domingo, 25 de agosto de 2013

“Relatório da comissão da verdade tem que ser feito com participação das vítimas”


A advogada criminalista Rosa Maria Cardoso deve deixar nesta semana o cargo de coordenadora da Comissão Nacional da Verdade. Será substituída pelo também criminalista José Carlos Dias. Em entrevista ao Estado, para um balanço dos três meses em que esteve na coordenação do grupo, Rosa Maria relatou que alterou o ritmo e o rumo dos trabalhos. Entre outras coisas, abriu espaço e deu mais voz para os grupos de ex-presos políticos e familiares de mortos e desaparecidos, reduziu o número de sessões fechadas para o público, nomeou um novo secretário executivo e instituiu atas para as reuniões.
Paralelamente, ela apoiou manifestações favoráveis à reinterpretação da Lei da Anistia, oferecendo combustível a uma campanha cujo objetivo é abrir caminho para que agentes públicos que violaram direitos humanos nos anos da ditadura sejam julgados e punidos. Na avaliação dela, esse debate é irreversível e constitui a principal causa de atrito que persiste entre a comissão e as Forças Armadas.
A seguir, os principais trechos da conversa com a advogada.
A senhora ampliou o espaço de vítimas e de familiares na comissão. Qual foi sua intenção?
A comissão é a chance que eles têm de ver a sua história contada. Se não houver uma participação efetiva dos interessados, o rumo do trabalho e o relatório final será diferente do que eles querem.
E o que eles querem?
Não querem o relatório de um historiador. Querem a história contada por eles. No mundo inteiro tem sido assim: os relatórios de comissões da verdade são sempre a história de graves violações de direitos humanos. Foi por isso que ampliei o número de pessoas que sentam à mesa de reuniões, que tornei as sessões mais abertas, que abri novas possibilidades de vítimas e familiares participarem das investigações. Dos 76 depoimentos tomados enquanto fui coordenadora, 72 foram em atos ou audiências públicas. Essa média é maior do que a registrada nos meses anteriores.
A senhora anunciou que vai contratar novos assessores. O quadro atual, com 18 assessores diretos, além de colaboradores indiretos, num total de quase 70 pessoas, não é suficiente?
Uma comissão da verdade em um país do tamanho do Brasil deve ter um número maior de pesquisadores e assessores diretos. A ONU indica em torno de 250 para esse tipo de atividade. A comissão tem um mandato, que é curto, e precisa percorrer, pesquisar, buscar pistas numa quantidade enorme de documentos reunidos no Arquivo Nacional. Também precisa analisar arquivos nas seções estaduais do Dops e todo o material produzido pela Comissão da Anistia, que documentou 70 mil casos no País.
Quantas pessoas devem ser contratadas?
Preparei os documentos e as condições para a contratação de 100 pesquisadores e 20 consultores. Vão trabalhar por um tempo limitado de seis meses. É importante fazer isso agora, porque vamos começar a preparar o relatório final. A primeira reunião para discutir visões preliminares do relatório final está marcada para o início de setembro.
As vítimas e familiares devem participar da elaboração do relatório final?
As pessoas estão cobrando que seja dessa forma e eu acho que o caminho não tem retorno. Não podemos produzir um relatório que depois seja questionado pelas vítimas e familiares.
Não seria melhor um grupo mais especializado e reduzido?
