quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

Em estagnação: o raio-x de um problema nacional, Guilherme B. Checco, Nexo

 Desde 2000, não há melhora substancial nos indicadores de acesso à água e ao saneamento básico, direitos humanos fundamentais que deveriam ser garantidos pelo Estado

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O leitor que se deparou com o título deste artigo pode ter imaginado, num primeiro relance, que trataria da economia brasileira. É um pensamento de certa forma intuitivo, dada nossa completa falta de rumo nesse campo e os recentes e ainda presentes impactos da covid-19.

Não, caro leitor. O assunto aqui é saneamento básico. Algo tão ou mais dramático do que a economia propriamente, que afeta de forma profunda a saúde pública, a qualidade de vida e a dignidade das pessoas, e que também impacta diretamente a economia.

A justificativa da constatação explicitada no título é simples: no dia 15 de dezembro de 2020, o governo federal publicou os diagnósticos referentes a 2019 para água e esgoto, manejo de resíduos sólidos urbanos e drenagem e manejo das águas pluviais urbanas no SNIS (Sistema Nacional de Informação sobre Saneamento). A fotografia da realidade nacional é tão ruim que merece ser minuciosamente descrita e analisada, destacando que o foco deste artigo é em água e esgoto.

Compreender a nossa situação atual é o primeiro passo para vislumbrar alguma melhora futura. Vejamos se ao menos essa primeira etapa nós conseguimos cumprir. Uma vez que o noticiário está tomado por outros assuntos, que vão desde o plano nacional de vacinação até a aprovação dos orçamentos públicos para 2021, este breve texto busca jogar luz para a situação do saneamento básico no Brasil.

Começando pelo começo e talvez por um dos elementos mais simbólicos do lançamento desses dados: eles são de 2019! Somente após transcorridos 349 dias, o Brasil é capaz de publicar seu diagnóstico oficial do setor. Será que não somos capazes de gerar esse registro de forma mais ágil, que permita que nossa sociedade e nossos tomadores de decisão tenham uma dimensão mais assertiva da realidade, que permita, inclusive, corrigir rotas? Demandamos das empresas relatórios financeiros minuciosos a cada trimestre. As tecnologias permitem identificar alertas de desmatamentos a partir de imagens de satélite praticamente ‘just in time’ (de forma instantânea). O atraso na publicação dos dados de saneamento são fruto de dificuldades tecnológicas, de gestão ou de interesse e vontade política?

Observemos os dados estáticos de 2019. Temos, no Brasil, em pleno século 21, 39,2 milhões de pessoas sem acesso à água potável. Nosso índice de perdas na distribuição de água é de 39,2% na média nacional. O que significa dizer que, por conta de tubulações antigas, malfeitas e com vazamentos, a cada 100 litros de água captada e tratada — ou seja, a um custo operacional que todos nós pagamos —, 39 litros são perdidos e não chegam ao seu destino final.

E mais, 99,7 milhões de brasileiros não têm sequer coleta de esgoto, o que corresponde a cerca de 48% de nossos compatriotas. Ainda segundo os dados do governo federal, é possível calcular o assustador volume de esgoto que jogamos in natura, sem nenhum tratamento, em nossos rios: 24 bilhões de litros diários de esgoto!

O DRAMA VIVIDO DIARIAMENTE POR PARTE SIGNIFICATIVA DA POPULAÇÃO BRASILEIRA ENCONTRA-SE EXPRESSO NESSES INDICADORES. NÃO SE TRATAM DE DADOS FRIOS, MERAS ESTATÍSTICAS

O raio-x estatístico por si só já comunica o tamanho desse drama nacional. Especialmente porque, vale lembrar, estamos falando de dois direitos humanos fundamentais. Acesso à água e ao esgoto estão diretamente relacionados à própria existência humana, à prevenção da veiculação de doenças, à qualidade de vida, a condições dignas de moradia, entre tantos outros aspectos. Além disso, a ciência aponta que a ausência de saneamento aumenta drasticamente o risco de malformação cerebral em nossas crianças. Ou seja, a universalização não nos prejudica somente no presente, mas também mata nosso futuro.

A perspectiva do direito humano nos exige também compreender a realidade a partir de um esforço ao longo do tempo. Na verdade, reconhecer esses dois serviços como direitos humanos significa que o Estado em sua concepção mais ampla, em todos os níveis de governo e inclusive a partir de suas agências reguladoras, tem a obrigação de garantir a melhoria progressiva das condições de acesso, disponibilizando todos os esforços e recursos disponíveis.

Notem: “melhoria progressiva” e “esforços e recursos disponíveis”.

A ideia de aprimoramento ao longo do tempo é central. Vejamos, então, o que nos aponta o SNIS 2019. O gráfico abaixo ilustra como o Brasil vem desempenhando em quatro principais indicadores do setor.

