domingo, 3 de novembro de 2013

Pátria amada


Diego Costa jamais trairia seu bairro, sua rua, seu campinho, seus amigos. Porque patriotismo é o que ficou na infância - o resto são abstrações

02 de novembro de 2013 | 16h 36

Ugo Giorgetti*
A escolha de Diego. O gorducho Walter é bem melhor do que ele - Jorge Guerrero/AP
Jorge Guerrero/AP
A escolha de Diego. O gorducho Walter é bem melhor do que ele
Uma das coisas mais interessantes dessa pobre polêmica sobre o jogador que preferiu a seleção da Espanha à do Brasil é seu início. E ela começou quando Luiz Felipe Scolari foi vítima de uma brincadeira, eu diria de uma sacanagem de mais puro estilo brasileiro, levada a cabo por um jornalista espanhol que se fez passar por dirigente do Atlético de Madrid e nessa qualidade manteve uma conversa telefônica com nosso treinador. Do alto de seu ego, Felipão jamais supôs que seu interlocutor pudesse ser apenas um gaiato que resolvesse se divertir e, levando a farsa a sério, se desmanchou em razões para explicar que pretendia contar com Diego Costa para a Copa. E de quebra deu suas respostas numa língua estranhíssima com vestígios remotos de espanhol, revestido de forte sotaque gaúcho.

Essa seria, por todos os títulos, uma ligação telefônica que Felipão não gostaria que estivesse ao alcance do público. Não fez nenhum comentário a respeito do telefonema que eu tenha ouvido, mas, dado seu caráter não exatamente brincalhão, imagino que tenha ficado possesso quando soube que tinha sido alvo de uma piada. É isso, a meu ver, o que está na origem de tudo. Quando, por razões que não vêm nem ao caso, Diego Costa disse que preferia a Espanha, é possível que o ódio represado de Felipão tenha se voltado contra o jogador. É só uma impressão sem nenhuma comprovação prática. Mas creio que só ela explica seu destempero ao anunciar a recusa do jogador. Eu podia sentir que, enquanto falava da atitude pouco patriótica do Diego, pela sua cabeça desfilavam imagens do telefonema e talvez do jornalista espanhol ainda às gargalhadas. Não é assim que se fala com um pai de família! Muito menos com o pai da sagrada “família Scolari”. Com certas coisas não se brinca. 

Felipão, pelo menos, não parece ser do tipo que aceita brincadeira, principalmente quando o assunto é ele mesmo. E trata-se exatamente disso. Diego Costa não recusou o Brasil ou a seleção brasileira. Recusou Felipão. Ele não disse isso, mas esse bem pode ser o motivo. Por que não? Teria ele recusado se o treinador fosse Muricy ou Abel Braga? Nunca saberemos. Ele recusou um chamado de Felipão. E não se recusa um chamado de Felipão impunemente. O problema do patriotismo foi imediatamente colocado em pauta. E a questão foi desviada de Felipão para o Brasil. Inflamado de ardor cívico, onde só faltou subir numa cadeira e declamar Olavo Bilac, Felipão, expressões faciais e tom de voz adequados, quase viu crime de lesa-pátria na atitude de Diego Costa. Faltou acrescentar que em tempo de guerra isso dá em fuzilamento. E para muita gente uma copa não é guerra? 

A imprensa naturalmente deu destaque suficiente para que o fato se transformasse numa polêmica. Eu esperava com certa ansiedade que o jogador fosse acabar com a incipiente questão simplesmente não dando nenhuma explicação. Por que deveria ele explicar sua decisão? Mas o jogador acabou tentando se explicar e, pior, ele também entrou pelo viés do patriotismo. Diga-se de passagem, que a polêmica transcorreu entre jornalistas especializados. Duvido que ela tenha, de alguma forma, atingido os torcedores. Acho que a maioria do público brasileiro não tem a mínima ideia de quem é Diego Costa. E também, em razão da longa tradição de grandes centroavantes brasileiros, nem ficaria muito impressionado se o visse jogar. Nosso gorducho Walter é bem melhor do que ele, só para citar um jogador na moda. 

