quarta-feira, 11 de setembro de 2013

O Pensamento Conservador Democrático, Por Alcides Leite*





No Brasil, nenhum político gosta de ser chamado de conservador. Aqui, todos se consideram progressistas. No entanto, no espectro político nacional faz falta a existência de um partido democrático, verdadeiramente conservador, nos moldes do Partido Conservador da Grã-Bretanha e do Partido Republicano nos Estados Unidos. Toda democracia desenvolvida necessita de partidos políticos com ideário bem definido. 

Mas quais seriam as características que definiriam o pensamento conservador? O pensador americano Russell Kirk (1918-1994), que foi o principal estudioso do conservadorismo moderno, afirmava que esta corrente de pensamento não é uma ideologia, é um estado mental, um tipo de caráter, uma forma de pensar a ordem social. Ele, no entanto, via características comuns entre os diversos movimentos conservadores. Estes atributos foram reunidos por ele numa espécie de decálogo do pensamento conservador, que resumo nos parágrafos seguintes. Em parênteses aparecem os princípios tratados em cada ponto.

Primeiro: (natureza humana) A natureza humana é constante e as verdades morais são permanentes. Uma sociedade governada pela crença em uma ordem natural permanente, por um forte senso de certo e errado, por convicções pessoais sobre justiça e honra, será uma boa sociedade, independentemente do arranjo político utilizado.

Segundo: (costumes, convenções e continuidade) São os costumes que permitem que as pessoas convivam pacificamente. É por meio da convenção que se evita contínuos confrontos entre direitos e deveres. Os conservadores preferem o mal que conhecem ao mal que não conhecem. Eles acreditam que ordem, justiça e liberdade são produtos resultantes de uma longa experiência social, ao longo de séculos de seleção, reflexão e sacrifício. A sociedade humana não é uma máquina para ser tratada mecanicamente.

Terceiro: (prescrição) Os conservadores acham que as pessoas de hoje são como anões nos ombros de gigantes, capazes de enxergar além de seus ancestrais somente devido à alta estatura daqueles que os precederam. Eles argumentam que é improvável que nós, os modernos, possamos fazer qualquer nova grande descoberta no campo da moral e da política. Para eles o individuo é tolo, mas a espécie é sábia.

Quarto: (prudência) Qualquer decisão pública deveria ser julgada pela sua provável conseqüência de longo prazo, não meramente pelas vantagens temporárias ou pela popularidade. Sendo a sociedade humana complexa, as soluções não podem ser simples se pretendem ser eficazes. Os conservadores dizem que eles agem somente após suficiente reflexão, tendo pesado as conseqüências. Reformas apressadas são tão perigosas como cirurgias apressadas.

Quinto: (diversidade) Os conservadores sentem afeição pela complexidade das instituições sociais e formas de vida estabelecidas ao longo do tempo, e as distinguem da estreita uniformidade dos sistemas radicais. Para eles, as únicas formas de igualdade são a igualdade perante a lei e perante o Juízo Final. Se diferenças naturais e institucionais forem destruídas, algum tirano ou uma espécie de oligarca criará novas formas de desigualdades.

Sexto: (imperfeição) Sendo a natureza humana imperfeita, nenhuma ordem social perfeita pode ser criada. Quem vende a perfeição, vende uma utopia que acaba terminando em desastre. Tudo o que devemos esperar é uma ordem tolerável, justa, e uma sociedade livre, na qual alguns males, desajustes e sofrimentos continuarão a existir. Somente por meio de reformas prudentes é possível preservar e melhorar esta ordem tolerável. 

Sétimo: (liberdade e propriedade) A liberdade e a propriedade estão profundamente ligadas. Tirem a posse da propriedade privada e o Leviatã tornar-se-á mestre de tudo. Quanto mais difundida for a propriedade privada, mais estável e produtiva será a sociedade.  

Oitavo: (associação) Os conservadores defendem a associação voluntária, da mesma forma que se opõem ao coletivismo involuntário. Numa comunidade genuína, as decisões que mais afetam a vida dos cidadãos devem ser tomadas localmente, de forma voluntária. Se, em nome de uma democratização abstrata, as funções da comunidade forem transferidas para uma esfera política distante, o governo central imprimirá um processo de padronização hostil à liberdade e à dignidade humanas.

Nono: (controle democrático do poder) Os conservadores prescrevem a necessidade de restrições sobre o poder e sobre as paixões humanas. Sabendo que a natureza humana é uma mistura do bem e do mal, os conservadores não colocam sua confiança na mera benevolência. Um Estado no qual um indivíduo ou um pequeno grupo é capaz de dominar a vontade de seus cidadãos, sem possibilidade de controle, é um estado despótico, independentemente de ser chamado de monarquista ou aristocrático ou democrático.  

Décimo: (conciliação entre permanência e mudanças) Os conservadores não se opõem aos avanços sociais, mas acreditam que uma sociedade saudável é influenciada por duas forças: Permanência e Progresso. A primeira garante a estabilidade e a continuidade; sem ela, as bases da sociedade são quebradas, levando-a a anarquia. As mudanças impulsionam para reformas e melhoramentos prudentes; sem isso as pessoas ficam estagnadas. O conservador, em suma, é favorável ao avanço moderado e bem fundamentado; ele se opõe ao culto ao progresso, pois não acredita que tudo o que é novo é necessariamente melhor do que tudo o que é velho.

