Está longe de Bauru, no interior de São Paulo, a caixa de engraxate que Pelé carregava para conseguir alguns trocados na estação ferroviária da cidade em que viveu dos cinco aos 15 anos, antes de ir para Santos.
Foi lá que ele começou a jogar futebol –primeiro nos campinhos de terra, descalço, depois nos times de várzea, com as primeiras chuteiras e, finalmente, no BAC (Bauru Atlético Clube), em sua estreia profissional.
A caixa é um dos itens do Museu Pelé, instalado nos antigos Casarões do Valongo, em Santos. No local estão expostos também documentos, camisas, chuteiras, bolas e troféus do acervo pessoal do mineiro de Três Corações.
Para Bauru, não sobrou nada da linha do tempo do melhor jogador da história. Os planos para construir um memorial em homenagem ao atleta nunca chegaram perto da execução e, ao longo dos anos, foram apagados marcos importantes da década vivida por Pelé na cidade.
O BAC, o primeiro clube, foi demolido em 2006 para a construção de um supermercado. Um mural que retrata o antigo estádio e um painel com fotos são as únicas lembranças dos dias de glória em que a equipe juvenil contava com o talento do futuro rei do futebol.
Após anos de abandono, de invasões e de um incêndio, a casa da família Arantes do Nascimento, na região central, foi demolida em 2015. O ex-jogador passava as temporadas de folga com os pais no imóvel, mas nunca morou lá.
Reconhecido mundialmente, Pelé manteve amigos durante muitos anos e recebeu homenagens na cidade em que foi revelado.
Nas últimas quatro décadas de vida, no entanto, deixou de visitar Bauru e aumentou a distância dos amigos da infância e da adolescência, sem uma explicação conhecida para isso.
Em 2014, ano da Copa do Mundo no Brasil, o memorialista Luciano Dias Pires, que coleciona histórias sobre a cidade do interior paulista, declarou ter vontade de encontrar o jogador e perguntar porque ele não aparecia mais no lugar em que despontou.
Em 2020, ao ser entrevistado pela CNN, Pelé lembrou dos períodos de férias que passava em Bauru ao lado da família.
"Eu chegava todo cheio de máscara e ele (Dondinho, o pai) falava: não vem com esse negócio aí não porque você ganhou de Deus esse presente de ser jogador de futebol. Murcha essa bolinha".
Foi por causa de Dondinho que a família mudou para Bauru, em 1945. Também jogador, ele havia sido contratado pelo Lusitana (depois BAC), onde atuou durante oito anos até encerrar a carreira, devido a lesões que traumatizaram a família. A mãe de Pelé, Celeste, 100, temia que o filho tivesse o mesmo destino.
Nesta quinta-feira (29), dia em que o jogador morreu, a prefeita de Bauru, Suéllen Rosim (Patriota), decretou luto oficial de três dias e lembrou que foi na cidade que o atleta deu seus primeiros passos.
É uma história que está contada no livro "De Edson a Pelé", de 1997, sobre a infância do rei, escrito pelo jornalista Luiz Carlos Cordeiro.
"Onde se anunciava a sua presença, lá ia o povão gozar as delícias de um grande jogo, de lances fenomenais. E todos já sabiam: onde tinha Pelé, tinha espetáculo", diz trecho da publicação.