logo depois, na Terceira República da França --a começar pela Ópera de Paris, que sempre me pareceu imitar um bolo de noiva.

Enfim, o fato é que os turistas, onipresentes em Nova York nestes dias, sobem a escada externa, tiram uma foto de lembrança com aqueles dois leões de mármore, que aparecem em tantos filmes, e penetram no edifício. Eles param para outra foto no átrio (onde se ergue uma grande árvore de Natal) e continuam pela escada interna; quando chegam ao segundo andar, atravessam a sala dos computadores públicos e encontram o espaço que lhes é reservado na entrada da sala de consulta ao catálogo.

Quanto ao acesso à sala de leitura, ele é protegido: os turistas ficam na porta, olhando, e um cartaz avisa que é bom manter o silêncio.

Estou em Nova York para ler algumas (ao menos) fontes primárias (do século 15, 16 e 17) sobre possessão diabólica --isso porque Carlo Antonini, protagonista de minhas ficções, encontrará um exorcista e um endemoninhado num futuro próximo. Restabeleci minha carta de leitor (que não usava há tempos) e minha autorização de acesso à divisão dos livros raros, a sala 328, que é um lugar fechado (é preciso bater à porta), pouco frequentado (sobretudo durante as férias) e com regras estritas: por exemplo, não se entra com sobretudo, pasta ou caneta (a sala fornece papel e lápis).

Estou lendo o relato do exorcismo de Nicole Obry (publicado pouco tempo depois dos fatos, em 1578), o "Flagellum Daemonum" (o flagelo dos demônios), de Gerônimo Menghe, que é um manual de exorcismo bem conhecido na época (1599), e "A Candle in the Dark" (uma vela no escuro), de Thomas Ady, que é um compendio das opiniões (já numerosas na época --1659) dos que acreditavam que não havia possessos, mas apenas enfermos.

Voltarei a escrever sobre exorcistas e endemoninhados. Hoje, o que me importa é a estranha experiência de ler na divisão dos livros raros da biblioteca pública de Nova York, neste fim de 2013.

A sala 328 se situa no fim da grande sala de leitura, longe dos turistas, mas, inevitavelmente, eu os cruzo quando chego e quando volto à sala do catálogo.

Turista sempre foi um termo pejorativo. Chamava-se assim quem viajava por diversão e, inevitavelmente, conseguia uma experiência superficial e chocha do lugar visitado. Hoje, aqui em Nova York, isso parece ser o de menos. A maioria dos turistas são apenas "shoppers", compradores; eles só tem uma experiência: a de comprar. Os que visitam a biblioteca pública entre uma loja e outra devem ser a nata da categoria; mesmo assim, adultos e crianças, quase escondidos atrás das sacolas que carregam, eles olham para mim como se eu habitasse uma outra dimensão. Talvez, eles encarem a biblioteca como um aquário, onde é possível observar uma espécie em via de extinção.

Não resisto à tentação de comparar os "shoppers" aos autores que estou lendo, para quem o mundo era um lugar complexo e interessantíssimo, em que cada opção comportava um risco radical, para a alma e para o corpo.

Sinto tristeza --pelo mundo transformado em bazar, pela miséria da experiência do "shopper" (para quem nem os objetos adquiridos tem relevância, só a estupidez do comprar) e por uma perda que afetará gerações, compradores produzindo compradores.

Entre 1 e 2 de janeiro, começarei o ano na vigília de poesia que acontece a cada ano, na igreja de Saint Mark. Pessoas ficarão na fila noite adentro, com uma temperatura prevista de 15 negativos, para conseguir um assento e passar a noite escutando 140 poetas.

No passado, na hora das catástrofes que ameaçavam a sobrevivência de uma comunidade (peste, invasões, fome), as pessoas se instalavam nas igrejas, em vigília, e pediam a ajuda de Deus contra a barbárie que estava às portas. A noite de poesia de St Mark é meu equivalente laico daquelas vigílias.

