segunda-feira, 7 de abril de 2025

Datafolha: um paliativo para ansiedade que cerca Lula, FSP

 

Brasília

Datafolha mitigou angústias que rondam o Palácio do Planalto. Os números coincidem com pesquisas do governo que já apontavam para um freio na queda na popularidade do presidente Lula.

Embora encarado como uma tendência de recuperação, esse paliativo não tem sido suficiente para aplacar certa inquietação entre aliados de Lula, especialmente com sinais contraditórios emitidos pelo presidente.

O presidente Lula participa de evento em Brasília para fazer um balanço de seu governo - Lucio Tavora - 3.abr.25/Xinhua

Lula condiciona uma candidatura em 2026 ao bom estado de saúde. Lembra sua avançada idade (79), citando até o ex-presidente americano Joe Biden (82).

Um ministro saiu alarmado da primeira reunião do ano, após ouvir de Lula que só Deus saberia seu destino político. Outro ministro deixou a mesma reunião convencido da candidatura do presidente.

Na quarta-feira, em reunião com senadores, o líder do governo no SenadoJaques Wagner (PT-BA), chegou a apelar para que Lula parasse de lançar também ali dúvidas sobre sua disposição de concorrer à reeleição.

O senador Renan Calheiros (MDB-AL) endossou. Alertou não haver outro nome à esquerda para corrida presidencial. "Nosso campo não tem plano B", advertiu.

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Lula aquiesceu. Contou que faz exercícios diariamente. Disse que será candidato contra "qualquer um". Concordou até mesmo com visitas a templos evangélicos, alimentando em Cid Gomes (PSB-CE) a certeza de que é candidatíssimo.

Renan acerta ao afirmar que hoje não há outro candidato. Só se esqueceu de ressaltar que, em boa parte, por culpa do próprio Lula.

Líder maior da esquerda, o presidente inibiu o florescimento de sucessores. No governo, tem permitido severos arranhões a imagens de ministros, como Fernando Haddad (Fazenda), e o crepúsculo de estrelas em potencial. Hoje no STF, Flávio Dino costuma comparar, por exemplo, seu momento político a um exílio em Paris, segundo relatos.

A ausência de herdeiros obriga Lula a concorrer à reeleição. Usando metáfora repetida por Lula, o presidente colhe o que plantou.

Falas de Fernanda, Ruy Castro, FSP

 Imagine-se tendo a oportunidade de se sentar com Fernanda Montenegro e conversar com ela sobre o teatro, o ofício de representar e a dádiva (ou maldição) de ser atriz. Você ouviria frases assim:

"Não se cumpre essa profissão sem devoção, sem obstinação, sem coragem. Eu sou uma obstinada." "No palco, tudo acontece. Do mais torpe ao mais sublime." "Já recusei muitos projetos. Mas um papel ou personagem por motivos éticos, de caráter, nunca. Já fiz de tudo: prostituta, vilã, assassina. Mas, quando aceito, tenho que fazer bem feito." "Não é seu corpo que vai dominar a palavra. É a palavra que vai dominar o seu corpo."

A imagem mostra uma mulher idosa com cabelo grisalho e óculos. Ela está com as mãos cobrindo parcialmente o rosto, em uma expressão que sugere reflexão ou emoção. A mulher usa uma blusa clara e o fundo é escuro.
A atriz Fernanda Montenegro durante a pré-estreia do filme "Vitória", estrelado por ela - Pablo Porciuncula - 12.mar.25/AFP

[Por que ser atriz]: "[Porque] Você não se conforma em ser só você." "É uma profissão de absoluta solidão, em que o outro é fundamental. Buscar o outro, confundir-se com o outro, somar com o outro um só corpo." "O outro [a plateia], na medida em que aceita o jogo artístico, também é um artista. Estão todos sentados, esperando serem chamados." "Tenho sempre uma respiração com a plateia." "Às vezes, nem a plateia tem talento, dizia Louis Jouvet." "Custo muito a decorar. Porque cada frase pode ser uma emoção." "Eu idolatro o mistério inarredável de cada segundo que eu vivo."

