O campo político traz muitas tensões, mas a economia mostra-se resiliente
Celso Ming, O Estado de S.Paulo
05 Julho 2017 | 21h00
Há algumas semanas, ainda havia vaga sensação de que a economia vinha se descolando da crise política. Agora, a percepção é a de que ela está relativamente blindada.
Antes, em seus documentos oficiais e, também, nas entrevistas dos seus dirigentes, o Banco Central advertia para os riscos e para “as incertezas” da economia. A partir da semana passada, seu presidente, Ilan Goldfajn, preferiu dizer que a economia brasileira adquiriu “resistência a choques”. A diferença pode parecer sutil, mas não é.
Ilan concentrou a explicação na política cambial flexível conduzida sem sobressaltos, no tombo consistente da inflação e dos juros e na ancoragem das expectativas que permitiram o avanço estrutural que se viu com a queda da meta da inflação. No entanto, há mais fatores entre o céu e a terra apontando para nova resiliência da economia.
O mergulho da inflação, por exemplo, diz mais do que a sucessão de números frios. Apesar do forte desemprego, revela aumento da renda da população mais pobre, na medida em que aponta redução dos preços da alimentação e da moradia. Esse fator é mais relevante quando se leva em conta que entre 30% e 40% da força de trabalho se vira na informalidade, onde o dinheiro pingado se desvaloriza bem menos do que há 16 meses, quando a inflação estava acima dos 10% ao ano. É algo que dissemina certa sensação de alívio.
Não pode ser ignorada a força das Contas Externas. A balança comercial (exportações menos importações) deve fechar o ano com saldo positivo em torno dos US$ 70 bilhões, equivalente ao da entrada de dólares por meio dos Investimentos Diretos no País. É situação que desestimula corridas ao dólar.
Em abril, às vésperas da divulgação dos depoimentos de Marcelo Odebrecht, propalava-se que viria a “delação do fim do mundo”. No entanto, nem a Bolsa derreteu, nem as cotações da moeda estrangeira dispararam. Veio depois a divulgação bomba das gravações de Joesley Batista. O mercado financeiro surfou sobre alguns vagalhões para, em seguida, voltar ao normal. Há duas semanas saiu a denúncia do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que, pela primeira vez, incriminou um presidente da República no exercício do cargo. E nada de relevante aconteceu no mercado financeiro.
As condições das finanças públicas se deterioram todos os dias, a dívida bruta vai disparando para a altura dos 80% do PIB, os políticos estão no modo sobrevivência, mas, aos trancos, parte das reformas avança, como se vê diante da iminência da aprovação das novas regras trabalhistas.
Apesar da crise e de tudo o que a acompanha, ninguém prevê que a atual coalizão no poder se esmigalhe e que, com ela, a equipe econômica seja substituída por saltimbancos como Arno Augustin, secretário do Tesouro do governo Dilma, que inventou as pedaladas e a desastrada nova matriz macroeconômica.
A maior resistência da economia a choques produz duas consequências práticas. Primeira, produz certa indiferença da população, já cansada das denúncias, quanto ao desfecho da crise política. É o que explica o esvaziamento das manifestações. E, segunda, cria a percepção de que a solução dos problemas econômicos está mais na observância dos manuais e da ortodoxia do que nas intervenções voluntaristas.
O quanto isso dura é outro assunto. Depende, por exemplo, de que a área fiscal não degringole de uma vez.
CONFIRA:
» Nova baixa da gasolina?
As cotações do petróleo voltaram a apontar falta de chão. O corte de 1,8 milhão de barris diários determinado pela Opep há sete meses não está sendo suficiente para reequilibrar oferta e procura diante da robustez da produção. As autoridades da Arábia Saudita apontam para a necessidade de aumentar os cortes de oferta. Nesta quarta-feira, as cotações do Brent caíram 3,67%, como mostra o gráfico. A nova política da Petrobrás de seguir de perto os preços internacionais sugere nova baixa nos combustíveis.
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