domingo, 14 de julho de 2013

Facebobos - SÉRGIO DÁVILA

FOLHA DE SP - 14/07

SÃO PAULO - A "grande mídia" mundial é hoje dominada por empresas como Facebook, Google e Twitter e subprodutos como Instagram, Skype e YouTube. Juntas, elas faturaram pelo menos R$ 120 bilhões só nos EUA em 2012 --ou cerca de três vezes o que movimentou no mesmo período o mercado publicitário brasileiro inteiro.

Sim, volto ao tema da coluna passada. É que, no mesmo dia em que eu escrevia que o Facebook é pouco transparente, o jornal "O Globo" publicava reportagem mostrando que o Brasil é um dos alvos da espionagem dos EUA, aquela que, segundo o "Guardian", usa o programa Prism para acessar contas do... Facebook.

Essas empresas são cada vez mais poderosas e tentaculares, com lobistas nos Legislativos e Judiciários do mundo inteiro - inclusive no Brasil. Ainda assim, pela novidade tecnológica e por contarem com um marketing muito bem feito, são vistas por seus usuários como operações amadoras tocadas por idealistas.

Sorte delas. O problema é que são empresas de práticas duvidosas e espinha dorsal gelatinosa. Quando instadas pelos governos, como ocorreu recentemente nos EUA, abrem acesso a dados de seus usuários do mundo inteiro - inclusive do Brasil.

A Microsoft, hoje dona do Skype, chegou a ajudar os arapongas a quebrar seu próprio bloqueio para um acesso mais rápido. Esse tipo de solicitude não é novidade. Na China, por exemplo, o Google censurou das buscas termos considerados indesejáveis pelo governo local. Em troca, pode continuar no país.

Imagine o escândalo se o "New York Times" fizesse acordo semelhante: seus correspondentes poderiam ficar em Pequim, desde que as reportagens que escrevessem não fossem críticas ao governo chinês. Ou se o jornal passasse dados de seus assinantes para a CIA.

Pois é o que aconteceu e acontece na nova "grande mídia". Enquanto isso, atualizamos nossos status, curtimos e compartilhamos.

O caminho do crescimento - HENRIQUE MEIRELLES

FOLHA DE SP - 14/07

Relatório recente do FMI reduziu as estimativas de crescimento para a economia mundial. Já o banco central dos EUA (Fed) agita os mercados ao sinalizar a redução dos estímulos diante da recuperação gradual da economia dos EUA. Nesse contexto de incertezas globais, com perda de dinamismo das economias emergentes, é importante entender o processo de recuperação norte-americana e europeia.

Nos EUA, houve muita preocupação com o corte automático e generalizado de despesas públicas, mas a economia norte-americana cresce, apesar da contração fiscal.

Estaria crescendo mais no curto prazo sem esse corte, mas ele traz mais segurança em relação à solidez fiscal e ao crescimento do país no futuro, reforçando positivamente as expectativas de empresas e consumidores. Outro aspecto importante a notar é o motivo desse dinamismo econômico, centrado na produtividade. Depois da crise, as empresas norte-americanas entraram em processo radical de corte de despesas, mudanças de processos e busca por maiores produtividade e lucro.

Isso gerou a chamada "jobless recovery" (recuperação sem aumento de emprego), fenômeno negativo em si, mas que permitiu ganhos de produtividade que, por sua vez, tornaram-se as molas propulsoras do crescimento e da recuperação sustentável do emprego. O caminho, portanto, é a busca de produtividade com disciplina fiscal, não só ganhos de atividade de curto prazo.

Olhando para a Europa, vemos que a Alemanha segue trajetória de crescimento moderado (mas sólido) e desemprego baixo, resultado também de ganhos de produtividade e de reformas estruturais pós-reunificação do país.

Já Espanha e Portugal ganham competitividade com política de ajuste duríssima, cuja parte mais divulgada e conhecida no Brasil é o ajuste fiscal. A parte menos conhecida, e a mais importante, é o conjunto de ajustes estruturais visando diminuir custos e produzir mais e melhor.

Os países ibéricos ganharam competitividade e, atualmente, começam a exportar de forma inédita na última década. É importante ressaltar, porém, que ainda há caminho a percorrer: o trabalhador alemão médio produz mais de 40 euros por hora, o espanhol, pouco mais de 30, e o Português, 17.

