sexta-feira, 2 de fevereiro de 2024

O lugar onde Anita Malfatti fez sua exposição revolucionária, FSP

 Vicente Vilardaga

SÃO PAULO

Andando pelas ruas do centro, cruzando o Viaduto do Chá, deparei-me com o prédio onde Anita Malfatti fez sua exposição crucial, aquela que foi capaz de mudar sua mentalidade e sua vida. E que ajudou também a transformar o Brasil.

Foi entre dezembro de 1917 e janeiro de 1918, período em que a Revolução Russa fervilhava. Aconteceu cinco anos antes da Semana de Arte Moderna e influenciou fortemente a grande festa modernista no Teatro Municipal.

O prédio onde aconteceu o evento, chamado de Exposição de Pintura Moderna, era o Salão do Palacete Lara ou Salão da Libero Badaró 111, um lugar aberto aos acadêmicos e às vanguardas.

Outrora, o número do edifício era 111 e hoje é 336. O térreo, no número 332, é ocupado pelo restaurante Pirandello e a construção de cinco andares está bem cuidada e mantém a beleza e a elegância.

Anita Malfatti
Retrato da pintora Anita Malfatti quando jovem - Domínio público

A exposição foi concorrida e teve apreciadores entusiasmados, mas um personagem que a visitou causou estragos na trajetória da pintora. Foi o escritor Monteiro Lobato, que viu os quadros e não gostou porque não encontrou naquelas obras o que classificava de "arte pura".

A partir da experiência do Palacete Lara escreveu um famoso artigo com o título "A propósito da exposição Malfatti", que ficou conhecido como "Paranoia ou Mistificação", publicado do jornal O Estado de S.Paulo.

No texto infame, Lobato dizia que a obra de Anita era e só poderia ser sincera nos manicômios e era fruto de um estado de psicose.

Também classificava Anita como uma classe de pintora que vê anormalmente a natureza, "à luz de teorias efêmeras, sob a sugestão estrábica de escolas rebeldes, surgidas cá e lá como furúnculos da cultura excessiva. São produtos de cansaço e do sadismo de todos os períodos de decadência: são frutos de fins de estação, bichados ao nascedouro. Estrelas cadentes, brilham um instante, as mais das vezes com a luz de escândalo, e somem-se logo nas trevas do esquecimento".

Prédio onde Anita Malfatti fez sua exposição
Palacete Lara: prédio onde Anita Malfatti expôs suas obras - Vicente Vilardaga

Foi uma crítica cruel e provinciana e, por causa do vanguardismo da exposição, a artista foi injustamente atacada. Entre 1910 e 1916 ela havia estudado na Europa e nos Estados Unidos e trazido ideias avançadas sobre pintura, além de uma forte influência expressionista. Estava à frente de seu tempo e Lobato não foi capaz de compreendê-la.

Seja como for, a exposição ficou para a posteridade e é considerada um marco histórico das artes plásticas no país. O prédio onde ela aconteceu tem uma daquelas plaquinhas azuis que a Prefeitura coloca em locais onde houve grandes acontecimentos na cidade.

Entre os trabalhos expostos por Anita estavam "A Boba", "Torso/Ritmo", "O Japonês", "A Estudante Russa", "O Homem Amarelo" e "Mulher de Cabelos Verdes".

O salão do palacete cedido pela exposição pertencia ao conde Lara, cujo nome era Antonio de Toledo Lara. Quando Anita exibiu suas obras, o prédio acabava de ser inaugurado = o alvará para a construção é de maio de 1916. O mesmo local, anteriormente, foi ocupado por uma loja de cerâmica e por uma fábrica de coroa de flores para enterros

Obra de arte
'O Homem Amarelo', de Anita Malfatti, que fez parte exposição de 1917 - Coleção de Artes Visuais do Instituto de Estudos Brasileiros da USP/Divulgação

Apesar de abrigar um evento de vanguarda, o perfil do salão era eclético. O espaço cedido pelo conde para as exposições era o andar térreo do edifício, onde hoje está o restaurante Pirandello.

Além de Anita, paisagistas convencionais e acadêmicos como Alfredo Norfini ou o argentino S.M. Franciscovich, também mostraram seus quadros ali.

Quem descobriu o local exato onde aconteceu a exposição de Anita, que já havia exibido sua produção em pelo menos mais uma ocasião, foi o artista plástico e pesquisador Edgard Santo Moretti.

Ele descobriu o endereço durante suas pesquisas sobre a Semana de Arte Moderna. O prédio da Libero Badaró é um lugar fundamental do modernismo brasileiro, um local de ruptura onde uma das grandes pintoras do Brasil pode mostrar abertamente sua arte. Mas ela nunca mais foi a mesma depois dessa exposição e da crítica de Lobato.


Santa Ifigênia terá mais policiamento noturno após saques, diz governo Tarcísio, FSP

 Tulio Kruse

SÃO PAULO

O governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) prometeu aumentar a quantidade de equipes policiais que patrulham a rua Santa Ifigênia e seus arredores, no centro da capital, área próxima à cracolândia. Comerciantes e moradores dizem que a presença de policiais diminui no período noturno, e a região teve seis saques em menos de um ano.

Segundo o secretário estadual de Segurança Pública, Guilherme Derrite, esse reforço no patrulhamento ocorrerá com policiais militares que trabalham em suas folgas —a chamada Operação Delegada, paga com a Dejem (Diária Especial por Jornada Extraordinária da PM) em um convênio com a Prefeitura de São Paulo. Ele diz que, até agora, o programa não incluía o período noturno na região.