Acho que não. As vítimas, os familiares, os militantes de comitês de direitos humanos, estudantes, as comissões estaduais da verdade, os grupos de apoio, todos têm suas concepções sobre como deve ser o trabalho, todos têm informações e condições de participar. A teoria não está toda contida na universidade. Tem familiar de morto e desaparecido que conhece muito bem os arquivos já existentes e sabe identificar rapidamente o que é novidade e o que não é.
Acha que antes da senhora assumir a coordenação a visão da comissão era mais acadêmica?
Tendia a ser. Acho que o relatório final merece uma composição a muitas mãos, com gente da academia, jornalistas informados sobre o tema, militantes.
A comissão tem sete integrantes mas está atuando apenas com cinco, porque a presidente Dilma Rousseff não nomeou os substitutos dos dois membros que pediram demissão. Isso não atrapalha?
É muito ruim. Se tivesse com mais gente, a comissão poderia ter viajado mais. Ainda demos pouca atenção às regiões Norte e Nordeste.
A senhora sabe o motivo da demora nas nomeações?
Não. Eu penso que ela ficou muito envolvida com as manifestações de junho e, depois, com a visita do papa. Agora imagino que ela está dando um tempo para a evolução política, para ver como a comissão resolve seus problemas, a nossa capacidade de formular alternativas.
Como vê o seu sucessor, o advogado José Carlos Dias?
Temos uma larga convivência, porque fomos advogados de presos políticos juntos. Agora ele tem uma diferença comigo e em relação a outros membros da comissão, que é o fato de ser contrário à reinterpretação da Lei da Anistia.
Isso causaria alguma resistência a ele na comissão?
Nenhuma. Os outros membros se dão muito bem com ele. Não há nenhum confronto. Ele é uma pessoa polida, educada, equilibrada. Não é um destemperado.
E quanto às vítimas e familiares? O que acham dele?
A luta pela reinterpretação da Lei da Anistia está ganhando força e não sei como isso vai ficar. Antes o debate não estava colocado com a força que tem agora. A Ordem dos Advogados está discutindo o assunto no Brasil inteiro.
A relação com as Forças Armadas ainda parece delicada. Dias atrás, ao comunicar a morte do major-brigadeiro Rui Moreira Lima, herói da 2.ª Guerra Mundial, a Aeronáutica omitiu que se opôs ao golpe militar e que colaborou com a comissão.
A relação é  é completamente delicada. Eles têm o realismo de compreender que esse assunto está fora do controle político. Não temos mais a possibilidade de um decreto que proíba, por exemplo, o debate sobre a reinterpretação da Lei da Anistia. Na verdade eles jamais acreditaram que a comissão fosse uma forma de estancar o debate. Uma minoria compreendeu logo que havia uma imposição internacional no sentido de que houvesse uma comissão da verdade, destinada a restabelecer a história. Nas Forças Armadas também há muita gente capaz de compreender que no caso de alguém que agrediu seu filho, arrancou um pedaço dele, é justo que seja submetido a Justiça.
A senhora já deixou claro que é favorável à judicialização.
A judicialização de violações não prescritas legalmente é uma solução civilizada. O que não é civilizado é a justiça com as próprias mãos. Todas as sociedades civilizadas entenderam que problemas dessa natureza têm que ser submetidos à Justiça. A impunidade não pode ser a regra, porque acaba funcionando como estímulo à repetição. A judicialização não é uma atitude raivosa, agressiva, violenta. É claro que os militares de uma geração próxima ou diretamente envolvida com os fatos não veem com bons olhos o funcionamento de uma comissão da verdade. Só se fosse uma comissão interessada em contar a história de uma forma acadêmica.
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Patagônia, uma loja de roupas diferente