Fica então a questão do patriotismo. Ao contrário de palavras cujas definições são alcançadas na solidão dos estudos, na meditação solitária, raramente pronunciadas fora das salas de aula e do silêncio de bibliotecas, patriotismo é uma palavra, em geral, definida por gritos. Patriotismo é mais um brado, evocado no calor de alguma disputa, num gesto teatral, geralmente para fazer calar o oponente, ou provocar uma ação emocional. Não é mais do que um expediente para resolver uma disputa num momento vital, conseguir adeptos e, ao mesmo tempo, destruir o adversário. Passada a causa da disputa não se fala mais em patriotismo. Até que apareça uma nova oportunidade. Ou uma nova copa. Patriotismo é uma questão individual. Cada um, em verdade, tem o próprio patriotismo. O mais entranhado, a meu ver, é o que ficou na infância. 

Para Diego Costa, patriotismo talvez seja o que ele sentiu por abandonados campinhos de terra onde jogava bola com companheiros que ficaram por lá, na sua cidade. O terreno baldio era sua pátria perdida. Não por acaso sua atitude, ao preferir a Espanha, foi louvada praticamente pela totalidade dos habitantes de Lagarto, Sergipe. 

Diego Costa, tenho certeza, jamais trairia seu bairro, sua rua, sua cidade e seus amigos de infância. Fora isso, o que há são abstrações que cada um usa como quer e na hora que quer. Um grande escritor norte-americano, numa de suas obras mais vigorosas, escreveu: “Sou um patriota do 14º Distrito do Brooklyn, onde fui criado. O resto dos Estados Unidos não existe para mim, exceto como ideia, história, ou literatura”. 

*UGO GIORGETTI É CINEASTA E COLUNISTA DO ESTADO. DIRIGIU, ENTRE OUTROS FILMES, BOLEIROS - ERA UMA VEZ O FUTEBOL... (1988)

Obra em homenagem a vítimas da ditadura militar é vandalizada em SP

03/11/2013 - 15h52


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DE SÃO PAULO
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Um grupo de vândalos destruiu parcialmente uma instalação de arte em homenagem aos desaparecidos da ditadura militar. A obra "Penetrável Genet", que integra a 10ª Bienal de Arquitetura de São Paulo, foi montada dentro do cemitério do Araçá (zona oeste de São Paulo).
O ataque foi descoberto na manhã deste domingo, dia em que a obra seria aberta para visitação. Os vândalos romperam dois cadeados e entraram no Ossário Geral, onde estão guardados os restos mortais de 1.046 pessoas encontrados no cemitério Dom Bosco, em Perus, usado clandestinamente para enterrar presos políticos e comuns como indigentes.
Ali, derrubaram no chão dois monólitos de pedra de 700 kg cada um, que seriam usados para a projeção de filmes. Eles também romperam blocos de concreto e retiraram três sacos de ossos --que não faz parte dos encontrados em Perus-- e os espalharam pelo cemitério.
Apesar da presença de projetores e computadores, nada foi roubado. Ninguém reivindicou o ataque --foi deixada apenas uma pichação ilegível.
Algumas estátuas e túmulos, que não faziam parte da instalação, também foram vandalizados. Uma imagem de santo Antônio, por exemplo, foi derrubada no chão.
"Foi contra a arte e contra o ser humano", disse o artista Celso Sim, coautor da obra, ao lado de Anna Ferrari. Os dois organizaram por volta do meio-dia um ato de protesto no local do ataque.
Sim chamou o vandalismo de "crime político" e afirmou que "o prejuízo ético, moral e existencial é incalculável".
A instalação será aberta ao público apesar do ataque. Mesmo estilhaçados no chão, os dois monólitos receberão as projeções.
A visitação pode ser feita de terça a domingo, com sessões gratuitas a cada hora, a partir das 12h e até as 16h, até meados de dezembro.

