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Albert Fishlow*
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Maio 2016 | 03h 00
Há mais alguma coisa importante a
dizer? Agências de notícias nacionais e internacionais cobriram extensivamente
o julgamento no Senado de Dilma Rousseff mesmo antes do voto na Câmara que
aprovou a continuação do processo de impeachment. Raramente se viu tão ampla
cobertura do Brasil.
Duas questões importantes foram menos
discutidas e justificam uma análise.
A primeira é a clara diferença entre
a cobertura nacional e a internacional. Ao passo que as fontes nacionais
enfatizaram o extenso processo de julgamento, estabelecido pela Constituição,
daí sua legitimidade, no exterior falou-se mais sobre um vergonhoso “golpe”
perpetrado pelos ricos cujo poder foi reduzido pelo PT para favorecer os
pobres. Na América do Sul, Venezuela e Bolívia se uniram ao clamor.
Simplesmente, tenha sido o processo
judicial ou político, o fato é que a frustração com mais uma década perdida
transbordou para uma ação imediata.
A segunda questão vem depois. E neste
caso analisei rapidamente as perspectivas de mudança como resultado do ato do
Senado.
Hamilton, baseado na vida do primeiro
secretário do Tesouro norte-americano, Alexander Hamilton, é hoje o musical mais
popular em Nova York, e com justiça. O grande interesse público fez com que ele
continue estampado na nota de 10 dólares. Era um homem sábio e à frente do seu
tempo. Lembro uma das suas citações: “o maior perigo será de que o
(impeachment) seja dirigido mais pela força comparativa dos partidos do que por
uma real demonstração de inocência ou culpa”. Onde o político termina e a lei
constitucional começa?
Não há dúvida que os “restos a pagar”
ocultos de Dilma, a insistência no congelamento de preços e a rápida ampliação
de uma burocracia de Estado com fraco desempenho contribuíram diretamente para
a queda do Brasil, afastando-se de um avanço iminente para a condição de país
em desenvolvimento. Envolvida como dirigente do Conselho da Petrobrás desde
2005, o que ocorreu na estatal com a Lava Jato é outro caso. Sua inabilidade
para trabalhar com o Congresso e a total insistência na sua própria capacidade
econômica são bem conhecidas.
Isso é suficiente para um
impeachment? Até certo ponto, o impeachment politicamente motivado se converteu
em um voto de confiança do Parlamento e daí a necessidade de uma nova eleição.
Em agosto do ano passado, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso apelou à
renúncia de Dilma como um meio de solucionar a crise persistente. Na semana
passada, o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa sugeriu uma
nova eleição como a única maneira de sair do impasse, mas para isso seria
necessária a renúncia de Dilma e do vice Michel Temer. O que certamente não
sucederá.
Agora, Temer está no comando por um
prazo máximo de 180 dias, período em que o Senado deverá reconsiderar seu voto
anterior, 55 senadores a favor de uma saída temporária de Dilma e 22 contra. Um
gabinete de governo modestamente menor foi formado, consistindo de homens
brancos e mais velhos vindos de 11 partidos políticos. Muitos foram
selecionados entre membros do Congresso, indicando o reconhecimento de Temer de
que a maior tarefa que tem pela frente nos próximos dois anos e meio é aprovar
leis que permitam a retomada do crescimento econômico.
Temos de saber mais do ministro da
Fazenda Henrique Meirelles sobre suas opções para postos dentro do ministério,
como também o presidente do Banco Central. Ele não descartou impostos
provisórios, como a CPMF, e também se referiu a reduções de gastos. O que já
levou muita gente a rever para cima suas estimativas de crescimento de renda e
reduções no déficit fiscal, mesmo para 2016 e mais para 2017. Há uma confiança
internacional em sua liderança e provavelmente teremos um aumento dos
investimentos, nacionais e estrangeiros.
Uma revisão séria, contudo, levará
tempo. Este Congresso, afinal, fez pouco até agora. O grande perigo é acreditar
que os problemas econômicos e políticos serão resolvidos em breve. O excesso de
confiança comporta riscos, como quando Dilma prometeu em 2011, quando os preços
do petróleo estavam na faixa dos US$ 150 o barril, dobrar a renda pessoal em
2022. Prometer demais e muito rapidamente é uma prática ruim que uma boa
liderança deve evitar.
Temer já se comprometeu a manter os
avanços sociais realizados nas últimas décadas. Similarmente, está se abrindo a
uma maior participação privada para ajudar a financiar os necessários
investimentos na infraestrutura brasileira e em outras áreas. E mudanças são
necessárias nos campos da educação, saúde, habitação e saneamento, além da
Previdência Social.
Bons projetos demandam tempo para
planejar e supervisionar. A pressa pode ter resultados negativos: O BNDES e o
PAC são bons exemplos. Sempre existe a tentação de responder com novas
nomeações políticas para satisfazer demandas que naturalmente ocorrerão. O que
logo intensificará o grande problema do Brasil: um Estado inchado sempre
necessitando de recursos adicionais sem resolver de modo adequado os problemas
subjacentes. Foi exatamente o que sucedeu nas últimas décadas.
No âmbito político, revisões há muito
tempo prometidas do processo eleitoral e uma redução no número de partidos têm
despertado atenção limitada. O foco maior é no debate acadêmico e não na
implementação de medidas. Entretanto, são mudanças necessárias se o objetivo é
evitar o que ocorre neste momento: a decisão de antigos líderes do PT dentro de
municípios de buscar alternativas mais complacentes. Um número menor de
partidos políticos se traduzirá numa escolha popular de fato e uma melhor
governança.
Foi prometido que as investigações
judiciais continuarão. Não sabemos quais novas evidências surgirão. Pela
primeira vez, líderes da indústria e políticos enfrentam a possibilidade de
sentenças de prisão longas ou delação premiada. Esta última, como temos visto,
tem sido cada vez mais usada. Agora que Dilma também está sob investigação,
esse processo deve acelerar.
O Ministério Público atraiu
procuradores jovens e empenhados que estão gerando mudanças reais e cada vez
maiores. Enquanto muitos líderes políticos hoje de algum modo se apagaram, as
multidões nas manifestações e em respostas a pesquisas populares deixaram clara
sua importância. Na verdade, Dilma nomeou novamente Rodrigo Janot no início do
seu segundo mandato e não existe nenhuma evidência de que contabilizou ganhos.
O juiz Sergio Moro é reverenciado pelos seus esforços persistentes na busca da
verdade.
E como ficamos? Nos últimos anos
escrevi dois livros, O Novo Brasil, e uma versão posterior mais curta em
inglês, Starting Over. Talvez os títulos tenham sido muito otimistas. A
combinação de uma boa macroeconomia, uma classe média em expansão e uma
substancial redução da pobreza era a promessa de um Brasil melhor no futuro.
Não é tarde demais, mas recomeçar não
será tarefa fácil. Houve avanços importantes. Tudo o que é necessário agora é
uma melhor governança e racionalidade econômica. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA
MARTINO
*Albert Fishlow é economista e
cientista político
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