Saiba mais sobre a loja que faz de tudo para seus clientes consumirem menos e é um sucesso

Vemos em todos os lugares o termo reciclagem de plástico e papéis, mas e quanto às roupas, será possível reciclá-las também? E será que essa é a melhor solução para poupar o planeta? Muita gente não sabe, mas a reciclagem é o último passo que devemos tomar com aquilo que consumimos. Ela é importantíssima, mas não é a única solução para o descarte daquilo que não queremos mais. O pontapé inicial está na redução do consumo. Cada roupa, alimento ou objeto que compramos deixou sua emissão de carbono no planeta. Por isso, se adquirirmos apenas o que realmente precisamos, fazemos a nossa parte por um planeta mais saudável. Esse é o conceito que a marca de roupas Patagônia quer passar para os seus clientes.
Não comprar nada além do que falta e usar a peça de roupa por vários anos é a principal ideia- propagada. A marca desenvolveu peças duráveis que servem para uma vida toda. Reparos são ótimos para não deixar as roupas envelhecerem, por isso, a Patagônia trabalha com uma equipe de consertos formada pelos moradores da região e devolvem a roupa em 10 dias úteis. Os reparos de uso são cobrados com preços acessíveis e viáveis para o consumidor.
Nada que ainda seja possível de se usar deve ir para o lixo. Peças em bom estado devem permanecer em circulação. Doar as roupas é a solução para não desperdiçar algumas peças antigas e lojas de segunda mão também é uma boa opção para quem pretende esvaziar o armário e ganhar uns trocados. As lojas da Patagônia têm parceria com o site eBay e, no próprio website da empresa, podemos tanto vender quanto comprar roupas usadas. A empresa também doa parte dos seus estoques para instituições de caridade.
Na natureza não há desperdícios, tudo o que morre contribui para enriquecer o solo e alimentar novas espécies. A Patagônia usa esse princípio em sua produção. Se o consumidor não quiser mais uma roupa, ele pode entrar em contato com a loja e doar a peça para reciclagem. A empresa extrai as fibras do pano e confecciona novas peças. Desde 2005, a loja já arrecadou 45 toneladas de roupas usadas e reciclou 34 toneladas desse material. A loja Patagônia, apesar do nome, não é argentina e sim norte-americana. Sua política de redução, reúso, reparo e reciclagem é um novo horizonte para aqueles que acreditam em sustentabilidade num país que chega a produzir 11,9 toneladas de roupas e sapatos descartados incorretamente.

Outro gigante acordou - GUSTAVO FRANCO


O Estado de S.Paulo - 25/08

Como se não bastasse o que despertou em junho de 2013, e transformou a Copa das Confederações numa espécie de maio de 1968, há outro gigante acordado, na verdade dois deles.

O gigante americano parecia prostrado desde a crise de 2008, mas contrariando muitos prognósticos, e depois de muito esforço para arrumar a casa, a recuperação americana vem provocando um banho de sangue nas moedas, títulos públicos e commodities, especialmente em mercados emergentes. Trata-se apenas de uma reação inicial, talvez exagerada, talvez modesta, não há como dizer, à normalização da política monetária americana; um exemplo extraordinário da máxima segundo a qual, nos mercados financeiros, boas notícias são sempre más notícias para muita gente.

Firmou-se a sensação de que há uma data para acabar a abundância de liquidez de que se beneficiou amplamente o Brasil nos últimos anos. Tolamente, confrontamos as políticas do Fed (banco central dos Estados Unidos) com a tese da "guerra cambial", um raciocínio conspiratório segundo o qual os americanos estavam desvalorizando deliberadamente a sua moeda para ficarem mais competitivos do que nós. Como se eles precisassem disso! Curioso que no botequim em Havana, Caracas ou Campinas, onde essa gracinha foi inventada, nada semelhante fosse dito sobre a China, que o Brasil trata generosamente como uma "economia de mercado".

Nosso ministro da Fazenda chegou a apresentar slides em inglês onde mostrava a desvalorização da moeda nacional, que ele agora quer evitar, ilustrada pelo título "Ganhando a guerra cambial". Mario Henrique Simonsen tinha uma regra de ouro a esse respeito: jamais falar mal do Brasil em inglês.

O fato é que tivemos muito de uma coisa boa durante vários anos, e não aproveitamos esse bom momento para fazer reformas e desenvolver a nossa competitividade. A produtividade da economia brasileira está estagnada; como demonstra o trabalho do professor Regis Bonelli, o valor adicionado por trabalhador no Brasil em 2012 permanece no mesmo nível de 2000 e equivalente a 19% da produtividade americana. Sim, o trabalhador americano produz cinco vezes mais que o brasileiro por hora trabalhada, e não retiramos um centímetro do atraso nesses 12 anos. Pior, recuamos em alguns indicadores de ambiente de negócios, qualidade da infraestrutura e liberdade econômica.

A teoria de que o câmbio mais desvalorizado resolve o problema da falta de reformas politicamente complexas é, para usar palavras presidenciais, primitiva. O câmbio não tapa buracos nas estradas, nem diminui filas nos portos e aeroportos ou interfere no que se passa dentro da fábrica.

