segunda-feira, 7 de abril de 2025

Elon Musk usa fortuna para zombar da democracia eleitoral, Lucia Guimarães, FSP

 Repórteres que cobrem política fariam bem se agissem na contramão do provérbio "a cavalo dado não se olha os dentes". A tarde do tarifaço trumpista foi interrompida por um suspeito "furo exclusivo" do site Politico, sobre a partida antecipada de Elon Musk, após o fiasco da eleição para a vaga de juiz na Suprema Corte do estado de Wisconsin.

O bilionário nascido e criado na Pretória do apartheid gastou US$ 20 milhões tentando eleger o juiz trumpista Brad Schimel, num pleito que teria sido ignorado pela grande maioria dos americanos, não fosse a entrada de Elon Musk e de outros bilionários na campanha mais cara da história do Judiciário americano.

A imagem mostra a silhueta de uma pessoa em um ambiente noturno, com uma fonte de luz ao fundo. A figura está de perfil, destacando-se contra um fundo mais claro. A iluminação suave cria um contraste entre a silhueta e o ambiente ao redor.
O bilionário, CEO da Tesla e SpaceX e dono do X, Elon Musk - Roberto Schmidt/4.mar.25/AFP

Além da doação, Musk trouxe uma tropa de terceirizados de outros estados para bater de porta em porta pedindo apoio ao candidato e entregou dois cheques de US$ 1 milhão no domingo (30) como recompensa para os eleitores que assinaram uma "petição condenando juízes ativistas." É o que Jorge Amado teria descrito como coronéis do cacau comprando votos.

A manchete sobre a renúncia de Musk para retornar à gestão de suas empresas, inclusive a combalida Tesla, emergiu apenas horas depois do resultado em Wisconsin. Andrew Card, ex-chefe de gabinete de George W. Bush, dizia que uma Casa Branca organizada vaza informações de propósito, mas uma Casa Branca incompetente apenas vaza. A ideia de que Trump subitamente interrompeu o bromance com o homem mais rico do mundo tem, no momento, tanta credibilidade quanto aparições noturnas da mula sem cabeça.

Como a amaldiçoada figura do nosso folclore, o fantasma do impopular empresário deve continuar a exercer poder e causar ruptura no governo federal. Qualquer observador atento das encenações de mídia protagonizadas pela dupla Trump-Musk deve ter notado que há um elemento de temor do homem mais rico do mundo que, não só investiu quase US$ 300 milhões para eleger o presidente, como avisou, dedo em riste, aos deputados republicanos que não votarem alinhados com Trump: ousem me contrariar e eu financio um adversário na eleição legislativa de 2026.

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O medo de Trump, somado ao medo dos bilhões de Musk é a força nuclear governante da política americana do momento, em que o partido do presidente controla as duas Casas do Congresso. Musk deve seu poder desgovernado —acumulado graças a uma fortuna subsidiada pelo contribuinte americano— a uma decisão emitida pela Suprema Corte há 15 anos.

Em 2010, o tribunal máximo dos EUA deu vitória a lobistas conservadores acobertados por uma ONG, a Citizens United, declarando que limitar doações de empresas e sindicatos a campanhas seria violar a Primeira Emenda da Constituição, que garante a liberdade de expressão. A decisão escancarou a porteira para a influência do dinheiro na política americana e desaguou no Frankenstein sul-africano, hoje decidido a ser coroado o banqueiro do trumpismo.

É cedo para avaliar a derrota em Wisconsin como um basta das massas furiosas para atravessar a ponte levadiça que as separa do castelo feudal. Mas a campanha vitoriosa foi concentrada em identificar Musk como o vilão. O juiz redator do voto pela Citizens United, em 2010, escreveu que "a aparência de influência ou acesso não fará com que o eleitorado perca a fé na nossa democracia."

E Musk respondeu: "Segure a minha cerveja."

A aplicação da LGPD no setor público é um desastre, FSP

 Se, por um lado, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) foi uma enorme conquista na defesa dos direitos individuais, a aplicação inadequada feita pelo setor público tem sido desastrosa para a participação e controle social. Desde a sua promulgação, dados de interesse público inegável passaram a sumir a torto e a direito. E pior, sem aviso prévio ou registro, recaindo ainda sobre a sociedade civil o ônus de buscar incessantemente —e descobrir— esses novos buracos negros da transparência.

Nesta semana, especialistas perceberam que o Ministério da Gestão e Inovação retirou do Tranferegov o acesso a todas as notas fiscais, contratos, relação de dirigentes e atestados das ONGs beneficiadas por recursos públicos. Em janeiro o UOL já havia noticiado o bloqueio dos relatórios de prestações das mesmas sob a justificativa da "adequação integral à LGPD".

