quinta-feira, 1 de junho de 2023

Mormaço e parceria na floresta, FSP

 Almir Suruí

Cacique geral do povo paiter suruí

Marcelo Thomé

Presidente-executivo do Instituto Amazônia+21 e presidente da Federação das Indústrias do Estado de Rondônia

Indígenas ou não, todos nós brasileiros que vivemos na Amazônia precisamos da mesma oportunidade de produzir para viver, tendo o coração apaziguado pela certeza de que nossos filhos e netos terão essa mesma possibilidade de vida.

Esse sonho pode até parecer uma idealização ancestral de povos originários da nossa grande floresta e dos seus rios, mas na verdade é um princípio básico da condição humana: trabalhar para sobreviver, prosperar em comunidade e legar um mundo melhorado.

Lideranças indígenas paiter suruí com computador na floresta; tecnologias são usadas para vigilância da Terra Indígena Sete de Setembro, que fica na divisa de Rondônia e Mato Grosso - Ubiratan Suruí/Divugalção - Divulgação

Podemos lidar com diferentes processos de produção, desde pequenos negócios comunitários até conglomerados de empresas, mas é preciso respeitar limites, construir consensos e trabalhar em parceria pelo desenvolvimento sustentável da Amazônia, porque a temperatura sobe e o fogo avança na floresta, toma o lugar das águas, espanta as chuvas e seca a terra.

A Organização Meteorológica Mundial emitiu recente alerta sobre fortes altas de temperatura nos próximos cinco anos, apesar dos últimos oito anos terem sido os mais quentes já registrados. A Amazônia sofrerá o impacto, com diminuição de chuvas e prejuízos para a agricultura brasileira. O pacto das nações para conter o aquecimento global em 1,5ºC já não é garantia o bastante. Cada vez mais, cada um de nós precisa produzir cuidando melhor do ambiente.

Ninguém deseja ser tutelado e, muito menos, assimilado. A verdadeira inclusão é o abraço da aceitação e da igualdade. O povo paiter suruí quer conquistar sua autonomia econômica e busca meios e conhecimentos para o uso sustentável da sua terra, com 248 mil hectares entre os estados de Rondônia e Mato Grosso.

Discutir a neoindustrialização não envolve um mero neologismo, mas afasta a ideia de reindustrializar o Brasil repetindo modelos não sustentáveis. Na Amazônia, então, a produção precisa ser descarbonizante e fortalecer a bioeconomia. Isso impõe uma nova indústria que associe floresta, agricultura, comércio, serviços e muita inclusão. Sem a conexão do setor produtivo com as comunidades tradicionais, jamais seremos ESG nem verdadeiramente sustentáveis.

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Povos indígenas foram massacrados, tiveram culturas apagadas e quase sumiram do mapa. Se ainda estão aqui, é porque o Brasil é indígena há mais de 10 mil anos. Já é hora de uma integração verdadeira, honesta, boa para todos e para o ambiente. Temos muito o que aprender uns com os outros e devemos agregar conhecimento científico com saber tradicional.

O Brasil só terá desenvolvimento sustentável se admitir o protagonismo econômico da Amazônia, que só será efetivo com a participação dos povos indígenas e populações tradicionais. O governo federal precisa garantir políticas públicas que permitam aos estados do Norte superar desigualdades históricas e indicadores sociais humilhantes.

A colaboração entre o povo paiter suruí e o Instituto Amazônia+21 e a Federação das Indústrias do Estado de Rondônia, além de inovadora pauta de trabalho, vem declarar superadas velhas formas de permissão para extração de riquezas em terras indígenas e valorizar a capacidade produtiva das populações tradicionais.

Se o mormaço da floresta está mais quente, nossa parceria é um sopro novo de esperança na Amazônia.

