sexta-feira, 4 de abril de 2025

Lula passa seis meses sem escolher ministros para vagas no STJ, FSP

 

Brasília

O presidente Lula (PT) não define há quase seis meses quais serão os nomes indicados para duas vagas abertas de ministros do STJ (Superior Tribunal de Justiça), o que alimenta especulações e deixa gabinetes de uma corte sobrecarregada de processos sob a responsabilidade de magistrados interinos.

A segunda corte mais importante do país tem 33 assentos, e duas dessas cadeiras disponíveis ficaram vagas com a aposentadoria das ministras Laurita Vaz, em outubro de 2023, e Assusete Magalhães, em janeiro do ano passado.

Uma das vagas será ocupada por um membro do Ministério Público e a outra, por um magistrado integrante de um TRF (Tribunal Regional Federal).

Fachada do STJ, em Brasília
Fachada do STJ, em Brasília - Pedro Ladeira - 28.ago.23/Folhapress

Após a aposentadoria das ministras, o próprio STJ ficou responsável por elaborar duas listas de três nomes e encaminhá-las ao presidente da República, mas, em meio a disputas internas, só fizeram isso em outubro passado.

Um dos motivos apontados por integrantes do tribunal para a demora é relacionada a um pente-fino que analisou a vida dos candidatos, inclusive eventuais investigações policiais que já pesaram sobre eles.

As duas listas foram votadas em 15 de outubro. Para a vaga destinada aos juízes, foram escolhidos Carlos Pires Brandão e Daniele Maranhão, do TRF-1, sediado em Brasília, e por Marisa Santos, do TRF-3, com sede em São Paulo.

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A segunda lista, formada por integrantes do Ministério Público, tem o procurador de Justiça Sammy Barbosa, do Ministério Público do Acre, a procuradora de Justiça Marluce Caldas, do Ministério Público de Alagoas, e o subprocurador-geral da República Carlos Frederico Santos, do Ministério Público Federal.

Ministros do STJ de diversas alas e integrantes do governo federal são unânimes em apontar que a lista de juízes desagradou o presidente da República porque ele esperava que o nome de Rogério Favreto, do TRF-4 (sediado em Porto Alegre), estivesse nela.

Durante um plantão em 2018, Favreto concedeu um habeas corpus para o petista, que estava à época preso em Curitiba. A medida acabou derrubada pelo então presidente do TRF-4.

O incômodo de Lula é considerado uma das razões que fez ele segurar os nomes até o momento. Um dos apontados atualmente como favoritos para serem escolhidos é Carlos Brandão, piauiense apoiado pelo ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Kassio Nunes Marques.

Apesar de ter sido escolhido pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) ao Supremo, Kassio tem boa interlocução no STJ e se aproximou do governo Lula.

Uma ala de ministros mais próxima de Gilmar Mendes tem defendido o nome de Daniele Maranhão.

Já em relação ao Ministério Público, a favorita é Marluce Caldas, que é tia do prefeito de Maceió, João Henrique Caldas (PL), o JHC. Apesar de ser do partido de Bolsonaro, o prefeito tem tentado se aproximar da base do atual presidente.

Sammy, que é apadrinhado pelo ministro do STJ Mauro Campbell, perdeu força desde outubro porque, segundo diversos integrantes da corte, Lula atribuiu ao seu padrinho a articulação que derrubou Favreto da lista.

A expectativa é de que Lula escolha os dois nomes ainda em abril. Depois da escolha do presidente, os indicados ainda serão sabatinados e aprovados pelo Senado antes de tomar posse.

Enquanto não há definição de Lula, as duas vagas são ocupadas por desembargadores que são chamados para atuar provisoriamente.

Desde o ano passado, o STJ tem feito uma série de medidas de urgência para baixar o número de processos da corte no ano.

Em 2024, o tribunal recebeu, pela primeira vez, mais de 500 mil processos para serem analisados pelos seus ministros.