A imagem mostra um céu escuro e nublado, com nuvens pesadas e chuvas caindo em algumas áreas. Abaixo, há uma vista de um conjunto de edifícios baixos e brancos, cercados por áreas verdes. O horizonte é visível ao fundo, onde a chuva parece ser mais intensa.
Esplanada dos Ministérios - Rafa Neddermeyer - 3.nov.23/Agência Brasil

No final de março, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) anunciou que pretende retirar os nomes dos promotores da folha de pagamento e permitir a exclusão dos dados após cinco anos. A medida, proposta pelo conselheiro Antônio Edílio Magalhães, foi repudiada por organizações como o Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas.

A palhaçada não é recente —e atravessa governos. O uso da LGPD como escudo contra a transparência começou antes mesmo de o texto completo entrar em vigor.

Ainda em 2019, a Câmara de Vereadores de São Paulo simplesmente parou de divulgar os salários dos vereadores, alegando questões referentes à privacidade. Nós ajuizamos processo contra a Casa, mas seguimos na batalha pelo óbvio. É inacreditável que exista hoje qualquer discussão sobre transparência referente a salários —questão pacificada há quase 20 anos pelo STF, muito antes até da Lei de Acesso à Informação.

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Em 2021, o Tribunal Superior Eleitoral retirou do ar os dados de filiados a partidos, usados para fiscalizar influência política em cargos de comissão e indicações. As informações sobre doadores de campanha só não foram junto por mobilização da sociedade civil.

Desde 2022, o Inep protagoniza um dos casos mais noticiados sobre os efeitos nocivos da LGPD na transparência pública. O órgão passou a barrar o acesso aos microdados do censo escolar, comprometendo o acompanhamento das políticas educacionais.

No início deste mês, o TCU (Tribunal de Contas da União) publicou auditoria sobre os efeitos nocivos da forma como a administração pública tem aplicado a LGPD em temas caros à sociedade. O documento aponta que "normas e orientações possuem maior ênfase em proteção de dados do que em transparência das informações e não tratam dos temas de forma integrada" e cobra posicionamento e atuação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados e da CGU (Controladoria-Geral da União) para endereçar o problema.

Pensada e redigida com a melhor das intenções, a aplicação prática da LGPD no setor público tem servido como cortina de fumaça para o apagão de informações e a fuga generalizada da prestação de contas. Poucas leis recentes foram tão mal interpretadas —ou deliberadamente distorcidas— contra o interesse público. Precisamos corrigir essa rota: proteger dados pessoais não pode significar sabotar o controle social sobre o Estado.

Agente Laranja devasta a América, Helio Schwartsman, FSP

 

São Paulo

Mesmo que Donald Trump desfaça amanhã todas as medidas tresloucadas que baixou (o que não vai acontecer), ele já causou aos EUA danos difíceis de reverter. Muito do poderio americano derivava do fato de o país ser visto como porto seguro, na economia, na geopolítica, na estabilidade democrática e na capacidade de produzir inovação. Não é mais.

A fase mais aguda do tumulto econômico das tarifas deverá passar em dias, mas o mundo se deu conta de que os EUA são um parceiro comercial menos confiável do que se supunha. Vários países procurarão colocar-se em posição de menor dependência, desacoplando suas economias da americana.

Um homem está falando em um microfone enquanto segura um documento em uma mão. O fundo apresenta uma bandeira dos Estados Unidos com listras vermelhas e brancas e um campo azul com estrelas. O homem está vestido com um paletó escuro e uma gravata vermelha.
O presidente dos EUA, Donald Trump - Carlos Barria/Reuters

Pode sobrar até para o dólar. A moeda americana não vai deixar imediatamente de ser a grande reserva global de valor, mas Trump criou um incentivo a que se busquem alternativas.

No plano militar, a Europa percebeu que não pode mais contar com Washington para encabeçar a defesa do continente contra a Rússia. Não dá nem para descartar a possibilidade de os EUA se tornarem uma ameaça mais concreta do que Vladimir Putin, o que ocorreria caso Trump decida mesmo tomar a Groenlândia, que é parte da Dinamarca, à força.

Também estamos vendo coisas que até há pouco seriam inimagináveis, como a imprensa (a tradicional, não a satírica) discutindo planos do presidente para violar a Constituição e turistas europeus desistindo de viajar à América por medo de sofrer prisões arbitrárias.

É possível até que os EUA estejam vivendo as fases iniciais de um "brain drain", a fuga de cérebros, que é o fenômeno pelo qual países instáveis perdem suas melhores mentes científicas para outras nações. Timothy Snyder, por exemplo, já anunciou que trocou Yale pela Universidade de Toronto.

O problema de base são os eleitores. Eles não sabem a força que têm. É verdade que trumpistas radicais votaram por uma delirante reforma da natureza. Mas parte considerável dos americanos foi de Trump em protesto contra os preços de Joe Biden. Compraram mais inflação e muita devastação pelo Agente Laranja.