quarta-feira, 27 de julho de 2011

Crise econômica e o choque de gerações


O que ocorre é que os futuros adultos pagarão as contas das extravagâncias dos pais

21 de julho de 2011 | 0h 00
Thomas L. Friedman, The New York Times - O Estado de S.Paulo
Na realidade, eu deveria estar em Washington, observando o drama da dívida americana, mas optei por ficar na Grécia, para ver a sua versão "off-Broadway". Vários pontos referentes a esta tragédia global do endividamento podem ser analisados melhor daqui, embora em escala menor, a começar por seu enredo puro e simples, que ninguém descreveu melhor do que o acadêmico David Rothkopf, da Carnegie Endowment: "Quando a Guerra Fria acabou, achamos que haveria um choque de civilizações. Ocorre que, agora, está havendo um choque de gerações".
De fato, se temos a percepção de que as crises da Europa e dos Estados Unidos se assemelham é por causa da profunda sensação de que os "baby boomers têm-se comportado mal" - no sentido de que a geração que chegou à idade adulta nos últimos 50 anos, a minha geração, será lembrada em grande parte pela incrível generosidade e liberdade que recebeu dos pais e pelo incrível ônus da dívida e pelas dificuldades que deixa para seus filhos.
Não surpreende que os jovens gregos tenham reagido com tanta violência quando seu vice-primeiro-ministro, Theodoros Pangalos, referindo-se a todos os empréstimos e subsídios da União Europeia que alimentaram a orgia de gastos grega, depois de 1981, disse: "Todos nós nos fartamos" - querendo dizer, o povo e os políticos. Isto se aplica à geração grega nascida depois da 2.ª Guerra, hoje nos seus 50 e 60 anos.
Mas os que se tornam adultos hoje jamais chegarão a experimentar nem um bocado: eles receberão a conta. E estão muito conscientes disso.
Protestos. É o que se constata caminhando pela Praça Syntagma no centro de Atenas, onde os jovens agora se reúnem todas as noites para debater a crise e deixar registrado seu protesto contra o futuro que lhes está sendo imposto. As fachadas dos bancos ao redor da praça foram desfiguradas, e há duas bandeiras que se agitam no vento. Uma diz: "Funcionário do Ano do FMI" e tem a imagem do primeiro-ministro George Papandreou. A outra: "Funcionário do Ano da Goldman Sachs", com imagem do ex-ministro das Finanças George Papaconstantinou. (E estes são os bonzinhos, que procuram resolver o problema.)
Nas proximidades, há a imagem de uma criancinha, e diz: "Pai, de que lado você estava quando eles venderam nosso país?" E outras mais diretas: "Deixe a ira falar", "Guerra de classes, não guerra nacional", e, finalmente: "Vida, não apenas sobrevivência" - uma mensagem que é mais uma premonição sobre como será a próxima década para os jovens gregos.
Fiquei impressionado com a grande semelhança entre o que ouvi na Praça Tahrir, no Cairo, em fevereiro, e o que se ouve hoje na Praça Syntagma.
A palavra "justiça" é mais ouvida do que "liberdade". É que os cidadãos de ambos os países têm a profunda sensação de que foram roubados, a percepção de que, na última década, no Egito e na Grécia o capitalismo se revelou em sua pior deformação: fraudes, corrupção, favorecimento, que deixaram algumas pessoas fantasticamente ricas apenas por estar próximas do poder.
Por isso há urgência, não apenas de liberdade, mas de justiça. Ou, como diz Rothkopf: "Não apenas de responsabilidade, mas também de que as autoridades respondam pelos próprios atos".
"Ninguém faz piadas sobre a crise", comentou o romancista grego Christos Chomenidis. "Todo mundo está irritado. Parece que todos estão contra todos. Se a situação econômica se agravar cada vez mais, tenho medo do que poderá acontecer". Um dia desses, os taxistas gregos que estavam em greve tentaram abrir caminho à força até o gabinete do ministro da Infraestrutura - e ali descobriram que já estava tomado pelos próprios funcionários do ministério em greve.
Semelhança. Esta é mais uma das semelhanças entre a Grécia e os Estados Unidos: a impossibilidade de resolver as coisas básicas; o fato de os políticos da geração do "baby boom" não estarem talvez preparados para resolver problemas desta magnitude na era do Twitter. Há Eric Cantor em toda parte - políticos temerários nascidos depois da 2.ª Guerra para os quais nunca as crises são profundas a ponto de fazer com que eles abram mão da ambição política e da ideologia.
Mas a China está alerta: ela compra continuamente títulos espanhóis, portugueses e gregos para ajudar a estabilizar estes mercados de exportação chineses. "Vivemos em tempos muito delicados, e nós assumimos um papel positivo", disse em janeiro Yi Gang, vice-presidente do Banco Popular da China, ao jornal britânico The Guardian.
Este é o papel que cabia antes aos Estados Unidos, que agora não o podem mais exercer. Os que acham que, se esta crise econômica se prolongar, não acelerará também um deslocamento do poder global, nunca ouviram falar da regra de ouro: Quem tem ouro, dita as regras.
"Estamos acostumados a ver os americanos estabelecendo as regras para a Europa e liderando", disse Vassilis T. Karatzas, um gestor de fundos grego. "Mas o que acontecerá se ambos estivermos no mesmo barco?" O que acontece é que tanto os sonhos americanos quanto os europeus dependem de um futuro incerto. Ou todos nós adotamos modelos de crescimento mais sustentáveis para nossas nações - que exigirão cortes, impostos e investimentos no futuro - ou olharemos para um mundo no qual as democracias se voltarão contra si mesmas, lutando cada vez por bolos menores, enquanto a China terá cada vez mais autoridade para estabelecer o tamanho das fatias do bolo. / TRADUÇÃO ANNA CAPOVILLA
É COLUNISTA, ESCRITOR E GANHADOR DO PRÊMIO PULITZER 

