quarta-feira, 21 de agosto de 2024

Futuro dos negócios depende dos jovens, FSP

 Ana Carolina de Almeida

Vice-presidente de educação social da Fundação Dom Cabral

Aposto que você já ouviu falar dos "nem-nem" ou sobre como é difícil inserir a geração Z no mercado de trabalho. Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), 31% dos jovens de 18 a 24 anos não estão interessados no mercado de trabalho nem engajados com a própria educação.

São os "nem-nem". Mas será que o desinteresse, puro e simplesmente, é responsável por isso? É como se estivéssemos aceitando como verdade absoluta a frase da música dos Engenheiros do Hawaii: "Nessa terra de gigantes, a juventude é uma banda numa propaganda de refrigerante."

Temos que ter cuidado com ideias preconcebidas e julgamentos injustos com essa parcela tão importante da sociedade, que representa o futuro do nosso país.

Empresas devem conhecer realidade dos jovens e oferecer-lhes ferramentas para o crescimento pessoal e profissional - Karime Xavier/Folhapress/Folhapress

É preciso fazer um mergulho na realidade das juventudes, e isso não deveria ser difícil, pois todos já estivemos lá. Precisamos conhecer e reconhecer a atual realidade que eles vivem, que é diferente daquela que experimentamos.

Hoje, profissões alternativas, como tiktoker, influencer, youtuber, além de carreiras meteóricas e milionárias e o universo da ostentação contribuem para que jovens idealizem o futuro e o quão rápido devem alcançá-lo. Quando entram no mundo corporativo, lidam com a frustração —isso quando conseguem chegar lá.

Por um lado, há empresas que nem recrutam esses jovens sem experiência. Muitas vezes, são requisitos para cargos de entrada em uma organização anos de experiência, fluência em inglês e graduação completa.

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Em um país como o Brasil, com ampla mão de obra, o que não faltam são pessoas para os cargos. Porém o próprio mercado já exclui esses jovens e não os vê como possibilidade.

Por outro lado, há empresas que recrutam essas pessoas, mas as tratam como "a banda da propaganda de refrigerante". Com isso, os jovens se sentem desacreditados, não pertencentes àquela organização.

Com frequência, os cargos não oferecem vivências e ferramentas para o crescimento pessoal e profissional, nem desenvolvem habilidades funcionais (competências alinhadas ao cargo) e, principalmente, socioemocionais (autonomia, confiabilidade, flexibilidade), tão importantes nesta faixa etária.

No B-EPIC (Brazil Enterprise Productivity & Inclusion Club), programa desenvolvido pela Fundação Dom Cabral e Gerdau com foco nos jovens aprendizes, é interessante ouvir como eles desejam espaço e aprendizado, mas também precisam aprender a lidar com a ansiedade de ver resultados rapidamente.

Resiliência é uma das qualidades mais trabalhadas. Entre gestores, a importância do reconhecimento também é destacada. Todos precisam de feedback, sobretudo a juventude. É uma fase de autoconhecimento que se estende ao mundo profissional e precisa ser enxergada, respeitada e estimulada.

Empresas devem formar profissionais que acolham os jovens, tenham um olhar empático sobre eles, confiem em seu potencial e entendam que incluir esse público traz aumento de produtividade e uma energia de renovação, além de impulsionar a criatividade e potencializar o crescimento do negócio.

O futuro de muitas empresas nos próximos anos depende de como elas estão lidando hoje com seus jovens talentos, formando competências, habilidades e futuras lideranças.

Trabalhar a inclusão produtiva das juventudes, principalmente em vulnerabilidade social, que não têm acesso a uma educação de qualidade, é um compromisso socioeconômico e ético que todas as organizações e executivos deveriam assumir.

É contribuir para a longevidade dos negócios, desenvolvimento sustentável, diminuição do desemprego e uma sociedade mais próspera.

Dona de áreas de 51 favelas, CDHU quer que moradores paguem por regularização, FSP

 

São Paulo

Na viela onde carros não passam, a casa de paredes sem reboco espremida entre construções vizinhas é resultado do trabalho solitário de Madalena de Souza, 75. "Aqui fomos só eu e Deus que fizemos", diz, escorando-se na porta do sobrado que ela não pode chamar de seu.

Assim como Madalena, cerca de 800 famílias vivem irregularmente há quase duas décadas em uma área que pertence à CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano), órgão do governo de São Paulo.

A comunidade Vila Sílvia cresceu colada ao muro do conjunto residencial construído em sistema de mutirão pela companhia estadual no Cangaíba, na zona leste da capital paulista. No local, casas de alvenaria de até quatro andares quase se equiparam em altura aos prédios de cinco pavimentos do condomínio.

Não é um caso isolado. Outras 50 favelas que somam mais de 100 mil habitantes estão consolidadas em terrenos da CDHU na região metropolitana de São Paulo.

Imagem aérea mostra dois telhados grandes, que são de prédios, com centenas de talhados de casas próximos, tudo em tons de cinza
A comunidade Vila Sílvia cresceu colada ao muro do conjunto habitacional da CDHU no Cangaíba, na zona leste de São Paulo - Bruno Santos/Folhapress

Objetos de ações de reintegração de posse que se arrastam na Justiça sem perspectiva de solução, essas áreas são alvo de uma nova proposta de regularização.