"Há sempre um espaço além da racionalidade." "Há feitiçaria em todos nós." "Por que não podemos apenas ser mestiços, mestiços de corpo e alma?" "Arlette [seu nome real] é um encosto. Fernanda pulou para fora de Arlette." "Na vida, o que não é possível?" "Não sou marionete de nenhum autor." "Embora no teatro se repita, dia após dia, o mesmo gesto, a mesma intenção, repentinamente uma faísca inesperada de percepção revela outra zona a seguir —que depende de sua inquietação." "Ah! A atriz é tão poderosa! Quando eu falo, eu tomo o poder."

Fernanda disse tudo isso e muito mais para seu confrade de Academia Brasileira de Letras, Joaquim Falcão, no magnífico livro de Joaquim sobre ela, "Pausa & Linha — O Poder em Fernanda Montenegro", recém-lançado pelas Edições Pinakotheke. Ela é assim.

O vicioso círculo do espelho no celular, Muniz Sodré, FSP

 Muitos anos atrás, uma pesquisa sobre televisão indagava a adolescentes cariocas o que mais gostariam de ver na telinha. "Eu", respondeu um deles. Na mesma época, parecia divertida a anedota da mãe zelosa que, passeando no parque com o bebê, escuta de uma outra o elogio: "que lindo, o seu filho". E ela responde: "Você ainda não viu a foto".

As duas pequenas histórias mantêm atualidade explicativa na época do celular e redes sociais. Após a crescente proibição do uso de celulares nas escolas, aparecem notícias de adolescentes que os substituem por velhas câmeras digitais, naturalmente permitidas. Com elas, podem copiar trechos de textos e, mais do que tudo, fazer selfies. É o círculo vicioso do espelho, a compulsão de se reproduzir infinitamente em imagem.

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A raiz atrativa dos celulares está na paixão pela autoimagem, daí a produção do espectro individual, um modo de existir na realidade virtual - Karime Xavier - 7.jul.23/Folhapress

Os episódios são variantes de um fenômeno que se pode chamar de espectralização. Não se trata apenas de fazer pose conveniente para uma foto, gesto instintivo quando se é alvo de uma câmera, e sim de criar um espectro de si mesmo, isto é, a ficção de uma personalidade paralela capaz de circular em situações de comunicação diversas. Nesse duplo espectral, que é de algum modo o negativo da visibilidade comunitária, o pretenso ser real e único dá lugar à sutil simulação de um personagem.

O celular banaliza a imagem por instantaneidade e ausência de custos, de maneira irresistível para a maioria, jovens em especial. Não se trata, porém, de efeito exclusivo do artefato. A raiz atrativa está na paixão pela autoimagem, daí a produção do espectro individual, um modo de existir na realidade virtual criada pela rede eletrônica e pelas máquinas de visão, que não param de surgir. É uma forma de vida paralela, ainda mal compreendida, mas já nomeada pelo antigo grego como "bios".

São fortes as consequências na formação da personalidade. E costumam enganar cientistas atentos a mudanças sociais apenas por aspectos fisicamente observáveis. Mal se dão conta do universo imaterial sobreposto ao real-histórico com outra linguagem, feita de códigos digitais e figurativos. Notável é o impacto sobre o psiquismo plástico, senão enigmático, do adolescente. É esse o fio dramático de "Adolescência", série televisiva sobre a assustadora captura de uma consciência ainda púbere pela realidade dúbia e sombria do celular.

Já no filme "Emília Perez", a protagonista transgênero reflete que "há sempre dois: meu eu verdadeiro e o animal que me segue como uma sombra". "Animal" é metáfora para a contraparte obscura da alma. Nas redes, entretanto, animalidade ou bestialidade (racismo, misoginia, sociopatia) torna-se vetor de um regime de epidemia moral suscetível de abalar a estabilidade do laço social. Infecciosa é a irrupção de formações perversas, inequívocas reações a dificuldades afetivas no mundo real.

A "machosfera" é um exemplo: agregado de ideias e emoções confusas sobre o feminino, com efeitos de ressentimento e ódio. Danosa à consciência adulta, é uma usina de monstros juvenis. O cômodo e útil celular é também máquina de morte. Olho vivo, pais e educadores.