Cemitério vandalizado

Escravos do ativismo - KÁTIA ABREU


FOLHA DE SP - 02/11

Imposto o carimbo de escravagista, o produtor se submete a sanções duras, que semeiam o terror


Ninguém, com um mínimo de bom-senso, pode, em pleno século 21, admitir o trabalho escravo, definido pela Convenção 29, da OIT (Organização Internacional do Trabalho), da qual o Brasil é signatário, como o executado sob coação ou com qualquer tipo de restrição ao direito de ir e vir.

A CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), que presido, já se manifestou quanto a isso reiteradas vezes. Não o tolera sob nenhuma hipótese --repito, sob nenhuma hipótese-- e quer punição exemplar a quem o pratica, quer no meio rural, quer no meio urbano. Trata-se de crime contra a humanidade.

Dito isto, examinemos a proposta de emenda constitucional (PEC) que trata da matéria e que será votada na próxima terça-feira pelo Senado. Subscrevo o parecer do relator, senador Romero Jucá, que se baseia no que estabelece a OIT.

Nosso empenho, ao longo do tempo em que essa matéria tramita, foi --e é-- o de exigir clareza em seus termos, para que não se resuma a abstrações e generalidades. Qualquer estudante de direito sabe que uma norma jurídica não pode ser abstrata, adjetiva. Tem que substantivar o que propõe.

Também não podemos cair no polo contrário, ao atribuir a qualquer forma de trabalho a denominação de escravo pelo fato de não corresponder a certas normas trabalhistas, como as da jornada exaustiva e do trabalho degradante. Embora tratem de situações deploráveis e passíveis de punição, elas não podem orientar uma situação que desembocaria em insegurança jurídica.

Sem tais cuidados, o ativismo ideológico seguirá satanizando o produtor rural. Ainda que este responda por 36% do emprego formal do país e por um quarto do PIB (Produto Interno Bruto), continuará alvo de perseguições e invasões.

Ao país interessa uma lei clara e objetiva, que de fato puna os verdadeiros infratores e que não sirva de instrumento de intimidação de pessoas honestas.

Outro instrumento de aferição do trabalho escravo --a norma regulamentar 31, do Ministério do Trabalho-- peca pelo excessivo detalhamento, fugindo claramente ao conceito da OIT.

Com seus 252 artigos, muitos com importantes avanços para a saúde do trabalhador, desce a minúcias --como a dimensão exata dos beliches e a espessura dos colchões dos dormitórios dos empregados--, que expõem o empregador, por mais correto e mais empregos que gere, ao título hediondo de escravagista. Ganhará, por exemplo, esse estigma o empregador em cuja terra o empregado decida dormir numa rede ou almoçar não no refeitório, mas embaixo de uma árvore, como é costume no meio rural.

Imposto o carimbo de escravagista, o produtor se submete a sanções duríssimas, que semeiam o terror e, no limite, levam-no à perda da propriedade.

É preciso que se saiba que 90% dos produtores rurais são de pequeno e médio portes e não têm como resistir a esse tipo de sabotagem, promovido por quem não acredita na livre iniciativa.

Tenho sido alvo do ativismo puro que alimenta ações execráveis dos que buscam atingir a mim e a minha família. Nem por isso, ignoro a existência do mau empregador, que explora o trabalho infantil e o escravo, no campo ou na cidade.

Mas é exatamente esse personagem, bandido e merecedor de todas as penas da lei, que se beneficia desse contágio ideológico de fiscais engajados --que, frise-se, não constituem a maioria, mas a esta se sobrepõem.

A CNA não apoia o trabalho escravo --nem tergiversa em relação a ele--, tanto que treina instrutores para inspecionar periodicamente as fazendas e avaliar as condições de vida dos trabalhadores rurais.

Já propusemos ao Ministério do Trabalho o instrumento da "visita prévia", que tem a finalidade de esclarecer os empregadores sobre as exigências da lei e sobre eventuais medidas corretivas, em prazo estabelecido pelos próprios auditores. Não aceitaram, claro. Preferem punir a educar.

A aprovação da PEC do traba- lho escravo, nos termos propos- tos pelo senador Jucá, ajudará o país a superar essa triste fase, reduzindo injustiças e coibindo os excessos.