quinta-feira, 11 de março de 2021

MARCELO KNOPFELMACHER E FELIPE LOCKE CAVALCANTI - Operação Spoofing: prova ilícita e imprestável, FSP

 Marcelo Knopfelmacher

Advogado dos procuradores da República Deltan Dallagnol, Januário Paludo, Laura Tessler, Orlando Martello Júnior, Júlio Carlos Motta Noronha, Paulo Roberto Galvão de Carvalho e Athayde Ribeiro Costa

Felipe Locke Cavalcanti

Advogado dos mesmos procuradores, é procurador de Justiça aposentado do Ministério Público de São Paulo

Recentemente, grande debate tomou lugar nos meios jurídicos e políticos a partir do pedido formulado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para, em sede da reclamação 43.007, de relatoria do ministro Ricardo Lewandowski, ter acesso ao material apreendido na Operação Spoofing, em que hackers invadiram dispositivos telefônicos, telemáticos e de informática de uma vasta gama de pessoas, dentre as quais autoridades públicas.

Com a autorização concedida pelo ministro do Supremo Tribunal Federal —decisão contra a qual um grupo de sete procuradores da República que atuaram na Operação Lava Jato está se insurgindo por meio de recursos próprios—, o material apreendido na Operação Spoofing vem novamente a público na tentativa de descredenciar todo o trabalho realizado pela Lava Jato ao longo dos últimos anos.

exposição da intimidade das pessoas é chocante, e recentemente foram anexadas fotos de crianças nesses autos, em verdadeiro desrespeito ao que preceitua o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Mas o que mais choca é a tentativa desesperada de um réu já condenado em instâncias inferiores de trazer credibilidade ou veracidade a aludido material, invertendo sua posição processual para desacreditar o trabalho da acusação e da Justiça.

O ponto central da nossa manifestação consiste em destacar uma questão fundamental: o material apreendido com os hackers na Operação Spoofing jamais foi periciado e jamais será a ponto de se tornar uma prova aceitável do ponto de vista jurídico.

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Explica-se: o que se tem hoje é um material apreendido com hackers, réus confessos, que invadiram dispositivos telefônicos, telemáticos e de informática de uma vasta gama de pessoas. Os crimes de invasão desses dispositivos e de realização sem autorização judicial de interceptações telefônicas, telemáticas ou de informática, previstos no artigo 154-A do Código Penal e no artigo 10 da lei nº 9.296/1996, são crimes formais. Realizam-se mediante a mera conduta de invadir ou realizar a interceptação, pouco importando a higidez ou validade do material que foi objeto daquela invasão ou interceptação.

E é aqui que reside a grande confusão a que está sendo levada a opinião pública porque, no momento em que a Polícia Federal apreendeu o material hackeado, não se pôde fazer uma comparação por meio de perícia entre o que foi apreendido e o que supostamente constava dos celulares ou das contas do aplicativo Telegram dessas autoridades públicas. Não se fez, assim, o cotejo entre o que foi apreendido e o que supostamente foi digitado porque, para a apuração de tais crimes (formais e de mera conduta), basta apenas a prova de que houve a invasão ou a interceptação indevidas e à margem da lei.

O laudo da Polícia Federal mencionado nas decisões judiciais é uma espécie de “auto de busca e apreensão” para apenas descrever o que foi apreendido e para lacrar, a partir do momento da apreensão, quaisquer adulterações futuras a partir de então. Tal laudo, contudo, jamais poderia atestar, como de fato não atesta, que o material apreendido corresponde àquilo que teria sido digitado entre as vítimas simplesmente porque esse cotejo jamais existiu e mesmo porque, ao tempo da busca e apreensão, muitos usuários já sequer tinham contas ativas no Telegram.

Daí porque, por mais que se tente fazer um eco na opinião pública para desacreditar a Operação Lava Jato, o material apreendido na Operação Spoofing jamais poderá ser utilizado como prova em defesas judiciais porque se trata efetivamente de uma prova ilícita, posto que obtida por meio de prática criminosa (conforme já decidido pelo STF no HC 168.052, relatoria do ministro Gilmar Mendes) —e porque se trata de uma prova imprestável, posto que não tem correspondência aferida com aquilo que as vítimas teriam supostamente digitado.


A última pá de cal na Lava Jato, Frederico Vasconcelos, FSP

 

A decisão do ministro Edson Fachin de anular as condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na Operação Lava Jato teve o efeito colateral (momentâneo) de sobrepor o debate político à grita contra o genocídio oficial diante da pandemia.

