segunda-feira, 31 de julho de 2017

Crise na pesquisa: tradicionais institutos estão à míngua em São Paulo, Globo Rural

No Estado mais rico do país, a crise financeira também afeta a pesquisa agropecuária, que nos últimos seis anos perdeu 21% do quadro de cientistas. O secretário de Agricultura e Abastecimento de São Paulo, Arnaldo Jardim, reconhece que a crise é grave, mas observa que o problema não é exclusivo da pesquisa agropecuária paulista. Ele lembra que a conjuntura financeira adversa afeta os mais diversos setores do serviço público em todo o país, como saúde e educação, que carecem de recursos tanto para custeio e investimento como para contratação de pessoal. “É preciso repensar o poder relativo do Estado”, diz ele.
Neste ano, o Tesouro do Estado de São Paulo  destinou R$ 235,9 milhões para a Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (Apta), que coordena a pesquisa agropecuária estadual. O valor é superior aos R$ 221,3 milhões do ano passado. Do total, 90% da verba é destinada aos gastos com pessoal, apesar de o quadro de servidores vir diminuindo a cada ano, principalmente nas atividades de apoio, como técnicos, agentes administrativos e os que realizam o serviço braçal.
Um retrato da situação atual é a Estação Experimental de Ribeirão Preto, um dos 15 polos da Apta, onde currais, pastos, galpões, baias de alimentação de gado e bezerreiros estão vazios. Só sobraram mato e teias de aranha. No local, um laboratório de leite que custou R$ 500 mil, inaugurado em 2012, está fechado. O  abandono da fazenda, que faz pesquisas com gado há 60 anos, atraiu 250 famílias ligadas ao MST, que invadiram o local em julho de 2016. Os sem-terra foram retirados dois dias depois.
Até o início de 2016, a fazenda abrigava 170 vacas da raça jersey, mas chegou a alojar até 350 animais. O rebanho foi transferido para a unidade da Apta em Nova Odessa, a 203 quilômetros de distância. “Alegaram que os furtos de vacas estavam aumentando e, em vez de investir em vigias, alambrado e alarmes, a direção optou por tirar as vacas. Os pesquisadores ficaram sem estrutura para trabalhar”, conta o presidente do Sindicato dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo (APqC), Joaquim Adelino Azevedo.
A retirada dos animais, que também eram usados em cursos de capacitação para pequenos criadores, ocorreu um mês antes de o governador Geraldo Alckmin apresentar um projeto de lei à Assembleia Legislativa para vender 79 áreas públicas, entre elas as terras de 13 institutos de pesquisa da Apta.
A Fazenda Experimental de Ribeirão perderia 250 hectares de seus 821 hectares, sendo que 200 já foram cedidos para o Centro de Cana do IAC (Instituto Agronômico de Campinas) e outros 213 para a Agrishow. A mobilização dos cientistas e de parceiros como a USP, a Unesp e o Sindicato Rural de Ribeirão, além de agências de fomento à pesquisa, frustrou a venda. O projeto foi aprovado no final de novembro de 2016, mas a fazenda de Ribeirão foi retirada da lista.
Crise (Foto: d.)
Menos gente
Na Fazenda Santa Elisa, do centenário Instituto Agrônomico (IAC), em Campinas, o mato toma conta das lavouras que formam o banco de germoplasma de café, um dos principiais símbolos da importância da pesquisa paulista para a economia brasileira. O programa de genética e melhoramento do IAC, iniciado em 1932, desenvolveu, selecionou, lançou e recomendou cultivares para São Paulo do Brasil e de outros países.
O café hoje gera no país uma renda de R$ 21,9 bilhões nas propriedades para mais de 650 mil produtores, além de uma receita de US$ 1,9 bilhão em exportação.
O mato invadindo os cafezais e o abandono na Estação de Ribeirão Preto refletem as dificuldades enfrentadas pela rede estadual de pesquisa agropecuária paulista coordenada pela Apta, que, além do IAC, conta com outros cinco institutos: Biológico (IB), Economia Agrícola (IEA), Zootecnia (IZ), Pesca (IP) e Tecnologia de Alimentos (ITAL).
Joaquim Azevedo, da APqC, denuncia que a estratégia do governo paulista é tornar as áreas inservíveis para depois justificar a venda de parte das áreas dos institutos. Ele arremata dizendo que uma das medidas mais eficazes para isso foi reduzir gradualmente o número de pesquisadores e de pessoal de apoio nas fazendas. Joaquim conta que, na reformulação do funcionalismo, o governo acabou com algumas carreiras, como a de vigia, trabalhador braçal e auxiliar, que atuavam nas lavouras e nos currais.
O último concurso para pesquisador foi realizado em 2003. Desde então, muitos se aposentaram ou migraram para outras empresas, já que o salário no Estado está congelado há cinco anos. Segundo ele, 62% dos pesquisadores da Apta têm mais de 50 anos. Sem auxiliares, os cientistas têm de arrumar suas salas, fazer o café e limpar o banheiro, se quiserem manter tudo em ordem.
Crise (Foto: d.)
Crise (Foto: d.)
Crise (Foto: d.)
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Royalties
O secretário Arnaldo Jardim concorda com as críticas quanto à falta de pessoal de apoio e explica que o problema será resolvido assim que a área jurídica der um parecer liberando a contratação de mão de obra para atuar no campo e nos escritórios, com base na nova lei da terceirização. Ele diz que, nos dias de hoje, não tem sentido realizar concursos para contratar funcionários que iriam realizar essas atividades, lembrando que muitas são sazonais.
Em relação à redução do quadro de pesquisadores, o secretário observa que o problema afeta outras secretarias, como Saúde e Educação, devido às restrições financeiras para a realização de novos concursos. Ele considera uma conquista o fato de o governador Geraldo Alckmin ter autorizado, em maio último, a realização de concursos para o preenchimento de 189 cargos na Secretaria de Agricultura, dos quais 33 são para pesquisadores científicos.
Pesquisadores têm de arrumar suas salas, fazer café e limpar os banheiros
Arnaldo espera resolver o problema da falta de recursos para custeio e investimento na pesquisa por meio de parcerias com o setor privado, como os entendimentos que estão sendo realizados entre os diversos institutos e as empresas do setor de alimentos, a fim de ampliar as linhas de pesquisas que podem ser realizadas em conjunto. Neste ano, a expectativa é captar R$ 44 milhões  por meio das parcerias e ainda contar com R$ 12 milhões da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). A expectativa é atingir um orçamento total de R$ 298 milhões.
Ele destacou também a nova legislação que permitirá a cobrança de royalties sobre as variedades registradas, inclusive com remuneração para o pesquisador autor do trabalho. Um dos segmentos é o de sementes de feijão, no qual o IAC detém 30% do mercado com suas variedades. “Até agora, as cultivares desenvolvidas, como é o caso do café, representaram muito para o país e os produtores, mas, para os institutos, ficou apenas o orgulho do dever cumprido. Recurso zero”, diz o secretário.
Outra nova alternativa para alavancar recursos para a pesquisa será o arrendamento de parte das áreas dos institutos para o setor privado por meio de licitações, nas quais os pesquisadores poderão continuar atuando em parceria para realizar seus experimentos. A  justificativa do governo para colocar parte de suas fazendas à venda foi que elas já não estavam sendo utilizadas para pesquisas e o governo paulista, diante da crise financeira, que implicou em queda na arrecadação, precisava buscar outras receitas.
Orlando Melo de Castro, coordenador da Apta, garante que não haverá prejuízo, argumentando que as estruturas dos institutos foram montadas ao longo de 100 anos e são atualmente muito grandes para o fim de pesquisa. “Agora, temos outra realidade. Por exemplo, o Centro de Cana de Ribeirão mantém mais de 100 parcerias com propriedades privadas. Ou seja, nem 2% da cana pesquisada está em áreas da estação experimental.” 
O presidente da APqC diz que, na prática, as parcerias já vêm acontecendo de maneira informal por iniciativa dos próprios pequisadores, que, na falta de condições nos institutos, buscam apoio dos produtores rurais para realizar os experimentos em suas fazendas.
Crise (Foto: d.)
Leite forte
No caso da Estação de Ribeirão Preto, a transferência das vacas interrompeu uma linha de pesquisa de produção de leite biofortificado através do enriquecimento da ração. O estudo era liderado pelos pesquisadores Marcia Saladini e Luiz Carlos Roma Junior, da Apta, em parceria com a Universidade de São Paulo.
“A pesquisa era pioneira no Brasil. Diferentemente do leite fortificado, que recebe os nutrientes especiais na indústria, usamos o organismo da vaca para preparar um alimento melhor para o consumo humano”, explica Hélio Vannucchi, da Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão.
O primeiro experimento foi com crianças em Pirassununga (SP). O segundo, com  idosos da Casa do Vovô de Ribeirão. A ração das vacas foi enriquecida com selênio, vitamina E e óleo de girassol, rico em gordura poli-insaturada ômega 3.
“No fim desses testes, sobraram muitas perguntas, que esperávamos responder com mais estudos para avançar no conhecimento científico, a fim de que, em alguns anos, o produto fosse disponibilizado para o mercado. Infelizmente, a direção da Apta optou por interromper essa linha de pesquisa que rendeu várias publicações e chamou a atenção da comunidade científica internacional”, afirma Hélio Vannucchi.

