segunda-feira, 30 de janeiro de 2023

Delegados desafetos da PM perdem espaço na gestão Derrite, FSP

 As movimentações nos principais cargos da Polícia Civil de São Paulo, realizadas nos primeiros dias do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos), indicam a falta de espaço na gestão do novo secretário da Segurança Pública, Guilherme Derrite, aos delegados tidos como desafetos da Polícia Militar.

Na lista de novos diretores da instituição, por exemplo, chama a atenção a ausência de delegados que ocupavam cargos de relevo na polícia havia anos, como o antigo delegado-geral Ruy Ferraz Fontes e a adjunta, Elisabete Sato, ambos com históricos de desavenças com os militares.

De terno, Derrite está sentado à mesa de seu gabinete, com bandeiras de São Paulo e outras ao fundo; ele olha para baixo e coloca a mão no queixo
O novo secretário da segurança Pública, Guilherme Derrite, durante entrevista à Folha - Danilo Verpa - 23.jan.2023/Folhapress

No início do mês, também perdeu a titularidade da seccional centro o delegado Roberto Monteiro, que ganhou projeção em 2022 com as operações de combate ao tráfico de droga na região da cracolândia, mas também gerou um mal-estar com policiais militares por uma série de declarações.

As mudanças agradaram a integrantes da cúpula da PM que há muito tempo tentavam afastar alguns desses delegados, tidos como vozes críticas da corporação.

Segundo a Folha apurou, oficiais da PM chegaram a montar, em 2018, um dossiê contra Ferraz Fontes e entregaram as informações ao governador eleito João Doria (então no PSDB), para tentar demovê-lo da intenção de indicá-lo à delegacia-geral. O dossiê trazia dúvidas sobre a integridade do policial.

A iniciativa acabou não surtindo efetivo, porque o delegado era homem de confiança do então secretário-executivo da Polícia Civil, Youssef Chahin, braço direito do secretário da Segurança à época, general João Camilo Pires de Campos, e ligado ao ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes.

Atualmente, Fontes está licenciado da polícia. Aceitou o convite para ser secretário de Administração na Prefeitura de Praia Grande (litoral paulista) e deve ser aposentar ao final do prazo da licença.

A colegas Fontes disse ter recebido convites para assumir alguma posição de destaque na polícia, até de diretoria, mas declinou. Disse ter decidido pedir afastamento ao tomar conhecimento da indicação de Derrite para o comando da Segurança. Não queria ser chefiado por um oficial da PM tido como bolsonarista raiz.

Assim, Derrite não teve desgaste para afastar o delegado.

Já Elisabete Sato, por sua vez, considerada uma das mais importantes delegadas de São Paulo, perdeu o comando do DHPP (homicídios) e foi nomeada para uma função burocrática na Academia da Polícia Civil.

O tratamento dispensado pela gestão Derrite à delegada foi visto por membros da polícia como injusto, até pela história da policial. Ela merecia, segundo eles, uma posição de cúpula. A própria delegada, segundo a Folha apurou, esperava mais reconhecimento.

O histórico de mal-estar de Sato com a PM vem de longa data. Em 2017, durante evento público ao lado de oficiais da PM, Sato afirmou, conforme relato de investigadores, que nem mesmo a Rota (tropa de elite da PM) estava conseguindo entrar na favela de Paraisópolis, na zona sul da capital, em razão do domínio do crime.

Na tarde do mesmo dia, integrantes da PM realizaram uma grande operação na favela para demonstrar que a versão da delegada estava errada.

Apesar de pouco tempo com cargo de destaque na capital, Roberto Monteiro conseguiu desagradar a muitos policiais militares no ano passado, segundo a Folha apurou, durante os trabalhos de combate ao tráfico de drogas na região conhecida como cracolândia, por meio da Operação Caronte.