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Diesel de cana chega às ruas paulistas


Mercedes-Benz testa combustível menos poluente que diesel comum 

01 de maio de 2010 | 18h 50
Cleide Silva, de O Estado de S. Paulo
SÃO PAULO - Uma minifrota de ônibus começa a rodar em São Paulo este mês com um combustível feito de cana-de-açúcar que resultou em um inédito tipo de diesel, bem menos poluente do que o produto comum. A Mercedes-Benz, maior fabricante brasileira de ônibus e caminhões, vai testar o combustível que, futuramente, poderá ser usado em larga escala.
Os testes internos feitos pela empresa, com fábrica em São Bernardo do Campo (SP), provaram que o diesel da cana emite 9% menos material particulado na atmosfera – aquela fumaça preta que sai dos escapamentos – em relação ao diesel de petróleo, o mais poluente dos combustíveis fósseis.
O diesel de cana, praticamente isento de enxofre, começou a ser desenvolvido há dois anos pela empresa americana Amyris, cuja subsidiária brasileira abriu um laboratório em Campinas (SP). O produto chega aos tanques dos veículos inicialmente numa porção de 10% misturada ao diesel derivado do petróleo. A Mercedes-Benz vai ampliar a mistura gradativamente, até chegar aos 100%.
"Só com os 10% misturados ao diesel utilizado em São Paulo, o S50, com 50 ppm (partes por milhão) de enxofre, já conseguimos um grande resultado, que é o de uma queda de 9% na emissão de material particulado", informa Gilberto Leal, gerente de desenvolvimento de motores da Mercedes-Benz.
A redução na emissão já foi comprovada em testes internos feito pela montadora, que agora vai verificar o comportamento do combustível nas ruas. Vários ônibus que percorrem regiões centrais da cidade, onde congestionamentos e poluição são elevados, vão rodar com a mistura de 10% de diesel de cana. A performance desses veículos será comparada à de ônibus que fazem o mesmo percurso abastecidos com diesel comum.
Emissão menor
Em testes de laboratório, o uso de 100% de diesel de cana mostrou redução de mais de 30% na emissão de poluentes. Leal afirma que o produto poderá abastecer também outros tipos de veículos, como caminhões e utilitários. O motor do veículo não precisa ser adaptado para rodar com o novo combustível. A expectativa é de que o custo na bomba seja igual ou inferior ao do diesel comum.
Além do diesel de cana, a Mercedes-Benz testa no País diferentes misturas do biodiesel e busca parcerias em universidades para desenvolver o biodiesel de segunda geração, feito com restos de madeira, cascas de árvores etc., fórmula que não compete com o biodiesel feito de grãos de alimentos.
Além de benéfico ao meio ambiente, o novo diesel poderá ajudar o Brasil a vencer uma antiga barreira, a da exportação de combustível derivado da cana, negócio que não teve o resultado esperado com o álcool – ou etanol, como passou a ser chamado para ganhar visão no mercado internacional.
Carros que utilizam 100% de etanol nos tanques só existem no Brasil. Vários países adotam uma mistura do produto de, no máximo, 10%. Os EUA têm uma proporção maior, de 85%, mas o álcool é feito de beterraba e seu uso é restrito. Já o diesel move a maioria dos automóveis nos países europeus. No Brasil, os carros de passeio são proibidos de rodar com diesel. "O diesel de cana é uma solução energética muito boa e pode abrir as portas ao País para a exportação", diz Leal. "É um tremendo achado, pois pode atuar na redução de emissões e também ser alternativa ao petróleo."
Quando inaugurou o laboratório em Campinas, a direção da Amyris informou que a meta era produzir 400 milhões de litros em 2010 e 1 bilhão de litros em 2012. A intenção das empresas é usar o diesel de cana inicialmente como mistura, por causa da baixa produção.
  