Crise (Foto: d.)
Pesquisa é estratégica para o país
A Estação Experimental de Ribeirão Preto, que agora está quase abandonada, é responsável por pesquisas estratégicas para o país. Lá, o pesquisador Geraldo Balieiro Neto desenvolveu um composto para substituir os antibióticos na ração de bovinos.
O surgimento das superbactérias tem levado muitos países a proibir o uso dos antibióticos para ganho de peso dos animais. Antevendo que a proibição será adotada no Brasil, Geraldo criou seu composto.
O produto natural, à base de anticorpos policlonais, é extraído da gema do ovo de galinhas poedeiras imunizadas por vacinas. Segundo ele, a pesquisa mostrou que os anticorpos ingeridos na ração possuem a mesma funcionalidade dos antibióticos, sem a desvantagem de inibir o crescimento das bactérias gram-positivas, benéficas aos animais.
Atualmente, o produto está em processo de patente no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi). O próximo passo é estabelecer parcerias para disponibilizar os anticorpos para os produtores.
A pesquisa de campo ocorreu em 2015 e 2016 com gado nelore puro confinado na fazenda. O composto foi produzido no moderno laboratório em que Geraldo faz suas análises, com apoio da Fundepag (Fundação de Desenvolvimento da Pesquisa do Agronegócio) e da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).
Caso o Ministério da Agricultura proíba os antibióticos sem ter uma alternativa no mercado, os animais vão pesar 12% a menos, a carne ficará mais cara e o Brasil perderá competitividade.
*Matéria publicada originalmente na edição de julho/2017 da revista Globo Rural

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