O delegado-seccional não teria reconhecido o trabalho da PM durante entrevistas, e, ao mesmo tempo, não economizava críticas à corporação quando falava de problemas no policiamento preventivo. O desgaste avançou a ponto de Monteiro passar a receber apenas apoio da GCM (Guarda Civil Metropolitana) nas operações.

Após a saída do delegado, a PM voltou a atuar fortemente na região.

Monteiro também assumirá um cargo burocrático, no DAP (Divisão de Planejamento e Controle do Departamento de Administração e Planejamento).

Fontes, Sato e Monteiro foram procurados pela Folha, não quiseram comentar o assunto.

Em nota, a Secretaria da Segurança informou que as trocas na Polícia Civil foram feitas por critérios técnicos.

"A Polícia Civil do Estado de São Paulo é uma instituição centenária, composta por homens e mulheres vocacionados à causa pública, essenciais à Justiça e à segurança pública paulista. Todas as movimentações da Polícia Civil, incluindo as da cúpula, são baseadas em critérios técnicos, na experiência e capacidade dos profissionais indicados."

Em entrevista à Folha na semana passada, Derrite disse que as trocas são de responsabilidade do novo delegado-geral, Artur Dian, que teria recebido "carta-branca" para indicar todos os cargos. Sobre Ruy Ferraz Fontes, disse que não o reconheceria se cruzasse com o delegado pela rua.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2023

Assis/SP terá a primeira usina de energia elétrica que utiliza lixo como combustível, Diário de Assis

  concessionária BAL-CIVAP, vencedora do contrato, utilizará uma tecnologia que transforma resíduos sólidos urbanos, popularmente conhecido como lixo, que iriam para aterros sanitários, em energia elétrica, reduzido em até 70% as emissões de Gases de Efeito Estufa. A fase inicial prevê a construção de uma área de 15 mil m², com capacidade de receber 300 toneladas de lixo/dia e gerar 144 MW/dia.

Esta será a primeira usina do Estado de São Paulo a fazer uso da tecnologia, que está enquadrada em 12 dos 17 ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) da Agenda de 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). As cinzas geradas pela transformação do combustível derivado dos resíduos em gás são inócuas ao meio ambiente, podendo ser reaproveitadas para fazer massa asfáltica e tijolos.

O presidente da Carbogás Energia, engenheiro Luciano Reis Infiesta, explica que os caminhões de coleta de lixo vão sair das residências direto para a usina. “Recebemos o lixo in natura, trituramos, desidratamos e criamos um combustível, que posteriormente é transformado em gás”, informa. A Carbogás Energia é a empresa que executa o projeto e possui a patente.

O lançamento da Usina de Geração de Energia Elétrica da cidade de Palmital ocorrerá às 14h00, desta segunda-feira (05/12/2022), no município de Assis, na Rua Vereador Nazário Antônio de Oliveira, 10 – Parque das Flores – Assis.


LEIA TAMBÉM: Residências geram 81,8 milhões de toneladas de resíduos em 2022

História

Em 25 de novembro de 2021 foi lançado pelo Consórcio Intermunicipal do Vale do Paranapanema, presidido por Oscar Gozzi, prefeito da cidade de Tarumã, edital para a construção, instalação e gerenciamento de uma usina de geração de energia. Mais de oito meses depois, assinou-se o contrato de concessão administrativa nº 002/2022. Esse processo começa a se tornar realidade em Palmital nesta segunda-feira (05/12/2022), às 14h00, com o lançamento da pedra fundamental da Central Térmica e Geração de Energia Eng. Roberto Infiesta (CTGE).

A usina inicialmente irá processar 300 toneladas/dia de resíduos urbanos, oriundos da coleta domiciliar de 14 cidades da região. A saber: Palmital, Cândido Mota, Tarumã, Assis, Paraguassu Paulista, Cruzália, Florínea, Santa Cruz do Rio Pardo, Ourinhos, Ibirarema, Echaporã, Oscar Bressane, Lutécia e Pedrinhas Paulista.