Urge bom senso nas negociações salariais


17 de julho de 2011 | 0h 00
Sérgio Amad Costa - O Estado de S.Paulo
Boa oferta de emprego, inflação ameaçando o País e desaceleração da economia compõem o cenário para este segundo semestre. Exageros são esperados nas reivindicações salariais. Cerca de 7 milhões de trabalhadores serão representados por seus sindicatos nas campanhas para as convenções ou acordos coletivos de trabalho. Categorias muito bem organizadas têm data-base nesse período: petroleiros, bancários, metalúrgicos, químicos, entre outras.
Trata-se de cenário que faz crer na possível ocorrência de uma onda de movimentos paredistas, em busca de maiores salários. Centrais sindicais já acenam para tal possibilidade. Alguns dirigentes de sindicatos estão procurando inflamar o movimento com declarações equivocadas. Uma delas é a de que há um sentimento dos trabalhadores de que o Brasil cresceu e eles não receberam nada em troca. Assim, existe uma predisposição para uma campanha salarial mais exigente.
Equivocam-se esses dirigentes, pois o País cresceu economicamente e houve, sim, um retorno salarial para os trabalhadores em geral. Podemos citar, como exemplo, o que ocorreu em 2010. Segundo o Departamento Intersindical de Estudos Socioeconômicos (Dieese), no ano passado, 93% dos pisos salariais, definidos em 660 convenções coletivas ou acordos coletivos de trabalho, tiveram aumento acima do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC). Alguns pisos chegaram a ter 8% de aumento real, fora o reajuste da inflação.
Também tiveram ganhos reais, em 2010, os trabalhadores de faixas salariais mais elevadas. Ou seja, 87% das 700 negociações coletivas acompanhadas pelo Dieese obtiveram aumento real de salários, isto é, acima da inflação. Cumpre ressaltar que foi a maior porcentagem de acordos com aumento real observada em toda a série iniciada em 1996.
Outra declaração equivocada de vários dirigentes sindicais e que provoca um ambiente desfavorável para o diálogo nas negociações é que "salário não gera inflação e ponto final". Ora, dependendo de como é concedido o aumento salarial, em função do contexto em que ele ocorre, pode, sim, gerar inflação.
Os acréscimos reais de salários, para não contribuírem para um processo inflacionário, devem ser acompanhados por ganhos de produtividade e sintonizados ao contexto do mercado interno e externo, variando de setor a setor da economia. Os salários sendo elevados e a produtividade permanecendo a mesma, obviamente alguém terá de pagar por esse desequilíbrio. Esse alguém é o consumidor. E, vale lembrar, quem recebeu esse aumento salarial, desacompanhado de crescimento da produtividade, é também um consumidor. No final, ninguém ganhou, todos perderam.
Finalmente, para as próximas negociações salariais, não podemos esquecer de outro componente que está ameaçando, e muito, o equilíbrio inflacionário no País: trata-se da indexação que foi feita no salário mínimo, mediante a Lei n.º 12.382, de 25 de fevereiro de 2011. O reajuste no início de 2012 levará em conta a variação do INPC acumulada nos 12 meses anteriores ao mês do reajuste. Também será utilizado, para o cálculo, o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) no ano de 2010, que foi de 7,5%. Portanto, o aumento será de cerca de 14%.
O problema não está no valor do reajuste do mínimo, mas, sim, na forma na qual se concede tal aumento. Essa é uma modalidade baseada nos nossos antigos gatilhos salariais e que, com certeza, afetará diretamente os preços dos produtos e dos serviços. Será que algum dirigente sindical, em sã consciência, duvida de que os reajustes nos preços acontecerão também automaticamente?
Assim, faz-se necessário que tanto os sindicatos quanto as empresas tenham muito bom senso nessas próximas negociações salariais, levando em conta o cenário atual da economia, que está sob a ameaça real da volta da inflação. Caso contrário, correremos o risco de perder essa estabilidade econômica, que com tanto esforço conquistamos nesses últimos 16 anos.
PROFESSOR DE RECURSOS HUMANOS E RELAÇÕES TRABALHISTA DAS FGV-SP 

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