Considerando que estes princípios, que de fato caracterizam o pensamento conservador, então não há dúvida que parte significante da população brasileira poderia, de alguma forma, ser classificada como conservadora. O problema é que esta parcela da população não encontra um partido político de defenda, de forma clara e transparente, estes princípios.

* Alcides Leite é economista e professor da Trevisan Escola de Negócios



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terça-feira, 10 de setembro de 2013

Chile, 40 anos depois, por VLADIMIR SAFATLE



Amanhã fará 40 anos que o Chile passou por um dos mais brutais golpes de Estado da história recente. País historicamente avesso a intervenções militares, o Chile era, até 11 de setembro de 1973, um dos mais inovadores laboratórios de transformação social do Ocidente.
Salvador Allende liderou um governo que procurava, ao mesmo tempo, superar índices vergonhosos de desigualdade econômica, enquanto aprofundava mecanismos de democracia direta e de respeito às estruturas da democracia parlamentar. Seu caminho era uma via inovadora entre as sociedades burocráticas do Leste Europeu e as dos países capitalistas.
Na verdade, tal caminho encarnava o medo mais profundo de países como os EUA em plena Guerra Fria. Tratava-se do medo de uma experiência capaz de aproximar práticas socialistas de redistribuição de riquezas com uma democracia pluripartidária.
Por isso, Salvador Allende foi vítima de um conjunto de ações de sabotagem econômica e de criação de clima de instabilidade política que mereceriam levar Henry Kissinger, então secretário de Estado norte-americano e hoje saudado como grande diplomata, ao banco dos réus do Tribunal Penal Internacional. Tais ações encontram-se fartamente registradas em documentos norte-americanos que passaram, nos últimos anos, ao domínio público.
Mesmo sendo vítima dessa política covarde, os votos aos partidos da base de Allende cresceram nas eleições legislativas de 1973, o que redundou em aumento da participação parlamentar. Estava claro que a única saída para derrubá-lo seria o golpe.
Alguns gostam de relativizar o período Pinochet, apelando para a falácia de que, apesar da ditadura, foi um momento de crescimento econômico e riqueza. Eles procuram esconder que, entre 1950 e 1971, o PIB chileno cresceu, em média, 2% ao ano. Já entre 1972 e 1983, ele recuou (sim, recuou) 1,1%. Foi apenas nos últimos cinco anos, com o comando econômico de Hernán Büchi, que o governo Pinochet conseguiu recuperar-se parcialmente desse abismo.
Mesmo assim, em 1970, a relação entre o PIB por habitante do Chile e o dos EUA era de 35,1%. Em 1992, esse mesmo índice era de 33,6%. O mínimo que se pode dizer é que os liberais latino-americanos têm uma concepção bastante peculiar do que devemos entender por "sucesso".
Hoje, com os chilenos voltando a descobrir a força das ruas, que redundou em manifestações populares massivas por serviços públicos de qualidade, e prestes a despachar o impopular único governo direitista de sua história recente, pode-se dizer que a experiência de Allende não foi em vão.

Os espiões saem do frio

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO - Na crônica anterior, comentei dois casos históricos de espionagem em países e governos. Foram executados com a tecnologia primitiva que estava à disposição. O método mais utilizado era o do espião físico, individual. Foi assim que Portugal tomou conhecimento da Inconfidência Mineira, graças a um delator cujo nome consta dos livros escolares.
Fizeram escutas clandestinas até no Salão Oval da Casa Branca --que provocaram a renúncia do presidente Nixon. Durante as guerras, a espionagem é considerada arma para se vencer uma batalha.
Com os recursos técnicos de hoje, pode-se supor que todos os movimentos e até intenções dos governos, das grandes empresas e até de alguns indivíduos, são rastreados, gravados em três dimensões. Com a ajuda dos satélites, do GPS e dos voluntários que adoram a espionagem na base do "ars gratia artis", é praticamente impossível manter a privacidade de qualquer governo ou cidadão do mundo.
O ataque ao World Trade Center, em 2001, foi objeto de comunicações oficiais que chegaram à mesa da então secretária de Estado, Condoleezza Rice, que achou a opera- ção tão fantástica que dela não tomou conhecimento.
Dizem que o ataque japonês a Pearl Harbor, que levou os Estados Unidos à Segunda Guerra, foi denunciado ao presidente Roosevelt, que precisava de um forte motivo para convencer o povo norte-americano a participar do conflito mundial.
Numa tarde de 1959, JK esteve sumido. O pessoal do Palácio Laranjeiras botou a tropa na rua para localizá-lo. A Embaixada dos Estados Unidos contatou o chefe de segurança presidencial e deu a dica: JK estava no cinema São Luís, sessão das 14h, acompanhado da esposa de um deputado da base parlamentar que o apoiava. "C'est la guerre. C'est l'histoire."