terça-feira, 3 de dezembro de 2024

Transição energética no transporte pede mais cooperação internacional para superar barreiras ao etanol, Agência Fapesp (definitivo)

 José Tadeu Arantes | Agência FAPESP – A transição energética ainda não ocorreu no setor de transportes. Em uma década, de 2011 a 2021, o segmento renovável no consumo energético do transporte global sobre pneus evoluiu de 2,6% para apenas 3,9%. Em um contexto de crise climática, que exige respostas urgentes e ousadas, um aumento dessa ordem pode ser considerado irrisório, para não dizer vergonhoso. “O transporte permanece atavicamente vinculado ao petróleo”, disse o pesquisador Luiz Augusto Horta Nogueira na 10ª Conferência FAPESP 2024 .

Ex-diretor da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), Horta Nogueira é professor de sistemas energéticos na Universidade Federal de Itajubá (Unifei), pesquisador associado do Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Energético da Universidade Estadual de Campinas (Nipe-Unicamp) e consultor em agências da Organização das Nações Unidas (ONU) e de bancos de desenvolvimento. Sua conferência, que tratou do tema “O Futuro dos Combustíveis para a Mobilidade no Brasil”, foi a última deste ano. Ele enfatizou a necessidade de soluções sustentáveis para reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEE).

Circulam atualmente pelo mundo cerca de 1,4 bilhão de veículos. No Brasil, são aproximadamente 100 milhões de veículos registrados – o que dá uma média de quase um veículo para cada duas pessoas. A necessidade de descarbonização do setor é premente. Para isso, Horta Nogueira defendeu uma solução híbrida, que conjugue as virtudes da eletricidade e dos biocombustíveis. “A ideia de que o motor a combustão interna será completamente substituído em pouco tempo não é realista. Em vez disso, precisamos olhar para soluções intermediárias, como os veículos híbridos, que unem o melhor de dois mundos”, argumentou.

O carro elétrico tem um grande torque de partida, que possibilita transitar rapidamente da velocidade zero à velocidade de cruzeiro. E tem frenagem regenerativa, que possibilita gerar eletricidade e recarregar a bateria com a energia cinética subtraída das rodas. Já os biocombustíveis permitem gerar eletricidade no próprio veículo, reduzindo drasticamente o tamanho e o peso das baterias e agilizando o processo de recarga. “Os veículos híbridos são mais econômicos, produzem menor impacto ambiental no ciclo de vida e oferecem maior autonomia em comparação aos veículos elétricos puros”, afirmou Horta Nogueira.

E destacou como solução ideal os híbridos plug-in, que combinam motor elétrico e motor a combustão e podem ser recarregados tanto internamente, a partir do funcionamento do motor a combustão, quanto externamente, em tomadas ou estações de carregamento. “Com o uso de etanol como combustível, esses veículos permitem reduzir drasticamente a emissão de gases de efeito estufa”, falou.

Além das baixas emissões, Horta Nogueira destacou outras vantagens do etanol em comparação com a gasolina, especialmente em motores de ciclo Atkinson, utilizados em veículos híbridos. Ele explicou que o etanol tem maior resistência à detonação e permite maior eficiência térmica nos motores, o que resulta em desempenho superior. “Hoje, como combustível puro ou adicionado à gasolina, o etanol é usado em mais de 70 países, e o Brasil tem um papel de liderança nesse mercado. Nossa experiência com motores flex e nossa tecnologia avançada nos colocam em posição privilegiada para liderar a transição global para biocombustíveis", enfatizou.

Outro tópico destacado foi o impacto social e econômico da bioenergia. “A produção de etanol gera até seis vezes mais empregos por unidade de energia em comparação aos combustíveis fósseis. Além disso, contribui para fixar as populações no campo e desenvolver as regiões produtoras”, ressaltou.

Apesar das vantagens, Horta Nogueira alertou para os desafios que ainda precisam ser enfrentados. Entre eles, destacou a distribuição desigual do etanol, tanto no Brasil quanto no mundo, a dependência de fertilizantes importados na produção agrícola e a competição com combustíveis sintéticos em mercados como a Europa. Além disso, criticou políticas públicas que favorecem veículos elétricos puros sem considerar o ciclo de vida completo, desde a produção até o descarte das baterias. “Precisamos de políticas públicas que reconheçam as vantagens do etanol e incentivem seu uso, não apenas no Brasil, mas em todo o mundo. A hibridação é o caminho mais racional para reduzir as emissões no transporte”, falou.

Horta Nogueira também mencionou o potencial de países da África Subsaariana e da América Latina para expandir a produção de biocombustíveis de forma sustentável. E argumentou que uma maior cooperação internacional é essencial para superar barreiras políticas e econômicas que impedem o uso mais amplo do etanol. “É um paradoxo que países como a Guatemala, que é grande exportadora de etanol, não utilizem esse combustível em sua matriz interna. Isso reflete a necessidade de maior esclarecimento, dados objetivos e políticas coerentes”, disse.

O pesquisador ponderou que o etanol, associado a veículos híbridos, não é apenas uma solução para o Brasil, mas uma resposta global à crise climática e à necessidade de mobilidade sustentável. Ele informou que o país já possui instrumentos importantes, como o RenovaBio, a Política Nacional de Biocombustíveis, para certificar a sustentabilidade da produção e consolidar sua liderança no mercado de biocombustíveis. “O futuro da mobilidade está em nossas mãos, e o Brasil tem todas as condições de ser protagonista nessa transformação”, finalizou.