"Creio que hoje [quinta, 1º] nós iniciaremos a Operação Delegada no período noturno, com policiais militares aumentando o efetivo de policiamento", disse Derrite. Questionada pela reportagem, a secretaria comandada por ele não soube dizer o número de novos policiais.

A rua Santa Ifigênia, próximo ao número 670, região onda loja foi saqueada por volta da 19h30; movimento de polícia diminui durante a noite - Rubens Cavallari - 31.jan.2024/Folhapress

Além disso, deve ocorrer um aumento no número de PMs nos batalhões da região no fim deste mês, após o encerramento da Operação Verão, que reforça o policiamento no litoral paulista com policiais de outras partes do estado. Essas vagas devem ser preenchidas com PMs formados no último curso de preparação da corporação.

Tarcísio e Derrite participaram nesta quinta da inauguração da nova Companhia da Força Tática, que integra o 7º Batalhão da PM na capital. A unidade dispõe de 48 policiais em dez carros e motos.

O prédio fica no número 490 da rua Vitória, a um quarteirão da rua Santa Ifigênia. Além disso, está bem próximo da cracolândia: a rua está ligada à dos Protestantes, onde hoje os usuários se concentram no trecho entre as ruas dos Gusmões e Vitória.

Além disso, o governo Tarcísio planeja inaugurar na região uma nova companhia de motocicletas, que deve ter 80 PMs. Ao todo, o secretário estima que haverá 300 novos PMs atuando na região, aproximadamente, até o fim do ano.

policiais fardados estão diante de prédio com inscrição Polícia Militar 190
Nova sede da Companhia de Força Tática do 7º Batalhão Metropolitano na rua Vitória, 490, no centro de São Paulo - Alex Fernandes/Governo do Estado de SP

Comerciantes que trabalham na região da Santa Ifigênia, conhecida pela venda de equipamentos eletrônicos, têm contratado vigilantes particulares para proteger os estabelecimentos à noite.

"É uma opção do comerciante", diz Derrite sobre a contratação de vigias noturnos. "Vai aumentar a visibilidade e a percepção de segurança pública aqui na região com a presença, em especial, de um equipamento publico. Nós temos um prédio ali."

A Prefeitura de São Paulo, por outro lado, já tem alardeado o aumento de efetivo policial no centro. No fim de 2023, a gestão Ricardo Nunes (MDB) já afirmava que o policiamento na região central havia sido reforçado com 1.500 PMs na Operação Delegada, ou seja, trabalhando durante a folga.

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2024

OBITUÁRIO DAVID DE MORAES (1936 - 2024) Mortes: Trocou a vida religiosa e o direito pelo jornalismo, FSP

 Francisco Lima Neto

SÃO PAULO

David de Moraes quis ser muitas coisas, entre elas padre e advogado, mas foi a comunicação que o conquistou. Com o jornalismo, deixou seu nome gravado como crítico da ditadura em defesa da democracia.

Nasceu em Ibiúna, no interior de São Paulo, em 15 de maio de 1936, em uma família simples e bastante religiosa. Tinha uma irmã mais velha e duas mais novas. Foi coroinha, e aos 12 anos se mudou para São Roque (SP) para se tornar seminarista e quase seguiu o caminho da fé. Mas aos 18 anos deixou o interior rumo à capital.

Culto e com boa educação, conseguiu ingressar no curso de direito da USP (Universidade de São Paulo), no largo São Francisco. Trabalhou o tempo todo para custear a vida em São Paulo.

Entrou na Folha como revisor, em 1957. Formou-se em direito, mas o jornalismo já tinha conquistado sua alma. Permaneceu no jornal como repórter por 12 anos.

David de Moraes (1932 - 2024) - Arquivo Pessoal

Foi eleito presidente do Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo para o mandato de 1978 a 1981. Destacou-se pela defesa dos direitos dos trabalhadores e no combate à censura e à ditadura. Foi durante o seu mandato que ocorreu a histórica greve dos jornalistas em 1979, bem como a paralisação dos metalúrgicos do ABC, apoiada pelo sindicato, e a luta contra o fechamento da TV Tupi.

Moraes também participou da criação do Partido dos Trabalhadores e trabalhou na assessoria de vereadores do PT na Câmara Municipal de São Paulo.

O jornalista, que teve dois filhos, era também conhecido pela boa memória.

"Muitos que trabalharam com ele falam: a gente não tinha Google, a gente tinha o seu pai. Tudo ele sabia, e lembrava o que tinha acontecido naquela data, anos atrás", diz a filha, a também jornalista Sílvia de Moraes Braido.

O pai, segundo ela, nunca ficou parado. Cuidava do corpo e da mente. Mesmo no inverno, nadava de dois a três quilômetros por dia. As partidas de xadrez com os amigos também eram regra.

Moraes era um homem que adorava a família e sempre se fazia presente, acrescenta a filha.

"Era um avô superamoroso, daqueles de fazer tudo pelos netos. Não era um avô palhaço, era sério, mas sempre presente na vida dos netos. Minha filha está grávida e ele chegou a saber que estava vindo a bisnetinha", conta Braido.

David de Moraes morreu no dia 14 de janeiro, aos 87 anos, em decorrência de um câncer de próstata metastático. Além da filha, deixou quatro netos.