Com a escalada de críticas de Gilmar Mendes, desqualificando seu trabalho como relator, Fachin deve ter pressentido o inevitável enterro da Lava Jato. Ou seja, a pá de cal definitiva, pois a primeira foi lançada pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, ao desidratar e desmontar as forças-tarefas.

Isolado, como ficou evidente nas recentes entrevistas à Folha, Fachin resolveu se antecipar ao ex-presidente do STF e tentar preservar o ex-juiz Sergio Moro e parte da operação.

Fachin decidiu tirar “o doce da boca de Gilmar”, dizia uma procuradora nesta segunda-feira (8). “Tirou o tapete e o holofote do Gilmar”, comentou um juiz.

Ambos previam que Gilmar iria se insurgir e “tratorar” Fachin já nesta terça-feira.

Porteira aberta

A nomeação de Kassio Nunes para a vaga de Celso de Mello –um substituto sabidamente contra a Lava Jato– tornou inócuo esperar outra decisão da Segunda Turma do STF que não fosse detonar Moro e a chamada “República de Curitiba”.

Um juiz federal definiu o ato de Fachin como a “abertura da porteira”. Ele antevê algumas dificuldades imediatas. Se o juiz é incompetente, como ficam as buscas e apreensões, delações homologadas etc.?

Como o ministro decidiu anular os atos decisórios –ou seja, da denúncia para a frente não vale nada– ele prevê que a defesa vai entrar com outros habeas corpus, sustentando que a incompetência do juiz é desde a instauração das investigações, anulando buscas, escutas, homologações de colaborações etc.

Sem falar nas ações de indenização pela prisão de Lula, pelos danos eleitorais.

Segundo ele, talvez a decisão de Fachin enfraqueça ainda mais as possíveis (e remotas) ideias de Moro concorrer às eleições em 2022. Pode restabelecer a dicotomia esquerda e direita, enfraquecendo alguma candidatura “de centro”. A conferir.

A candidatura de Lula em 2022 volta a ser uma hipótese. Se a decisão de Fachin for mantida, legitima um mote de forte apelo popular: o ex-presidente foi preso com base em provas anuladas.

Oposição interna

O Blog pediu a avaliação do procurador da República Celso Três, antigo crítico no Ministério Público Federal da força tarefa de Curitiba –o que é atribuído a ressentimentos, por não ter sido convidado a compor a equipe.

Diz ele:

“A validade das decisões de Moro anteriores à denúncia é controversa; primeiro, não é apenas a competência territorial; lembro que o STF decidiu pela competência da Justiça Eleitoral em casos vinculados às eleições.

Além disso, também claro que Curitiba investigou pessoas com foro privilegiado; mesmo que, por si só, Lula não tivesse vínculo com as eleições e foro especial, seus atos têm conexão com pessoas que têm cargos e prerrogativas.

A competência territorial não anula quando a parte não alega; porém, no caso, desde o início (quebras de sigilo, condução coercitiva…) a defesa de Lula arguiu o vício do juízo“.

Ele não vê obstáculos operacionais na transferência do caso para a Justiça Federal do Distrito Federal. “Não vejo problema, até porque a instrução está feita; mesmo que anulem algumas quebras de sigilo de Moro, elas poderão ser reproduzidas sem grande dificuldade”.

Celso Três foi duas vezes colocado à parte no MPF.

Ele atuou no caso Banestado, mega lavagem de dinheiro nos anos 1990 julgada por Moro, uma espécie de laboratório para a Lava Jato. Três criticou a força-tarefa por “violar os limites da ação penal e promover uma ‘avalanche justiceira’, o que “criou condições que ajudaram a eleger o presidente Jair Bolsonaro”.

Ele condenou a divulgação de delações premiadas e criticou, em documento, as “10 Medidas Contra a Corrupção”, defendidas por Moro e pelos procuradores de Curitiba.

Em novembro de 2020, Três foi designado por Aras para comandar a Operação Greenfield, criada em Brasília para apurar desvios em bancos e fundos de pensão. A operação estava sem titular. Três foi o único a se oferecer para a empreitada, depois que o procurador da República Anselmo Henrique Cordeiro Lopes se afastou, por falta de apoio de Aras.

Três diz que deixou a Greenfield depois que o Conselho Superior do Ministério Público lançou nota pública apontando ilegalidade de sua designação. E diz que sofreu linchamento quando adversários de Aras divulgaram que ele “não queria trabalhar”.