Para evitar a prescrição de processos criminais, foram tomadas providências como a criação de uma força-tarefa, a convocação de mais de 100 juízes auxiliares —que atuam sob a cobrança de produtividade— e até a redução de palestras e visitas de cortesia.

Atualmente, o STJ é a corte nacional que mais recebe processos no mundo, segundo o presidente do tribunal, ministro Herman Benjamin.

"É um recorde que nós não devemos ter orgulho, porque bem demonstra como a demanda no Superior Tribunal de Justiça é incompatível com a capacidade humana e até mesmo com o uso da tecnologia", disse ele, ao encerrar os trabalhos da corte em dezembro passado.

Esquerda está isolada, e dificuldade nas ruas é evidente e óbvia, diz Manuela d'Ávila, FSP

 

São Paulo

Sem mandato, sem partido e se dizendo livre para traçar críticas à esquerda, a ex-deputada federal Manuela d’Ávila enxerga o próprio campo político com dificuldades de mobilização nas ruas.

Parte disso atribui ao sucesso da direita nas redes sociais, fruto de diversos fatores, e da incompreensão de que o mundo digital, hoje, não pode mais ser desassociado do mundo real.

No ano passado, deixou o PC do B, partido ao qual foi filiada por 25 anos, alegando descontentamento com os rumos da sigla. Ao avaliar a postura da esquerda, tem traçado um paralelo com o episódio no qual uma frase foi falsamente atribuída à Maria Antonieta, rainha da França no século 18, na qual dizia à população, que reclamava da falta de pão e passava fome, para se alimentar de brioches.

"Vários traços da vida institucional são, diante dos olhos do povo, luxos aos quais a população não pode se dar. A maneira como os parlamentares vivem é diferente da vida do povo trabalhador", diz Manuela.

Uma mulher com cabelo castanho escuro e ondulado está sentada em uma cadeira preta. Ela usa uma blusa branca com um detalhe floral. O fundo da imagem é rosa claro. A mulher está olhando para a câmera e sorrindo levemente.
A ex-deputada federal Manuela d'Ávila - 3.abr.2025 - Manuela d'Ávila no Youtube/Reprodução

O ex-prefeito de Araraquara Edinho Silva [PT] disse que é necessário reconhecer que a esquerda tem apresentado dificuldade de mobilização. Você concorda com isso?
Isso é um dado da realidade. Quem não enxerga a base social e a maneira como a extrema direita tem aglutinado setores sociais? Em contrapartida, as nossas instituições estão tentando maquiar um dado da realidade, que é duríssima. A gente precisa tirar as maiores lições disso. Essa afirmação do Edinho é, para mim, bastante evidente e óbvia, vinda de quem não está tentando negar a realidade, mas sim olhando para ela com atenção.

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Por que a esquerda enfrenta dificuldade de mobilização?
Isso se relaciona com dilemas que a gente enfrenta no Brasil e no mundo, entre eles a transferência da esfera pública para o ambiente digital. As redes são o principal espaço de debate social e não são intermediadas de forma transparente e neutra, mas sim por algoritmos que reproduzem conceitos mais próximos à extrema direita, que apresenta soluções mentirosas, mas simples. Não há uma resposta única para um problema tão complexo e que se confunde não só com a capacidade de mobilização da esquerda, mas com a própria defesa da democracia. Esse é um outro buraco, porque a esquerda está isolada, com poucos setores sociais defendendo a existência de um ambiente democrático.

Você tem dito que Maria Antonieta habita o campo da esquerda também. Por quê?
É um fato histórico que, apesar de não ter acontecido, virou emblemático. Vários traços da vida institucional são, diante dos olhos do povo, luxos aos quais a população não pode se dar. A maneira como os parlamentares vivem é diferente da vida do povo trabalhador. A extrema direita, com muita mentira, cria personagens, como quando o [Jair] Bolsonaro pega o pão dele e coloca leite condensado. Mesmo que ele seja acusado de roubar joias do patrimônio público e vender, ele não aparece ao lado de um garçom servindo vinho tinto e filé. Isso passa a ideia de maior proximidade e identidade. A gente tem que entender a dimensão do desgaste do nosso sistema político e as brechas que a extrema direita ocupa.