Vencedora da licitação, a Concessionária BAL – CIVAP, presidida pelo Engenheiro Renan Perlingeiro de Abreu Junior, vai gerir o recebimento e processamento desses resíduos pelos próximos 30 anos, resolvendo um grande e persistente problema das cidades do entorno sobre a disposição final dos resíduos.

Assis Usina Energia Elétrica

A tecnologia adotada pela Central Térmica e Geração de Energia é a de Gaseificação por Leito Fluidizado. Totalmente nacional, a tecnologia desenvolvida pela Carbogás Energia é patenteada, o que faz com que essa empresa seja fornecedora de empreendedores do segmento de resíduos sólidos urbanos e industriais. Isso porque a tecnologia fornecida pela Carbogás Energia possui menor custo de implantação e viabilidade econômica para cidades médias e pequenas, sistema modular de capacidade instalada e baixo nível de emissão de Gases de Efeito Estufa (GEE).

Segundo o presidente da empresa, engenheiro Luciano Reis Infiesta, outra característica dessa tecnologia é o fato de ser pouco poluente e estar dentro dos limites da norma ambiental. “Trata-se de um processo seguro, que evita a formação de chorume e danos ao meio ambiente,” detalha Infiesta, complementando que o resíduo é processado no mesmo da coleta, o que evita a formação de líquidos tóxicos e gases poluentes.

Para Hugo Lima, diretor comercial da Carbogás Energia, resolver passivos ambientais sem criar outros, ou pelo menos mitigando riscos, é um avanço na forma como lidamos hoje com a problemática do lixo. “Ver o lixo de uma cidade contribuindo para a sociedade com a produção de energia elétrica é um fato relevante para todos”, finaliza.

Fonte: Diário de Assis.

Como Japão mudou de 'terra do futuro' para 'preso ao passado', Por Rupert Wingfield-Hayes, BBC — Tóquio - g1

No Japão, as casas são como carros.

Assim que você se muda, a sua nova casa começa a valer menos do que você pagou. E, quando você termina de pagar seu financiamento, depois de 40 anos, ela não vale quase nada.

Fiquei perplexo ao saber disso, quando me mudei para cá como correspondente da BBC, 10 anos atrás. E, agora que me preparo para sair, a situação ainda é a mesma.

Japão é a terceira maior economia do mundo. É um país próspero e pacífico, com a maior expectativa de vida do mundo, a menor taxa de assassinatos, poucos conflitos políticos, um passaporte poderoso e o extraordinário Shinkansen — a melhor rede ferroviária de alta velocidade do mundo.

A Europa e a América do Norte já tiveram medo, um dia, do poderio econômico japonês, da mesma forma que temem hoje a crescente economia da China. Mas o Japão que o mundo esperava nunca chegou.

No final dos anos 1980, os japoneses eram mais ricos do que os americanos. Hoje, eles ganham menos que os britânicos.

Japão vem lutando há décadas com uma economia morosa, contida por uma profunda resistência a mudanças e uma teimosa ligação ao seu passado. E, agora, sua população está envelhecendo e diminuindo.

Japão ficou estagnado.

O futuro estava aqui

Quando cheguei ao Japão pela primeira vez, em 1993, o que me impressionou não foram as lâmpadas de neon dos distritos de Ginza e Shinjuku, nem a moda selvagem "Ganguro" das meninas de Harajuku.

O que me chamou a atenção foi como o Japão parecia muito mais rico do que qualquer outro lugar onde estive na Ásia — e como sua capital, Tóquio, é primorosamente limpa e organizada, em comparação com qualquer outra cidade asiática.

Hong Kong era um ataque aos sentidos, cheia de odores e ruídos — uma cidade de extremos, variando desde as extravagantes mansões de Victoria Peak até as lojas "sombrias e satânicas", que exploram seus funcionários no norte de Kowloon.