Ruy Castro - Lula e Maduro, o amor é lindo, FSP

 Entre as várias besteiras que tem cometido em vez de dedicar-se a reconstruir o país, Lula embarafustou-se por uma mixórdia verbal na segunda-feira (29) ao receber em palácio um convidado que entrou em surdina, quase que pelos fundos e sem limpar os pés: o ditador venezuelano Nicolás Maduro. Lula chamou de "narrativa" as acusações que pesam sobre Maduro e sua maneira de tratar os opositores —com prisões, sequestros, desaparecimentos, afogamentos, tortura, estupros e execuções, tudo isso possibilitado por asfixia da imprensa, degola do Poder Legislativo, pesada corrupção de militares e eleições de araque.

Esse é o violento diagnóstico contra Maduro pela Anistia Internacional, a Human Rights Watch, a Organização das Nações Unidas e o Tribunal Penal Internacional de Haia, entidades a que apelamos contra Bolsonaro por incitação a golpe de Estado, charlatanismo na pandemia e genocídio dos povos indígenas. Não por acaso, Bolsonaro também chamou a isso de "narrativa".

Narrativa, como se vê, é uma história cuja veracidade depende de quem a conta —ou de quem a escuta. Lula instou Maduro a "construir sua narrativa, para que possa efetivamente fazer as pessoas mudarem de opinião". Jurando por essa narrativa antes mesmo de ouvi-la, carimbou: "A sua narrativa vai ser infinitamente melhor do que a que eles têm contra você". O amor é lindo, não?

E então vem a mixórdia verbal: "Está nas suas mãos construir a sua narrativa e virar esse jogo, para a Venezuela voltar a ser um país soberano, onde somente seu povo, por meio de votação livre, diga quem vai governar o país".

Pois não é exatamente o que o mundo espera da Venezuela? Que volte a ser um país soberano, onde somente o povo, através de eleições livres, sem as mentiras, as gambiarras econômicas e o uso da máquina do Estado praticados por Bolsonaro, digo Maduro, escolha quem irá governá-lo.

Bruno Boghossian -Crise é a jogada mais agressiva do centrão para ampliar poder sob Lula, FSP

 A crise aberta pela ameaça de derrubada da Esplanada dos Ministérios foi a jogada mais agressiva do centrão até aqui para ampliar seu poder sob Lula. Depois de exibir força na aprovação de propostas contrárias à plataforma petista, o grupo de Arthur Lira (PP) sinalizou que só deixará o governo respirar se tiver mais influência sobre o Executivo.

O centrão sentiu o cheiro do sangue na água ainda antes da posse. A distribuição de ministérios ignorou aliados de Lira, dividiu partidos numerosos e deixou Lula distante de uma maioria no Congresso. Líderes alinhados ao presidente da Câmara trabalharam para frear a adesão de suas bancadas ao Planalto.

O grupo passou os últimos meses explorando a fragilidade política de um governo que parecia não reconhecer o Congresso com o qual precisava lidar. O Planalto apostou na autoridade de ministros que não conseguiam virar votos em seus partidos e demorou para organizar um escoadouro de emendas parlamentares.

A aprovação do arcabouço fiscal, apesar da vitória do governo, fez com que a pressão evoluísse para a chantagem. O placar evidenciou um governo minoritário e dependente da influência de Lira no plenário.

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O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), conversa com o líder da União Brasil, Elmar Nascimento (BA) - Pedro Ladeira/Folhapress

O Planalto piscou pela primeira vez ao devolver a Lira influência sobre a verba que, sob Jair Bolsonaro, era paga na forma de emendas de relator. Piscou pela segunda vez, na semana passada, ao oferecer a Elmar Nascimento (União Brasil) a indicação de um novo ministro do Turismo.

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Mas o preço do centrão já tinha disparado. O consórcio PP-Republicanos-União Brasil fez chegar ao Planalto o recado de que quer um espaço de peso no governo —incluindo o Ministério da Saúde (com um orçamento polpudo), a Embratur, o Banco do Nordeste e os Correios.

Lula tem poucas ferramentas para enfrentar o impasse. Forçar uma ruptura seria um suicídio político. Com a corda no pescoço, o governo agora discute quanto poder está disposto a ceder para ter a chance de negociar uma agenda com um Congresso notadamente conservador.