domingo, 2 de junho de 2024

Marcos de Vasconcellos -Blusinhas são o novo aço, FSP

 De repente, as tarifas sobre a importação de roupas e bugigangas de até US$ 50 viraram assunto obrigatório do noticiário econômico e das redes sociais. A aprovação do fim da isenção pela Câmara dos Deputados causou uma avalanche de especulações sobre seus efeitos.

As empresas mais afetadas se manifestaram. Shein e AliExpress chamaram a taxação de "retrocesso" e calcularam que seus produtos mais baratos pagarão uma alíquota de 44,5% de imposto. Jogo jogado.

Chamou a atenção a Shopee, também chinesa e com público bem semelhante às outras duas, elogiar a medida. A empresa sacou da cartola um número chamativo: A cada 10 compras feita no Brasil em sua plataforma, 9 são de produtos nacionais.

Shopee foi a única das varejistas chinesas a não reclamar da taxação; entenda - Ajeng Dinar Ulfiana/Reuters

Ironia: blusinhas e bugigangas que acreditávamos serem fabricadas a preços irrisórios na China estão, na verdade, sendo produzidos a preços irrisórios aqui mesmo.

As ações de varejistas nacionais do mundo da moda reagiram inicialmente bem. No dia seguinte à aprovação do projeto pela Câmara (e aqui ressalto que ainda precisa passar pelo Senado), ações da Lojas Renner (LREN3) tiveram alta de 1,29%; e as da C&A, (CEAB3) subiram 5,25%.

O movimento pontual das ações não consegue maquiar o cenário terrível que foi o mês de maio para ambas. No acumulado do mês, os papéis caíram 14% (Renner) e 12% (C&A). O Ibovespa, principal medida da nossa Bolsa, caiu 2,9% no período.

Esse tipo de euforia imediata com o aumento de tarifas sobre concorrentes chineses lembra o caso das siderúrgicas. Completou-se um mês desde que o governo Lula elevou a tarifa para importação do aço chinês para 25%.

A medida foi tomada depois de players do setor colocarem a faca no pescoço do governo (falei sobre isso aqui) ameaçando retirar seu apoio político, muitas vezes traduzido em doações polpudas, às vésperas de eleições municipais.

O imposto veio, mas não me parece que tenha destravado valor das empresas nacionais. Desde 22 de abril, às vésperas do aumento de tarifas, as ações da Usiminas (USIM5) despencaram mais de 22%; as da CSN (CSNA3) caíram mais de 11%; e as da Gerdau (GGBR3) perderam mais de 5% do valor.

A fim de comparação, o Ibovespa caiu pouco mais de 2,5% no período.

Veja bem, não estou aqui discutindo o quanto as novas taxações podem ajudar o governo a fechar as contas, nem se são justas ou injustas para com a indústria nacional. Apenas chamo a atenção para os parcos efeitos sobre o valor das empresas ao sufocar a concorrência com tarifas.

O nosso varejo sofre. E continuará sofrendo enquanto persistirem as taxas de juros astronômicas, usadas como método de controle de uma inflação duradoura. Não há remédio para ele que não seja o aumento do poder de compra das famílias. Espantar concorrentes estrangeiros é mais espuma do que chope.

Quanto à indústria, os efeitos dos juros são a falta de dinheiro para investir em crescimento. O setor está sufocado e vai buscar culpados aqui ou na China. Os resultados estão na mesa, com pistas que não podem ser ignoradas.

Parques alagáveis são aposta para mitigar enchentes na Grande Salvador, FSP

 João Pedro Pitombo

SALVADOR e LAURO DE FREITAS

Com uma bola de futebol nas mãos, o comerciário Edson Leal Guimarães, 51, caminha ao longo das trilhas do Parque Rosa dos Ventos no Jardim das Margaridas, bairro que fica no limite entre as cidades de Salvador e Lauro de Freitas.

Ao mesmo tempo em que pratica exercícios, confere as condições do campo de futebol depois das chuvas. O terreno está quase seco e o "baba dos cinquentões", que reúne amigos da mesma faixa etária para um futebol nos fins de semana, deve acontecer sem sobressaltos.

O campo fica em uma área de baixada em 1 dos 5 parques alagáveis construídos pelo Governo da Bahia entre 2020 e 2022 e que funcionam como zona de amortecimento para as cheias do rio Ipitanga, um dos principais da Grande Salvador.

Reservatório de Amortecimento no Parque da Mata, localizado no bairro do Cassange, em Salvador - Rafaela Araújo/Folhapress

O projeto está alinhado ao conceito das cidades-esponja, apontado como uma das alternativas para mitigar os efeitos de enchentes como as que devastaram cidades do Rio Grande do Sul e devem ser mais recorrentes em decorrência dos efeitos das mudanças climáticas.

O sistema de parques alagáveis já é uma realidade em cidades da ChinaEstados UnidosDinamarca, Países Baixos e Canadá. No Brasil, uma iniciativa em menor escala foi desenvolvida em Jaraguá do Sul (SC).

Ao contrário das soluções tradicionais baseadas em barragens e piscinões de concreto, os parques alagáveis aliam espaços de lazer para a comunidade com áreas verdes, que atuam para reter as águas das chuvas.

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Ao todo, foram implantados seis reservatórios na bacia do rio Ipitanga que possuem capacidade para armazenar 1,2 bilhão de litros de água, cuja vazão pode ser controlada antes de seguir seu fluxo natural pelo rio. Apenas um deles, que fica dentro de uma área militar, não possui áreas de lazer.