Em Taipei (capital de Taiwan), onde estudei chinês, as ruas ficavam lotadas ao som das motocicletas de dois tempos que lançavam uma fumaça azeda que envolvia a cidade. O cobertor de neblina era tão espesso que, muitas vezes, mal se conseguia olhar a dois quarteirões de distância.

Enquanto Hong Kong e Taiwan eram os adolescentes da Ásia, o Japão já era adulto. Sim, Tóquio era uma selva de pedra, mas belissimamente maquiada.

Em frente ao Palácio Imperial de Tóquio, o horizonte era dominado pelas torres de vidro das imensas corporações do país — Mitsubishi, Mitsui, Hitachi e Sony.

De Nova York, nos Estados Unidos, até Sydney, na Austrália, pais ambiciosos imploravam aos seus filhos para que aprendessem japonês. Eu ficava imaginando se teria cometido um erro apostando no mandarim.

Japão se reergueu da destruição da Segunda Guerra Mundial e conquistou a indústria global. O dinheiro voltou para o país, trazendo um boom imobiliário que fazia com que as pessoas comprassem qualquer propriedade que estivesse disponível — até terrenos florestais.

Em meados dos anos 1980, a piada era que o terreno do Palácio Imperial de Tóquio valia o mesmo que todo o estado americano da Califórnia. Os japoneses chamam essa época de Baburu Jidai — a era da bolha.

Mas, em 1991, a bolha estourou. A bolsa de valores de Tóquio entrou em colapso. Os preços dos imóveis despencaram e não se recuperaram até hoje.

Um amigo estava recentemente negociando a compra de vários hectares de floresta. O proprietário queria US$ 20 (cerca de R$ 104) por metro quadrado.

"Eu disse a ele que a terra florestal só vale US$ 2 (cerca de R$ 10,40) por metro quadrado", disse o meu amigo. "Mas ele insistiu que precisava de US$ 20 por metro quadrado, porque foi o que ele pagou nos anos 1970."

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Quando pensamos nos elegantes trens-bala do Japão ou na maravilhosa fabricação em linha de montagem da Toyota, podemos facilmente pensar que o Japão é o modelo da eficiência. Mas não é. A burocracia pode ser assustadora e enormes montantes de dinheiro público são gastos em atividades de utilidade duvidosa.

Em 2022, descobri a história por trás das deslumbrantes tampas de bueiro em uma pequena cidade nos Alpes Japoneses.

Em 1924, foram encontrados, em um lago próximo, os ossos fossilizados de uma antiga espécie de elefante, que se tornou símbolo da cidade. Até que, alguns anos atrás, alguém decidiu substituir todas as tampas de bueiro por tampas novas com a imagem do famoso elefante.

Isso vem sendo feito em todo o Japão. Existe agora uma Sociedade Japonesa das Tampas de Bueiro, que afirma que existem 6 mil desenhos de tampas diferentes no país.

Entendo que as pessoas adorem essas tampas. Elas são verdadeiras obras de arte. Mas cada uma delas custa até US$ 900 (cerca de R$ 4,7 mil).

Esta é uma indicação dos motivos que levaram o Japão a ter a maior dívida pública do mundo. E essa conta astronômica é agravada por uma população envelhecida que não consegue se aposentar devido à pressão sobre as pensões e a assistência médica.

Quando renovei minha carteira de motorista japonesa, os funcionários — extremamente educados — me encaminharam do teste de visão para a cabine de fotografia e o pagamento da taxa. Em seguida, eles me pediram para comparecer à "sala de palestras 28". Estas palestras sobre "segurança" são obrigatórias para qualquer pessoa que tenha cometido uma infração de trânsito nos últimos cinco anos.

Dentro da sala, encontrei um grupo de almas com aparência desconsolada, esperando que nossa punição começasse. Um homem elegantemente trajado entrou e disse que nossa "palestra" começaria em 10 minutos e iria durar duas horas!

