quinta-feira, 28 de abril de 2011

Um barco a vagar


28 de abril de 2011 
Dora Kramer - O Estado de S.Paulo
Voz isolada no apelo público à solução da crise interna que assola a seção paulista do PSDB, em meio ao silêncio sepulcral das principais lideranças do partido, Fernando Henrique Cardoso ouviu dias atrás de um experiente político - hoje com atuação restrita aos bastidores - uma pergunta que traduz bem a dimensão das agruras dos tucanos.
O tema principal da conversa era a natimorta ideia de fusão entre PSDB e DEM, e a certa altura enveredou pelo recente e polêmico artigo de FH sobre o papel da oposição. O interlocutor perguntou quem poderia executar a receita proposta por ele.
Enunciou da seguinte forma o problema: "Serra é inteligente, preparado, mas desagregador; Aécio é habilidoso, mas imaturo e desprovido de espírito público como demonstrou na fracassada tentativa de formação de uma chapa presidencial puro-sangue; Alckmin não tem o talento nem a inteligência de nenhum dos dois. Quem, então, seria o condutor da recuperação do projeto desse campo político, o senhor?".
Aludindo aos seus 81 anos de idade e a interesses pessoais mais ligados à reflexão que à estiva da política, o ex-presidente declinou. E aqui termina a narrativa de quem ouviu o episódio do autor da análise sem revelar se Fernando Henrique discordou e apontou um dos três como piloto habilitado à tarefa ou se deixou em aberto essa questão essencial.
Tão mais grave se notarmos que o presidente do partido, Sérgio Guerra, sequer figurava na lista dos políticos citados. Isso diz muito a respeito da ausência de comando reinante num partido que há seis meses obteve 44 milhões de votos na eleição presidencial da qual saiu fazendo exatamente o oposto do que propôs Tancredo Neves logo após ser eleito presidente pelo Congresso em 1985: "Não vamos nos dispersar".
Ao contrário do que os tucanos pretendem dar a entender, a crise em São Paulo não é um fato isolado, mas a parte visível do desequilíbrio geral reinante no PSDB.
Só um partido sem projeto claro permite que brigas de hegemonia prosperem sem que os litigantes se sintam minimamente responsáveis pela sobrevivência do conjunto. Só num partido sem eixo a direção nacional silencia ante a crise nascida em São Paulo com ninguém menos que o governador ao centro.
O PSDB hoje gravita em torno da possível candidatura presidencial de Aécio Neves em 2014, assim como gravitou em torno da esperança de eleger José Serra presidente, durante todo o governo Lula.
Durante os oito anos permaneceu parado adiando a resolução de embates, administrando os problemas de maneira perfunctória, recuando quando era preciso avançar, acreditando que a lei da gravidade lhe seria madrinha.
O PT repetiu equívocos por mais de dez anos, mas nesse meio tempo foi trabalhando adaptações, construindo uma identidade que seria decisiva na conquista da Presidência.
A disputa eleitoral é a meta de todos os partidos. Mas só chegam lá em boas condições os que compreendem que a política é a construção cotidiana de uma obra coletiva que acomode os interesses internos sem perder de vista a necessidade de despertar o interesse do público.
Razão e sensibilidade. O projeto de concessão dos aeroportos à iniciativa privada contraria o discurso estatizante do PT, põe o partido em franca contradição com tudo o que foi dito durante a última campanha eleitoral e vai de encontro ao pensamento da presidente Dilma Rousseff que, como chefe da Casa Civil, representou poderoso entrave à execução da proposta.
E por que o projeto anda agora, depois de oito anos no aguardo de uma decisão?
Porque é chegada a hora de conquistar eleitoralmente a classe média, público alvo da privatização com vistas à melhoria dos serviços no setor aéreo.
Elefante branco. A mudança do Conselho Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social da alçada das Relações Institucionais para a jurisdição de Assuntos Estratégicos não altera sua condição de irrelevância mor da República. 