As zonas de amortecimento das águas são interligadas pelo rio e seus afluentes. Uma vez inundadas, a água é liberada de forma lenta e gradual, normalizando a vazão do rio nos trechos que ficam adiante.

"O reservatório segura a primeira onda de chuva, impedindo que a água vá para comunidades na beira do rio. Na medida que a chuva aumenta, acionamos o reservatório seguinte. É uma sequência de amortecimento e retenção", explica o engenheiro Jorge Lima, um dos responsáveis pelo projeto.

O sistema foi implantado pela Conder, estatal do governo do estado responsável por obras de infraestrutura. Foram investidos R$ 211 milhões em recursos federais e estaduais.

A área alagável tem até três níveis. As cotas mais altas abrigam estruturas de lazer como ciclovias, parques infantis e campos de futebol, utilizados pela população nos períodos de seca e que podem ser alagados em casos de cheias excepcionais.

As enchentes do rio Ipitanga são um problema histórico para comunidades de Salvador e Lauro de Freitas, que enfrentam alagamentos e inundações no período de chuvas, que na região se estende entre abril e agosto.

A ocupação irregular do solo agrava o problema. As construções nas margens do rio ou até mesmo em cima dos canais dificultam o trabalho de drenagem, fazendo com que os alagamentos se tornem uma constante.

A solução passa pela remoção e indenização das famílias que construíram suas casas nas margens dos rios. O processo de implantação dos parques é acompanhado pelo Ministério Público do Estado da Bahia por meio da Promotoria de Meio Ambiente, Habitação e Urbanismo da capital.

A promotora Hortênsia Pinho classifica como positiva a iniciativa de criação dos parques alagáveis, mas alerta para a necessidade de obras complementares para garantir a vazão do rio nos períodos de cheia.

"É claro que o ideal seria pensar em uma cidade-esponja, embora a gente saiba que esta não é uma solução fácil porque existe um custo alto de manutenção. Mas foi uma solução interessante", avalia a promotora.

Um desafio adicional é a barragem Ipitanga, que fica cerca de um quilômetro acima do primeiro reservatório e é responsável por cerca de 5% do abastecimento de água de Salvador. Em períodos de chuvas fortes, as comportas são abertas, aumentando o volume de água nas áreas que ficam à jusante.

Em abril deste ano, as fortes chuvas associadas ao maior volume de água que veio da barragem resultaram em inundações nos bairros de Cassange e São Cristóvão, ambos em Salvador, deixando os moradores ilhados.

Líderes comunitários afirmam que, a despeito da construção dos reservatórios, os alagamentos perduram em Salvador pela falta de dragagem e aumento da calha no rio, que foi feito apenas no trecho em Lauro de Freitas.

Na cidade vizinha, a calha do rio foi ampliada de 8 para 22 metros, medida que associada aos parques alagáveis fez reduzir alagamentos que costumavam atingir áreas centrais e bairros da periferia.

"Em Salvador, fizeram os reservatórios, mas não fizeram a dragagem. É uma questão lógica: se você não abre o caminho para a água escoar, ela vai atingir as comunidades ribeirinhas", afirma Edvado de Souza, do conselho de moradores do bairro de São Cristóvão.

A situação foi semelhante no bairro do Cassange, onde foi implantado um dos parques alagáveis. Vice-presidente da Associação de Moradores do Cassange, Islan Brito afirma que o rio Ipitanga está bastante assoreado naquele trecho e cobra investimentos na drenagem dos canais.

O engenheiro Jorge Lima, da Conder, reconhece a necessidade de alargar e desassorear os trechos do rio em Salvador, incluindo obras de microdrenagem para desobstruir as redes pluviais.

"Tivemos já várias reuniões com as comunidades. Eles estão ainda insatisfeitos, acham que a obra tinha que resolver tudo. Mas não é assim, uma obra dessa tem uma complexidade grande", afirma.

Outra queixa dos moradores é a falta de manutenção dos parques alagáveis. Mesmo inaugurados há poucos meses, alguns já têm equipamentos quebrados, falta de iluminação pública e vegetação sem poda, o que deixa os locais ermos no período da noite.

"O parque foi bom para a comunidade, mas precisa ser cuidado", afirma o baiano de acarajé Gregório Bastos, 63, que mora em um bairro próximo ao parque Rosa dos Ventos, no Jardim das Margaridas, e costuma fazer caminhadas no local.

Os parques em Salvador seguem sob responsabilidade do governo do estado e não foram repassados para a prefeitura. Em Lauro de Freitas, o município assumiu a manutenção das áreas.

PARQUES ALAGÁVEIS NA GRANDE SALVADOR

Parque Sítio das Palmeiras
Cassange, em Salvador
Capacidade: 315,8 mil metros cúbicos

Parque Rosa dos Ventos
Entre o Jardim das Margaridas, em Salvador, e Itinga, em Lauro de Freitas
Capacidade: 206,7 mil metros cúbicos

Parque Alameda dos Ingazeiros
Centro de Lauro de Freitas
Capacidade: 641,7 mil metros cúbicos em conjunto com o reservatório 4A, que fica em um terreno da base aérea de Salvador

Parque da Mata
Itinga, em Lauro de Freitas
Capacidade: 125,6 mil metros cúbicos

Parque das Águas
Entre a Cidade Nova e Jardim Castelão, em Lauro de Freitas
Capacidade: 120,6 mil metros cúbicos