Você não precisa nem mesmo entender a palestra. Eu me perdi na maior parte dela.

Enquanto ela se arrastava pela segunda hora, diversos dos meus colegas adormeceram. O homem ao meu lado fez um desenho muito bom da Torre de Tóquio. E fiquei ali, ressentido e entediado, com o relógio na parede zombando da minha situação.

"Qual é o propósito daquilo?", perguntei à minha colega japonesa quando voltei ao escritório. "É uma punição, certo?"

"Não", respondeu ela, rindo. "É um esquema de criação de empregos para guardas de trânsito aposentados."

O fator externo

Quando você vive aqui por mais tempo, até as frustrações se tornam algo familiar e mesmo curioso. Você começa a apreciar os hábitos peculiares — como os quatro funcionários do posto de gasolina que limpam todas as janelas do seu carro enquanto enchem o tanque e fazem uma reverência sincronizada quando você sai.

Japão ainda parece muito o Japão e não uma cópia dos Estados Unidos. É por isso que o mundo é tão fascinado por tudo o que é japonês, da neve em pó até a moda.

Tóquio abriga restaurantes excepcionais. O Studio Ghibli produz — perdão, Disney! — as animações mais encantadoras do mundo. E é claro que o J-Pop é horrível, mas o Japão, sem dúvida, é uma superpotência do soft power.

Os geeks e pessoas excêntricas adoram o país e sua maravilhosa esquisitice. Mas o Japão também tem seus admiradores na extrema-direita, por rejeitar a imigração e manter o patriarcado.

Agricultores japoneses são os mais idosos do mundo — Foto: JIRO AKIBA/BBC

Agricultores japoneses são os mais idosos do mundo — Foto: JIRO AKIBA/BBC

O país, muitas vezes, é descrito como uma nação que conseguiu se modernizar sem abandonar o passado. E há alguma verdade nisso, mas eu afirmaria que o moderno é mais uma fachada.

Quando veio a pandemia, o Japão fechou as fronteiras. Até os estrangeiros que eram moradores permanentes foram proibidos de voltar para o país.

Eu questionei o ministério do Exterior para saber por que os estrangeiros que passaram décadas no Japão, que tinham casas e empresas aqui, eram tratados como turistas. A resposta foi curta e direta: "todos eles são estrangeiros".

Japão foi forçado a abrir suas portas 150 anos atrás. E, até hoje, o país é cético e até temeroso sobre o mundo exterior.

Eu me lembro de estar sentado no salão comunitário de uma aldeia na península de Boso, no outro lado da baía de Tóquio. Fui até lá porque o local estava na relação de 900 aldeias ameaçadas no Japão.

Os anciãos reunidos no salão estavam preocupados. Desde os anos 1970, eles vinham vendo os jovens saírem para trabalhar nas cidades grandes. Dos 60 habitantes que sobraram, havia apenas um adolescente e nenhuma criança.

"Quem vai cuidar dos nossos túmulos quando morrermos?", lamentava um senhor idoso. Tomar conta dos espíritos é um trabalho sério no Japão.

Mas eu nasci no sudeste da Inglaterra e a morte daquela aldeia, para mim, parecia um absurdo. Ela era rodeada de campos de arroz e montanhas cobertas por densas florestas — cenas dignas de cartões-postais. E Tóquio estava a menos de duas horas de carro de distância.

"É um lugar tão bonito", eu disse a eles. "Com certeza, muitas pessoas adorariam morar aqui. Como vocês se sentiriam se eu trouxesse minha família para morar aqui?"

O ar no salão ficou pesado. Os homens se entreolharam, embaraçados e em silêncio. Até que um deles pigarreou e disse, com um olhar preocupado no rosto: "bem, vocês precisariam aprender nosso modo de vida. Não seria fácil."

A aldeia estava a caminho da extinção, mas a ideia de que ela pudesse ser invadida por "gente de fora" parecia ainda pior.