Portugal e Espanha estão, portanto, no caminho da recuperação --da forma mais dura, via redução dos custos nominais, já que sua moeda, o euro, não pode ser desvalorizada na forma clássica.

Apesar de todas as dificuldades ainda existentes, a experiência internacional hoje indica claramente que o caminho do crescimento chama-se investimento e aumento de produtividade, com diminuição de custos públicos e privados.

O Snowden bolivariano - MAC MARGOLIS


O Estado de S.Paulo - 14/07

No modesto quarto no primeiro andar de um prédio comercial, o asilado político ajeita-se como pode. Há 14 meses, seu mundo restringe-se a um cômodo de 20 metros quadrados na embaixada de uma nação amiga, mobiliado com uma cama, escrivaninha e frigobar. O banheiro é compartilhado. Tomar sol, apenas pela fresta da janela. Como todo refugiado, resta-lhe a escolha ingrata: entregar-se às autoridades ou aguentar firme até que consiga passagem para outra pátria.

Não é Julian Assange, o fundador do WikiLeaks, que para evitar sua extradição para Suécia se pôs à mercê da Embaixada de Equador em Londres. Tampouco me refiro a Edward Snowden, o bisbilhoteiro americano que derramou segredos da espionagem de Washington e acabou confinado no aeroporto de Moscou.

O relato acima é de Roger Pinto, o Snowden bolivariano. Quem? Perguntaria o leitor. Esquecido nas manchetes e nos malabarismos diplomáticos dos dois refugiados mais célebres do planeta está o drama do boliviano que, desde maio de 2012, está preso na Embaixada do Brasil, em La Paz. Guardadas as proporções, seu caso é emblemático para América Latina, ainda sob o luar do finado caudilho Hugo Chávez, e um problemão para a diplomacia regional.

Senador pelo Departamento de Pando, leste da Bolívia, Roger Pinto é conservador, rico, politicamente articulado e um crítico implacável do governo do presidente Evo Morales. Oposicionista do bloco Convergência Nacional, já integrou um movimento pela independência administrativa e fiscal de um naco tropical do país. A proposta não vingou, mas conseguiu provocar urticária no governo de Evo.

Para piorar, Roger também acusou um integrante do governo de envolvimento com o narcotráfico internacional. Em seguida, ele se tornou alvo de uma chuva de processos, acusado de delitos dos mais diversos, desde corrupção a doações irregulares para uma universidade.

Entre petições e impropérios - e muitas ameaças de morte -, o senador optou pela retirada e bateu à porta da embaixada brasileira. Disse que era um perseguido político e pediu asilo. Brasília, corretamente, o concedeu e ficou por isso mesmo.

Pela Constituição boliviana, todo cidadão tem o direito de pleitear o asilo. No entanto, nos meandros da Carta redigida a dedo pelo partido governante, não há regras nem normas claras para conceder o salvo-conduto. Sem ele, a concessão de asilo cai no vazio. Eis o labirinto de Roger, um asilado entre quatro paredes.

Evo rebate a crítica com um argumento familiar. O senador não seria nenhum prisioneiro político, mas um criminoso comum. Logo, só cabe ao réu render-se à justiça. O argumento soa razoável, não fosse o magistrado boliviano togado pela mesma cartilha bolivariana.

Segundo a Fundação Nueva Democracia, que defende os direitos humanos na Bolívia, a Justiça virou joguete na mão do governo. Apenas nos últimos quatro meses de 2012, o grupo contabilizou 11 casos de suspensão ou de destituição de autoridades democraticamente eleitas, 21 casos de perseguição judicial por motivações políticas e 5 casos de suspensão de autoridades judiciais por causas políticas.

Segunda a Nueva Democracia, são "flagrantes violações de direitos humanos" atribuídas à atuação dos órgãos de segurança, ao Ministério Público e às autoridades da Justiça. Nas palavras de Jorge Quiroga, ex-presidente boliviano, "não se pode oferecer a um americano detido em Moscou o que não se cumpre com um boliviano em La Paz".

Aí está o fio condutor que une Roger Pinto a Edward Snowden e Julian Assange. Heróis ou bandidos, escolha você. Certamente, todos devem explicações pelos seus atos perante a Justiça. Mas que Justiça?