Mais concessões para portos

Alberto Tamer - O Estado de S.Paulo
As obras e a privatização dos aeroportos estão atrasadas. O governo tem urgência.. Mas a questão mais importante não foi ainda atacada com a intensidade que o crescimento do comércio exterior brasileiro exige: os portos, onde as cargas aumentam a cada ano e as obras não seguem o mesmo ritmo.
Já tratei desse tema, mas há fatos novos e agravantes. Fontes ligadas à área de transporte portuário informam que é preciso mais dinamismo nas concessões para o setor privado.
Nada de novidades. As empresas concessionárias de terminais portuários dizem que não é preciso discutir uma nova lei de privatização. A lei de 1993 é boa. O modelo aplicado no Brasil é o mesmo da maioria dos outros países. A estabilidade das regras aplicadas aqui atraiu investimentos privados em equipamentos, construção e ampliação que permitiu movimentar, entre importação e exportação, US$ 383 bilhões em 2010. A maior parte dos investimentos se concentrou em Santos, por onde passaram 90 milhões de toneladas em 2010 - 15% a mais que no ano anterior.
O movimento de contêineres - 1,7 milhão de unidades apenas no Porto de Santos em 2010 - ainda consegue operar a contento, mas enfrenta problemas crescentes. Este ano vai aumentar cerca de 20%, pois as importações aumentam e as exportações também.
No Porto de Santos, o maior da América Latina e 41.º do mundo, nos últimos dez anos, o movimento de carga aumentou 128%! Passou de 43 milhões em 2000 para 98 milhões no ano passado.
O que falta. O governo fez muito, mas reconhece que é pouco. É preciso mais para que o Brasil deixe de representar pouco mais de 1% do comércio mundial. Admite que precisa do investimento privado, que respondeu à altura até agora. O que falta? Técnicos do setor apontam algumas soluções:
1 - Maior agilidade e estímulo na concessão, para que as empresas privadas ampliem suas áreas portuárias. Fato importantíssimo: para obter uma concessão leva-se hoje no mínimo seis meses. Para concluir as obras de ampliação, de dois a quatro anos, quando não seis.
2 - Mais transporte ferroviário. Aqui, os números são ridículos. Em Santos, apenas 30% da carga a granel e 6% dos contêineres são escoados por ferrovia. Tudo o mais é pelo já saturado sistema rodoviário. É o oposto da China. Algumas empresas têm projetos em andamento, mas dependem da criação de um anel ferroviário em São Paulo, prometido pelo governo.
3 - O governo deve continuar investindo em portos de águas profundas, com mais de 15 metros de calado, como Rio de Janeiro, Santos, Sepetiba e Suape. Disso depende a operação de navios grandes e a redução do custo da carga exportada.
Ajuda, mas está difícil. Um fato positivo é que o esforço do setor privado permitiu que o Brasil continuasse importando mais os produtos que o mercado interno demanda e exportando mais commodities. Sem isso, seria impossível chegar ao nível atual de movimento de carga. Mas o que preocupa é que as novas concessões demoram. Às vezes, chegam tarde e o Brasil está perdendo mercado para outros países.
Se não se fizer nada agora, já este ano, o Brasil não poderá vender e exportar tudo que produzir. Ainda há tempo, mas isso exige uma ação urgente e imediata. Não amanhã, já. Que tal o governo declarar também 2011 como o Ano dos Portos? 