Um terço da população japonesa tem mais de 60 anos de idade. Por isso, o Japão abriga a segunda população mais idosa do mundo, perdendo apenas para o minúsculo principado de Mônaco. O país vem registrando cada vez menos nascimentos e pode perder um quinto da sua população atual até 2050.

Mesmo assim, a hostilidade à imigração não desapareceu. Apenas cerca de 3% dos moradores do Japão nasceram no exterior, em comparação com 15% no Reino Unido. Na Europa e na América do Norte, os movimentos de extrema-direita apontam para o país como um exemplo claro de pureza racial e harmonia social.

Japoneses caminham por Tóquio em 20 de janeiro de 2023 — Foto: Kyodo News vía AP

Japoneses caminham por Tóquio em 20 de janeiro de 2023 — Foto: Kyodo News vía AP

Mas o Japão não é tão etnicamente puro como os seus admiradores podem acreditar. Existem os ainus da ilha de Hokkaido, os nativos de Okinawa no sul, meio milhão de coreanos e perto de um milhão de chineses. E existem os filhos de casais japoneses em que um dos pais é estrangeiro, incluindo meus três filhos.

Essas crianças filhas de duas culturas são conhecidas como "hafu" — "metades", um termo pejorativo que, aqui, é de uso normal. Elas incluem celebridades e ídolos do esporte, como a estrela do tênis Naomi Osaka.

A cultura popular os idolatra como "mais belos e talentosos". Mas uma coisa é ser idolatrado e outra, bem diferente, é ser aceito.

Se você quiser saber o que acontece em um país que rejeita a imigração como solução para a queda da fertilidade, o Japão é um bom lugar para começar. Aqui, os salários reais não aumentam há 30 anos. A renda na Coreia do Sul e em Taiwan alcançou e até superou a do Japão.

Mas as mudanças ainda parecem distantes — em parte, devido à rígida hierarquia que determina quem mantém as cadeias de poder.

Os antigos ainda governam

"Veja, existe algo que você precisa entender sobre como funciona o Japão", disse-me certa uma vez um eminente acadêmico do país.

"Em 1868, os samurais entregaram suas espadas, cortaram seus cabelos, passaram a usar roupas ocidentais, marcharam para os ministérios em Kasumigaseki [o distrito do governo, no centro de Tóquio] e estão por lá até hoje", contou ele.

Em 1868, temendo a repetição do destino chinês nas mãos dos imperialistas ocidentais, os reformadores derrubaram a ditadura militar do xogunato Tokugawa e colocaram o Japão no caminho da industrialização a todo vapor.

Mas a restauração da era Meiji, como se sabe, não foi como a queda da Bastilha. Foi um golpe de Estado da elite. E, mesmo após uma segunda convulsão em 1945, as "grandes" famílias japonesas mantiveram seu poder.

Essa classe governante, predominantemente masculina, é definida pelo nacionalismo e pela convicção de que o Japão é especial. Eles não acreditam que o Japão tenha sido o agressor na guerra, mas sim sua vítima.

Por que mais de quatro em cada 10 jovens japoneses afirmam que ainda são virgens — Foto: GETTY IMAGES

Por que mais de quatro em cada 10 jovens japoneses afirmam que ainda são virgens — Foto: GETTY IMAGES

Para citar um exemplo, o ex-primeiro-ministro Shinzo Abe, assassinado em julho de 2022, era filho de um ministro do Exterior e neto de outro primeiro-ministro, Nobusuke Kishi.

Kishi era membro do gabinete na época da Segunda Guerra Mundial e foi preso pelos americanos como suspeito de crimes de guerra. Mas ele escapou da forca e, em meados dos anos 1950, ajudou a fundar o Partido Liberal Democrata (PLD), que governa o Japão até hoje.