Gato recebe por sete meses benefício do Bolsa Família


24 de janeiro de 2009 | 9h 03

AE - Agencia Estado
Billy, um gato com 4 anos de idade, foi cadastrado no Bolsa-Família como Billy da Silva Rosa, e recebeu durante sete meses o benefício do governo, R$ 20 por mês. A descoberta ocorreu quando o agente de saúde Almiro dos Reis Pereira foi até a casa do bichano convocá-lo para a pesagem no posto de saúde, conforme exige o programa no caso de crianças: "Mas o Billy é meu gato", disse a dona da casa ao agente.
Ela não sabia que o marido, Eurico Siqueira da Rosa, coordenador do programa no município de Antônio João (MS), recebia o benefício do gato e de mais dois filhos que o casal não tem. Os filhos fantasmas faziam jus a R$ 62 cada, desde o início de 2008, quando Eurico assumiu o cargo.
O golpe foi identificado em setembro e o benefício foi suspenso. Eurico ainda tentou retirar Billy do cadastro e pôr o sobrinho Brendo Flores da Silva no lugar. Mas já era tarde. No início desta semana o "pai" do gato Billy acabou exonerado a bem do serviço público e está sendo denunciado à Justiça. O promotor Douglas Oldegardo Cavalheiro disse que o servidor terá de devolver o que recebeu ilegalmente. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Repulsa aos sócios



02 de janeiro de 2014 | 2h 02

Celso Ming - O Estado de S.Paulo
Nas últimas semanas do ano, a diretoria da Petrobrás fez novo esforço para convencer o mercado financeiro de que adotou o procedimento correto para a recuperação dos preços dos derivados de petróleo.
Mas continua a falta de transparência sobre as regras do jogo. Os subsídios ao consumidor, pagos, em última análise, pelo caixa da Petrobrás, não provocam estrago apenas na capacidade de investimentos e de endividamento da empresa.
Já é fato mais do que conhecido de que a falta de equalização dos preços internos aos externos provoca enormes distorções.
A primeira delas é a já mencionada deterioração das finanças da Petrobrás que pode levá-la a perder o grau de investimento dos seus títulos e, com isso, a ter de pagar juros mais altos nos novos empréstimos.
Outra distorção é a desidratação que provoca em outro setor antes promissor da economia, o dos biocombustíveis, especialmente o do álcool e o do biodiesel. O achatamento dos preços impõe uma competição desleal aos seus produtores e os enfraquece.
Uma terceira distorção tem a ver com a queima excessiva de combustíveis. Preços subsidiados artificializam o consumo e são uma das causas dos exasperantes congestionamentos de trânsito nas grandes cidades brasileiras.
Mas há outra distorção, menos comentada. Trata-se da impossibilidade da Petrobrás em firmar parcerias para a construção de novas refinarias. Só os investimentos na construção da Refinaria do Nordeste (Abreu e Lima), cujo primeiro trem de refino deverá ser inaugurado em novembro de 2014, estão orçados em algo entre US$ 17 bilhões e US$ 20 bilhões. As refinarias construídas em décadas passadas estão tecnologicamente ultrapassadas e precisam tanto de reformas quanto de aumento da capacidade de produção. Além das duas refinarias em obras, ambas com atrasos, a Petrobrás prevê a construção de mais quatro unidades com capacidade para processar 1,2 milhão de barris de petróleo por dia.
Os investimentos em novas refinarias não cumprem apenas o objetivo de garantir a geração de empregos internos. Em sete anos, a Petrobrás deve dobrar a produção de petróleo e de gás (veja o gráfico). Sem nova capacidade de refino, será obrigada a exportar petróleo bruto e, até 2020, a importar nada menos que 30% dos combustíveis consumidos no Brasil, obviamente a preços mais altos.
A empresa já tem enormes investimentos programados nas áreas do pré-sal e quer sócios para os projetos de refinaria, como demonstrou no empenho em que procurou atrair capitais venezuelanos, que acabaram gorando. Mas, atenção, sem total transparência nas regras de preços dos derivados, não haverá interesse dos sócios em potencial. Nem mesmo governos estaduais se sentirão encorajados a juntar-se à Petrobrás em projeto de construção de refinaria, se depois tiverem de perder preço em consequência de uma política populista, como a adotada hoje pelo governo Dilma.
Isso significa que regras firmes e confiáveis de jogo não são apenas aspiração da diretoria da Petrobrás; são de interesse de Estado.