A comunicação do governo Lula tem sido muito criticada. Você acha que isso tem prejudicado a imagem dele?
Dizer que não tem problema nenhum na comunicação seria superficial e exagerado, mas na minha interpretação, atribuir todos os problemas à comunicação também é. Quando as pessoas dizem que o problema está na comunicação, elas se referem às redes sociais e usam como sinônimos coisas que não são equivalentes. Sabendo que a extrema direita opera no mundo da desinformação, tudo o que pode ser mal interpretado é previsível na elaboração de políticas. Eu, por exemplo, em tudo o que faço já penso qual é a fake news que pode gerar.

Isso tem sido uma das principais causas da avaliação ruim do governo Lula?
As redes não são só comunicação, elas são mobilização, organização e disputa intensa em torno de ideias. A incompreensão das redes é um dos problemas políticos mais comuns dentro e fora do governo. Mas não é exclusividade do governo. Não gosto da dicotomia falsa do real e do virtual, como falam às vezes. Parece que estamos nos anos 1980 jogando Atari quando eu escuto isso! A vida real das pessoas é atravessada pelo que circula no virtual. A série "Adolescência" não está só na Netflix, ela virou assunto nas escolas, na minha família, entre os meus amigos, na minha terapia. Como tratar o real e o virtual de forma diferente?

Entrando no tema partidário, por que você decidiu deixar o PC do B?
Embora não seja a única razão para minha saída, eu discordava da federação com o PT, porque acho que o PT, enquanto um partido muito grande, tiraria a autonomia do PC do B, que é um partido menor. A frente ampla é imprescindível, mas um partido de esquerda deve cumprir o papel de ser a esquerda dentro disso, e se você está federado com o PT, que é quem tem a responsabilidade de harmonizar essa frente, isso limita a sua capacidade de apresentar ideias. Na política brasileira se normalizou o fato de que as pessoas saem de um partido para disputar a eleição por outro, e esse não foi o meu caso.

Vê alguma chance de se filiar a um partido para sair candidata em 2026?
Quando eu não concorri em 2022, foi muito difícil para as pessoas entenderem. Fui alvo da extrema direita desde o início do processo de impeachment da presidente Dilma. Apesar de ter feito um esforço muito grande para manter a minha saúde mental, tive muito impacto físico da violência que sofri. Mas agora pode ser que exista a possibilidade de eu disputar, porque eu não tenho nenhum impedimento pessoal. Significa que eu vou disputar? Não. Mas sou o nome da esquerda que melhor pontua nas pesquisas para o Senado aqui no Rio Grande do Sul. As pessoas do meu campo político conversam comigo sobre essa possibilidade. Já não tenho mandato há seis anos, não estou pensando em me filiar a um partido apenas para concorrer à eleição. Até posso disputar, mas não são escolhas concatenadas.

Já conversou com algum partido?
Recebi convites para me filiar aos partidos do meu campo. Eles têm sido muito respeitosos, porque sabem que partido para mim é uma coisa séria, não é uma roupa que eu visto só para disputar uma eleição.

Quais foram esses partidos?
Não tem tantos partidos de esquerda assim no Brasil, né? [risos]

Caso Bolsonaro seja preso, você acredita que a direita pode se fortalecer ou enfraquecer para 2026?
Acho evidente que ele preso atrapalha a extrema direita, porque ele é ex-presidente e conta com prestígio popular. Mas isso não tira a competitividade da extrema direita, que mantém uma ofensiva política em torno de ideias que seguirão girando.


RAIO-X | MANUELA D’ÁVILA, 43
Jornalista, foi vereadora, deputada estadual e federal. É coordenadora do Instituto E Se Fosse Você, voltado para o combate à violência política de gênero, deixou o PC do B em 2024 após 25 anos filiada à sigla, pela qual disputou a eleição presidencial de 2018, como vice de Fernando Haddad (PT). Nas últimas duas eleições, prestou consultoria a campanhas pelo país.