Algumas pessoas brincam que o Japão é um Estado de um partido só, o que não é o caso. Mas é razoável perguntar por que o Japão continua a reeleger um partido regido por uma elite poderosa, que deseja descartar o pacifismo imposto pelos Estados Unidos, mas não conseguiu melhorar as condições de vida em 30 anos.

Em uma recente eleição, viajei de carro por um vale estreito cortado nas montanhas a duas horas a oeste de Tóquio. Era uma região rural, dominada pelo PLD. A economia local depende da fabricação de cimento e da energia hidrelétrica.

Em uma cidade pequena, encontrei um casal de idosos caminhando para o posto de votação.

"Vou votar no PLD", disse o marido. "Nós confiamos neles, eles irão cuidar de nós." E sua esposa disse "concordo com meu marido".

O casal apontou para o vale, onde havia um túnel e uma ponte recém-construídos. Eles esperam que a obra traga mais turistas de Tóquio para passar o fim de semana no local.

Costuma-se dizer que as bases de apoio do PLD são feitas de concreto. Esta forma de política clientelista é uma razão por que, em grande parte do litoral do Japão, existem tantos blocos de concreto protegendo os rios. É porque eles são essenciais para fortalecer essas bases de concreto.

Os redutos rurais são agora fundamentais devido à demografia do Japão. Eles deveriam ter se reduzido, à medida que milhões de jovens se mudavam para as cidades grandes em busca de trabalho, mas não foi o que aconteceu.

Para o PLD, isso é bom porque significa que os votos rurais dos idosos contam mais. Quando essa geração mais idosa passar, as mudanças serão inevitáveis. Mas não tenho certeza se isso significa que o Japão irá ficar mais aberto ou liberal.

Os jovens japoneses estão menos dispostos a se casar ou ter filhos. Mas eles também têm menos inclinação a aprender idiomas estrangeiros ou estudar no exterior do que seus pais ou avós. As mulheres ocupam apenas 13% dos cargos de gerência no Japão — e elas representam menos de 10% do total de parlamentares.

Quando entrevistei a primeira mulher governadora de Tóquio, Yuriko Koike, perguntei a ela como o seu governo planejava combater a discrepância de gênero.

"Tenho duas filhas que logo irão se formar na universidade", eu disse a ela. "Elas são cidadãs japonesas bilíngues. O que a sra. diria a elas para incentivá-las a ficar e fazer suas carreiras aqui?"

"Eu diria a elas que, se eu posso ter sucesso aqui, elas também podem", respondeu Koike. Eu pensei "é só isso que você tem a oferecer?"

E quanto ao futuro?

Vou sentir saudades do Japão, apesar de tudo. O país me inspira enorme afeição, ao lado dos — não muito raros — ataques de irritação.

Em um dos meus últimos dias em Tóquio, fui com um grupo de amigos a um mercado de rua de fim de ano. Em uma das bancas, revirei as caixas de belas ferramentas antigas de madeira. A pouca distância, um grupo de mulheres jovens vestidas com belos quimonos de seda estava conversando.

Ao meio-dia, nós entramos em um minúsculo restaurante para comer um "prato feito" de cavalinha grelhada, sashimi e sopa de missô. A comida, o ambiente acolhedor, o simpático casal de idosos nos servindo — tudo era tão familiar, tão confortável.

Depois de uma década morando aqui, eu me acostumei à forma como é o Japão e aceitei o fato de que o país não irá mudar tão cedo.

Sim, eu me preocupo com o futuro. E o futuro do Japão trará lições para todos nós. Na era da inteligência artificial, menos trabalhadores podem significar inovação. Os agricultores idosos podem ser substituídos por robôs inteligentes. Grande parte do país pode voltar a ser selvagem.

Irá o Japão gradualmente cair para a irrelevância ou conseguirá reinventar-se?

Minha cabeça diz que, para progredir novamente, o país precisa abraçar as mudanças. Mas meu coração dói com a perspectiva de perder tudo aquilo que faz o Japão tão especial.