Águas futuras

28/04/2011 - 07h08


Na última terça-feira foi o Rio que ficou debaixo d'água. As imagens logo remeteram às enchentes do início do ano. Sabíamos que, passadas as águas de março, o tema vai para gaveta, e retorna no verão seguinte. Todos aqueles planos, promessas, propostas, aqueles pedidos de liberação de verbas para emergências, que inundaram as telas da TV se calam, em um clique de botão, e a sociedade, conformada, espera, a repetição.
Todavia as chuvas não mais respeitam estação. E o Rio, submergiu.Na cobertura, surge o secretário que assume não ter conseguido realizar a previsão a tempo de avisar o povo. Tudo por água abaixo.
Parece aqueles filmes épicos que se repetem nos feriados de Páscoa e Natal; Ben-Hur, com a corrida de bigas; Charleston Heston, pela enésima vez. E as reportagens de feriadões, do Carnaval, com as mesmas filas, imagens e declarações.
Mas há solução sim. Nada que seja panaceia nem bala de prata que, em passe de mágica, resolva tudo. Primeiro, é questão mesmo de atitude, de cobrar, de perseverar, de não se conformar e de agir. Cada um fazer a sua parte e não ficar no comodismo da reclamação como se houvesse um semideus de plantão a resolver tudo. E há ideias, algumas já apresentadas por várias frentes que ficam sem resposta, sem a gente saber por que não são implantadas.
O exercício de acolher as sugestões, aplicá-las, avaliá-las não só atinge os resultados que elas proporcionam, como criam corrente positiva de soluções, interação com a sociedade, um clima a favor. Para não restarmos só a lamentar.
Podem ser pequenas coisas, mas que mudem hábitos. Podem ser projetos médios que, uma vez feitos, suscitem a vinda de outros formando uma cadeia regeneradora e criativa.
Hoje, destaco as calçadas verdes (sugestão enviada por Edson Martins e Fernando Nassif, por e-mail).
Luiz Carlos Murauskas - 31.mar.2011/Folhapress
Calçada verde na rua Manuel Pinto de Carvalho, no bairro do Limão, na zona norte de SP
Calçada verde na rua Manuel Pinto de Carvalho, no bairro do Limão, na zona norte de São Paulo
CALÇADAS VERDES
Foram introduzidas, segundo consta, no início do século 20, pela Cia. City, nos loteamentos do Jardim América, Pacaembu e City Lapa. Eram obrigatórias. Durante décadas, constituíram-se em paisagem fantástica, conforme documento Calçadas Verdes e Acessíveis de Gilmar Altamirano, José Roberto Andrade Amaral e Paulo Sérgio Silva --iniciativa da APPA (Associação Pompeia de Preservação Ambiental) com apoio da Secretária Municipal do Verde e do Meio Ambiente e Universidade da Água. Mas, limitaram-se ao setor rico da cidade. Por que a periferia não pode tê-las também?
Em 1972, a Lei do Zoneamento de São Paulo acabou com a obrigatoriedade nesses locais.
Em vez de estender aos mais pobres, nivelou-se pelo negativo: nem para pobres nem para ricos. Sem calçadas verdes,que hoje são exceções. Temos um bom exemplo na rua Mercedes, na Lapa, e em pequeno trecho na Faria Lima, perto do cruzamento com a Juscelino, sentido Pinheiros-Itaim. Além de mais bonitas, ajudam significativamente na drenagem da água da chuva. Não resolvem enchentes, porém minimizam seus efeitos. E é assim que se vai avançando.
Os canteiros centrais de várias avenidas também poderiam ser gramados. O projeto original da arquiteta Rosa Kliass, na Paulista, era gramado. Um radialista, segundo a história contada pelo documento citado, passou a protestar porque a travessia o levava a pisar na lama!!!
Óbvio que ele estava atravessando fora da faixa de pedestres, de forma anárquica. E venceu. Pavimentaram o canteiro. É o tipo de postura que muda a cidade para pior. E é absorvido sem a gente saber o motivo.
Calçadas verdes não são panaceia, como disse. Mas embelezariam a cidade, principalmente a periferia, que é tão inóspita, e ajudariam na drenagem. Melhor que o mar de asfalto. E podem ser feitas pela própria população, responsável pelos passeios em frente das residências.
É só seguir a cartilha da Prefeitura de São Paulo, estar atento à Lei 13.646, de 2003. Está lá como fazer.
Editoria de Arte/Folhapress
CONCEITO
Plantar árvores, arbustos, forração vertical (hera e unha-de-gato, por exemplo) e grama de forma organizada, gera o que o arquiteto-paisagista Benedito Abbud denomina de calçada verde.
A copa das grandes árvores minimiza a massa construída descontínua da cidade de São Paulo e propicia sombreamento (ambientes mais frescos).
Os arbustos e trepadeiras plantados em muros, viadutos e arrimos propiciam uma maior sensação de verde.
O conjunto melhora a qualidade ambiental, retendo o calor durante o dia e amortecendo o calor durante a noite.
As calçadas verdes contribuem para uma variação de temperatura menor e consequentemente uma população mais saudável.
Matuiti Mayezo - 19.dez.2007/Folhapress
Trecho de calçada da rua Tucuna, na Pompeia, zona oeste de SP, com faixa de grama que absorve água
Trecho de calçada da rua Tucuna, na Pompeia, zona oeste de SP, com faixa de grama que absorve água
Referências - Textos e Publicações
"Calçadas Verdes e Acessíveis", APPA (Associação Pompeia de Preservação Ambiental) com apoio da Secretária Municipal do Verde e do Meio Ambiente e Universidade da Água.
"Novo Conceito de Calçada para São Paulo", de Benedito Abbud, 2006
"Calçadas Verdes - Superfícies Construídas x Superfícies Verdes", de José Roberto Andrade Amaral, 2001
"Cartilha Cidadã - Como Tornar seu Bairro um Lugar Melhor para Viver", de Gilmar Altamirano. Universidade da Água, 2007
José Luiz Portella
José Luiz Portella Pereira, 58, é engenheiro civil especializado em gerenciamento de projetos, orçamento público, transportes e tráfego. Foi secretário-executivo dos Ministérios do Esporte e dos Transportes, secretário estadual dos Transportes Metropolitanos e de Serviços e Obras da Prefeitura de São Paulo e presidente da Fundação de Assistência ao Estudante. Formulou e im