Leia mais sobre o tema na entrevista concedida por Horta Nogueira à Agência FAPESP: “Em vez de elétricos puros, veículos híbridos, com biocombustíveis, são o futuro, diz especialista”.

A 10ª Conferência FAPESP 2024 foi aberta por Carmino Antonio de Souza, vice-presidente da FAPESP, representando o presidente, Marco Antonio Zago. Teve a participação do professor Fernando Ferreira Costa, coordenador da Comissão Organizadora das Conferências FAPESP e Escolas FAPESP. E foi moderada pelos professores Rubens Maciel Filho, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e Ciro Antonio Rosolem, da Universidade Estadual Paulista (Unesp).

A conferência pode ser assistida na íntegra em: www.youtube.com/watch?v=D3tov6CeRvA&t=293s.
 

segunda-feira, 2 de dezembro de 2024

OPINIÃO - ROBERTO LUIS TROSTER A cegueira cambial, FSP

Roberto Luis Troster

Doutor em economia e consultor, é ex-economista-chefe da Febraban (Federação Brasileira de Bancos)

O ponto principal deste artigo é que a cotação da divisa norte americana é um problemão —e continuará a ser se não mudarem a política cambial. Apesar do nome de câmbio flexível, o regime cambial brasileiro é de câmbio volátil.

O câmbio flutuante é um regime em que a taxa de câmbio se ajusta automaticamente às condições da economia. As variações da produtividade do setor não financeiro em relação ao resto do mundo são compensadas com variações na taxa de câmbio. Há ajustes também em função da variação do diferencial entre as taxas de juros internas e as internacionais.

Na sexta (29), o dólar fechou em alta de 0,19%, a R$ 6,001, e a Bolsa subiu 0,84%, aos 125.667 pontos -Dado Ruvic/Reuteres - REUTERS

Neste ano, a taxa de câmbio oscilou 19,6% e, no último mês, 6,4%. Portanto, muito mais do que as variações da produtividade do setor não financeiro e do diferencial das taxas de juros. As oscilações dessa magnitude causam estragos consideráveis na economia.

Como as empresas estão abertas ao exterior, onde compram insumos, vendem produtos e concorrem com empresas de outros países, seu desempenho depende mais da taxa de câmbio do que das condições de produção. Agravando o quadro, a volatilidade da taxa cambial gera incertezas para empresários, que postergam decisões de investir e produzir.

Outro efeito é na credibilidade da equipe de governo. Como o preço do dólar é um termômetro imperfeito do desempenho da gestão econômica, a exacerbação da volatilidade alimenta inseguranças sobre os rumos na condução do país.

Banco Central do Brasil é o responsável pela execução da política cambial, incluindo a gestão das reservas internacionais. As diretrizes são estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional. A volatilidade do câmbio aponta que há espaços para aprimoramentos na sua atuação. Além do problema da volatilidade, o custo da política cambial é elevado.

Desde 2011, o estoque de reservas internacionais está num patamar de US$ 360 bilhões, que correspondem a 23,5% da dívida bruta do governo. O custo de carregar as reservas é dado pela diferença entre a taxa de captação do Banco Central em reais e de aplicação em dólares. É superior a R$ 100 bilhões.

O balanço do Banco Central apontou um prejuízo de R$ 298 bilhões em 2022, superior ao déficit primário naquele ano e de R$ 114 bilhões em 2023, correspondente a 46% do déficit primário. Embora não seja incluído no cálculo do déficit, aumenta a dívida pública. Leia-se mais juros e menos recursos para investimentos.

Não há uma política cambial explícita. O Banco Central atua esporadicamente no mercado à vista de câmbio e no mercado futuro, com swaps cambiais [operação financeira que envolve a troca de variação cambial por uma taxa de juros previamente estabelecida], mantendo as reservas no mesmo patamar. A concepção é de que um volume elevado daria segurança ao investidor estrangeiro. O valor é considerado exagerado por analistas. Em 2011, o déficit em transações correntes era de U$ 83,6 bilhões e, no último ano, foi de U$ 21,7 bilhões.

A questão é o que fazer. Este articulista tem três propostas. A primeira, a mais urgente e a mais importante é mudar o paradigma cambial. Acabar com a cegueira cambial. A visão neomercantilista de gestão do câmbio apavora analistas preocupados com o futuro do Brasil.

A segunda é permitir contas em dólares para pessoas físicas e jurídicas em bancos no país. Daria mais estabilidade ao câmbio, ganhos ao fisco e mais eficiência ao mercado de divisas.

existência de contas em divisas em bancos locais não vai dolarizar a economia. Muitos países permitem contas em outras divisas e nem por isso têm que abandonar a moeda nacional. Para o governo, cada dólar em uma conta de um cidadão ou empresa significa uma redução da dívida bruta no mesmo montante.

A terceira medida é que o BC estabilize o câmbio explicitamente, fixando diariamente uma banda de, digamos, 0,2% (para cima e para baixo), operando no mercado à vista. Dessa forma, conseguirá resultados mais palpáveis utilizando menos recursos.

As mudanças propostas só dependem do Conselho Monetário Nacional e podem ser implantadas de imediato. É só querer.