O câmbio é flutuante, como se sabe, o que é outra maneira de dizer que é efêmero, portanto algo do qual não se deve depender. Quem trabalha com câmbio se acostumou a proteger-se das flutuações de curto prazo e olhar os fundamentos, vale dizer, para o conjunto de fatores que compõem a real competitividade de um empreendimento.

Como as autoridades não trabalharam nesses temas associados ao que se chamava antigamente de "custo Brasil", em boa medida por que entendiam que esta era uma agenda neoliberal, ficamos para trás em todos esses temas. Concentrou-se a atenção nos programas sociais, mas a competitividade foi esquecida. Uma coisa não exclui a outra, como tardiamente parecem perceber as autoridades.

Mas o fato é que, além dos ianques, e diante do acima exposto, outro gigante acordou, um personagem sinistro e muito temido: o mercado, ou para ser mais preciso, o mau humor do mercado, perto do qual os "black blocs" são meninos de igreja. As autoridades sabem como é assustador quando se formam as manadas, os ataques especulativos, sem controle e sem lógica, ao menos na aparência. Talvez exatamente como as multidões envolvidas nos protestos, o mercado demorou a reagir diante das inconsistências na política econômica.

Tratando-se do público em geral, a dona de casa inclusive, a Copa das Confederações pode ter servido para fornecer uma metáfora ampla do que há de errado nas nossas políticas públicas. Não creio que os economistas, e mesmo as raposas políticas e os marqueteiros, atinaram para o imenso poder de representação que possui o futebol, um retrato tão rico quanto amargo do modo como o País sabe organizar o seu talento, sua riqueza e seu imaginário dentro e fora do campo. É este o assunto do magnífico livro do mestre Roberto Da Matta, cujo título - A bola anda mais do que os homens - bem resume a tese.

A Copa serviu para organizar a cabeça do brasileiro sobre o modo como os cartolas, incluídos os ministros, usam o dinheiro público em projetos de desenvolvimento. Diferentemente da tese de que o futebol é o ópio do povo, a Copa mostrou que o futebol é o teatro por onde enxergamos a nós mesmos, de modo que, ao montar um megaespetáculo, nos arriscamos a revelações inconvenientes.

A igualdade diante das regras, ou a meritocracia e o "fair-play" dentro de campo, é o que uniu esse jogo, na sua complexa simplicidade, às cores nacionais, e assim serviu para disseminar a cidadania.

Com a seleção em campo, cantamos o hino a plenos pulmões, e nunca tão alto como nesta Copa que revelou muito sobre o que se passa fora de campo. Sendo anfitriões, passamos a acompanhar o desenrolar das obras dos estádios e assim o horário nobre passou a explicar em miniatura o modo como as autoridades conduzem grandes programas públicos de desenvolvimento econômico.

O futebol está mesclado com a nacionalidade, a bandeira e o hino, símbolos nacionais que precisam ser honrados, e o mesmo vale para a moeda. O dinheiro é a pátria num papel pintado com nossas cores, é um pedaço de nós. Rasgar dinheiro em estádios de futebol é como queimar a bandeira; uma imagem fácil de entender, e que leva o público para os protestos. Não era por conta dos 20 centavos do ônibus de São Paulo; é claro que era o futebol, o que mais podia ter tanto impacto?

O futebol fez o brasileiro entender que o trem-bala é uma espécie de Itaquerão, e que as prioridades estão totalmente equivocadas para quem se espreme em ônibus ou em filas de hospitais. Pessoas normalmente pacatas vão para a rua sem saber bem por que, animadas, mas os que são vaiados sabem que estão devendo.

Os profissionais do mercado financeiro são cobradores muito mais frios e exigentes, e sobretudo, muito mais violentos, como o célebre personagem de Rubem Fonseca. As ruas mobilizam milhares ou milhões, o "protesto" do mercado financeiro mexe com bilhões. O dinheiro não leva desaforo. O ministro rasga dinheiro através do déficit nas contas públicas e humilha a nossa moeda ao dizer que ganhamos uma guerra ao desvalorizá-la.

A movimentação no mercado de câmbio não está distante da que se passa nas ruas, os gigantes são primos, quem sabe a mesma pessoa, a sombra um do outro.