No entanto, especialistas e grupos sociais avaliam que a isonomia garantida na Constituição ainda não se traduz no cotidiano
04 de outubro de 2013 | 22h 00
Lilian Venturini e Valmar Hupsel Filho - O Estado de S. Paulo
O caráter universalista da Constituição de 1988, com o princípio de que “todos são iguais perante a lei”, significou importante avanço na garantia dos direitos dos brasileiros, em especial às chamadas “minorias”. Após 25 anos, porém, especialistas e representantes de grupos sociais avaliam que a isonomia assegurada pela Carta ainda não se traduz de forma efetiva no cotidiano.
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Para o professor de Direito Constitucional da USP, Rubens Decak, o diferencial da Constituição foi a forma mais abrangente com que foram observados os direitos, até mesmo aqueles que já eram previstos antes dela. “Basta ver o artigo 5.º da Constituição. Estão ali de maneira que abre a possibilidade de serem reconhecidos cada vez mais e melhor. Este é um salto diferencial tremendo”, diz.
Foi a forma como o texto foi construído, na opinião de Decak, que permitiu que a Carta reconhecesse a garantia de todos os direitos – políticos, sociais, trabalhistas – previstos no momento de sua promulgação, como a igualdade entre homens e mulheres. A Constituição, segundo ele, abriu a possibilidade para que demandas que se tornaram mais explícitas na sociedade nos anos seguintes fossem atendidas, a exemplo de garantia de direitos civis para casais do mesmo sexo. Essa reivindicação, no entanto, veio através da constitucionalidade decidida pelo Supremo Tribunal Federal, já que o Congresso nunca aprovou lei nesse sentido.
Além de assegurar garantias às mulheres, aos homossexuais e aos negros, os artigos da Carta serviram de inspiração para outras legislações. Segundo o constitucionalista Dimitri Dimoulis, professor da Direito GV, podem ser mencionados como consequência os Códigos de Defesa do Consumidor, do Idoso, da Criança e do Adolescente.
Apesar de enumerar dezenas de políticas públicas e leis elaboradas em resposta à Carta, como a Lei Maria da Penha e a revisão do Código Civil, a socióloga Guacira Oliveira pondera o longo tempo que parte delas levaram até saírem do papel. “O poder público ainda deve muito para garantir a igualdade que a Constituição nos assegurou”, afirma Guacira, que militava em movimentos feministas que apresentaram sugestões e demandas à Assembleia Constituinte na década de 80 e hoje faz parte do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea). A socióloga lembra da chamada PEC dos Trabalhadores Domésticos, que assegurou à categoria garantias iguais a de outros profissionais, mas foi aprovada somente neste ano.
Dimitri Dimoulis concorda com essa avaliação e destaca a dificuldade maior com que certos segmentos tenham seus direitos assegurados. Para o professor, a comunidade indígena está entre os grupos mais desprotegidos atualmente. Apesar de a Carta de 88 ter sido relevante por reconhecer o direito à terra e à preservação da cultura indígena, Dimoulis avalia que o texto vem encontrando dificuldades em ser colocado em prática.
“Antes da Constituição, os índios era ignorados. Houve inegáveis avanços, mas eles não se efetivaram por completo”, afirma Cléber Busatto, superintendente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). “São muito fortes os ataques de setores econômicos que têm interesse no acesso e exploração de territórios indígenas, incluindo áreas já demarcadas.”
Guacira Oliveira vê com preocupação o atual cenário dos direitos humanos. Para ela, a influência de setores econômicos e religiosos no sistema político podem interferir na elaboração de ações públicas e nas decisões dos agentes políticos. Como exemplo, lembra a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) em discussão no Congresso que quer transferir para o Legislativo a autonomia para demarcação de terras indígenas e de quilombolas, hoje sob responsabilidade do governo federal.
“A gente está num momento político em que os retrocessos ameaçam mais do que antes (do período da Constituinte). A agenda da igualdade está muito ameaçada”, afirma a socióloga.
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