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Em troca da posse de aproximadamente 25 mil imóveis em terrenos avaliados em R$ 1,5 bilhão, a gestão do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) exigirá projetos e obras de urbanização a serem pagos com recursos obtidos pelos próprios moradores.

Para isso, entidades representativas dessas comunidades deverão contratar empresas especializadas ou obter apoio de outros órgãos públicos.

A CDHU avaliará os planos e prestará apoio técnico, mas não colocará dinheiro na empreitada, diz o edital que será oficialmente apresentado ao Conselho Estadual de Habitação nesta quinta-feira (22).

Contratações diretas de projetos privados de urbanização, sem participação do setor público, ganharam tração com a aprovação em 2017 da Lei 13.465. É a legislação do governo do então presidente Michel Temer (MDB) que dá respaldo ao chamado Reurb, sigla para Regularização Fundiária Urbana.

Apesar de ser crítica ao regramento e à proposta da gestão Tarcísio, a coordenadora do LabCidade da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, Isadora Guerreiro, diz que é grande a chance de adesão popular ao Reurb.

"A família prefere pagar para finalmente ter a posse, demonstrando certo afastamento da percepção de que o direito à habitação é dever do Estado", afirma a professora.

"Há uma dimensão política e populista nisso: o estado joga a responsabilidade para as famílias e elas ainda serão eternamente gratas ao Tarcísio", completa Isadora.

Críticas rebatidas pelo governo com o argumento de que cabe à CDHU buscar equilíbrio entre o direito de moradores das ocupações e o de famílias que não recorrem às invasões enquanto esperam por uma unidade, diz o secretário estadual de Desenvolvimento Urbano e Habitação, Marcelo Cardinale Branco.

Caso a CDHU custeasse a regularização fundiária e urbanização, além de abrir mão da disputa judicial pelos terrenos, o governo sinalizaria certo estímulo às ocupações de áreas públicas como forma de "furar a fila" da habitação, avalia o secretário.

Livrar-se de um engodo que há décadas consome recursos, conferindo uma marca negativa à CDHU, é também um bônus almejado pela proposta de regularização. "Uma companhia de habitação não pode ser dona de 50 favelas", afirma Branco.

Estimativas da CDHU apontam que cada moradia regularizada teria custo entre R$ 30 mil e R$ 50 mil. Dinheiro que não necessariamente dependerá da arrecadação direta dos moradores. Financiamento, doações privadas e recursos públicos, desde que não sejam da CDHU, são admitidos pelo edital. O valor poderia vir, por exemplo, do governo federal, da prefeitura ou de emendas parlamentares, entre outras hipóteses.

Desocupação de áreas de risco, obras de saneamento, pavimentação de ruas e vielas, liberação de acessos e construção de espaços públicos serão contrapartidas requeridas.

"E se eu disser que nós já estamos fazendo tudo isso aqui, sem nem saber deste edital?", afirma Paulo Henrique Evaristo, 41, líder comunitário da Vila Silvia.

Mais conhecido como Jambo, ele recebeu a Folha na sede do Instituto Filhos do Gueto, do qual é presidente. Informado pela reportagem sobre a publicação do chamamento público, afirmou que as comunidades têm capacidade de organização para aderir ao programa e até mesmo custear a regularização.

Para reforçar seu ponto de vista, mostrou vielas pavimentadas pela Sabesp, em acordo feito com a comunidade durante obras de saneamento do bairro, além da praça com chão cimentado e cercada por grades. No local, onde uma das casas tem piscina na cobertura, crianças pedalam bicicletas doadas por empresários locais, sob supervisão de uma recreadora paga pela associação.

Jambo diz que a titularidade dos imóveis é o que falta para que a comunidade sinta segurança em promover mais benfeitorias. "Quem não quer ter a sua moradia digna? Isso muda o jogo", afirma.

Em um dos corredores, a dona de casa Marta Alves, 58, confirma a disposição da comunidade em fazer o necessário pela regularização. "Se precisar, a gente paga", afirma. "Eu não falo só por mim, pode bater em qualquer porta e perguntar", diz Marta.

Do outro lado do muro, a síndica do conjunto da CDHU, Juscileide de Carvalho, 52, diz esperar que a proposta resolva problemas criados pela ausência do estado ao longo de anos. O mais visível deles está no muro escorado com madeiras atrás dos prédios. "As caixas de esgoto da comunidade que romperam vazaram e enfraqueceram a estrutura", diz.

Leide, como é conhecida, integra a Pastoral de Moradia Leste 2, movimento ligado à Igreja Católica responsável pela construção em sistema de mutirão da maior parte das unidades onde vivem mais de 2.400 famílias. "É importante organizar [a ocupação na área da CDHU] para que a gente também não sofra as consequências."

A CDHU diz que problemas como os danos ao muro que separa o condomínio é o tipo de questão que poderá ser resolvida pela comunidade que aderir ao programa.