Indicadores saneamento básico

A primeira constatação que chama a atenção, de cara, é exatamente a estagnação dos indicadores. Não há melhora substancial ao longo desse período de 20 anos!

Ao compararmos 2018 com 2019, é possível notar o resultado ínfimo ao longo desses 365 dias. O atendimento de água foi de 83,6% para 83,7%. Mero 0,1% de avanço! Em coleta de esgoto, saímos de 58%, em 2018, para somente 59,4%. O índice de tratamento de esgoto subiu de 46,2% para 49,1%. E o único indicador que nós desejamos que abaixe, aumentou: as perdas subiram de 38,4% para 39,2%, ou seja, um manancial extremamente valioso extravasa pelas nossas tubulações.

Os dados absolutos observados nessa perspectiva temporal tampouco são animadores, especialmente em se tratando de uma das dez maiores economias do mundo. No esforço entre 2018 e 2019, diminuímos em apenas 200 mil pessoas a população sem acesso à água (eram 39,4 milhões, passou para 39,2 milhões). Em termos de coleta de esgoto a queda foi de 1,3 milhão de brasileiros que deixaram de compor o dado dos “sem coleta”. Por outro lado, aumentamos em 300 milhões os litros diários de esgoto jogados todos os dias na natureza sem nenhum tratamento.

O drama vivido diariamente por parte significativa da população brasileira encontra-se expresso nesses indicadores. Não se tratam, portanto, de dados frios, meras estatísticas. Eles ilustram e registram algo da vida real e merecem atenção.

Não se trata simplesmente de apontar as dificuldades do Brasil. A ciência e a prática indicam que o passo inicial para uma transformação é conhecer com profundidade e com a cautela necessária o registro histórico do passado e analisar o presente. Reconhecer nossas fraquezas é uma etapa fundamental para o avanço civilizatório do país nessa agenda.

Lembram-se do conceito do direito humano e da obrigação do Estado de disponibilizar “todos os esforços e recursos disponíveis”!? Pois esse é um aspecto fundamental caso a sociedade brasileira queira de fato alcançar a universalização do acesso ao saneamento básico. Imaginar que os investimentos virão apenas da iniciativa privada, a partir da aprovação do novo marco legal do setor, é mera ilusão ou conto de fadas. Nenhuma experiência internacional demonstra a possibilidade de não haver uma participação efetiva do Estado, inclusive sob a ótica dos investimentos, para alcançar essa meta.

É necessário ter um debate sério e profundo na sociedade brasileira, construindo um novo acordo social que priorize esse setor.

Guilherme B. Checco é mestre em ciência ambiental pela USP (Universidade de São Paulo). Coordenador de pesquisas do IDS (Instituto Democracia e Sustentabilidade).

Colaborou Caroline Souza com o gráfico.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

Tilápias ou Saint Peter, criação é ideia de jerico, MAR SEM FIM, OESP

 No passado recente houve quem tentasse. Foi na época do Lulopetismo e sua quadrilha de Ali Babas. Certa feita, em 2008, Lula decidiu que chegara a hora de promover uma reforma aquária (sic) no País criando tilápias ou Saint Peter.

Não é de hoje que presidentes pisoteiam a Última flor do Lácio

Entre as providências de Lula, além de criar um inútil Ministério da Pesca, estava a criação de tilápias ou Saint Peter uma agressiva espécie invasiva conhecida nos restaurantes como  Saint Peter ou Saint Pierre (por que será que não vendem o peixe com nome verdadeiro? Ganha um doce quem descobrir.).

A ideia do ‘pai dos pobres’  visava a dobrar a produção de pescado e gerar mais de 1 milhão de empregos, por meio da construção de novos terminais marítimos. Ao anunciar o megalômano projeto, arrotou pérolas:

chega de estupidez: aquela imensidão do Lago de Itaipu, agora que nós começamos a criar pacu, mesmo assim nos proibiram de colocar lá a tilápia.

Imagem de uma Tilápias ou Saint Peter
Apresentando a tilápia. Imagem, https://engepesca.com.br/.

O presidente,  pescador, resgata a ideia de criação de tilápias ou Saint Peter de Lula da Silva

reforma aquária de Lula  mereceu comentários deste site. Uma vez resgatada pelo presidente, atual pescador no Palácio do Planalto, nos sentimos na obrigação de, da mesma forma, comentar mais esta ação em post de opinião.

A confusão nacional por ele gerada será efeito de cloroquina, pólvora, ou outras drogas?

Mas o jornal O Estado de S. Paulo estava atento e publicou: Bolsonaro quer criar tilápia em Itaipu, mas peixe pode acabar com espécies nativas, em 10/12/2020, de autoria de André Borges.

“O plano do governo Jair Bolsonaro de transformar as represas de 73 hidrelétricas do País em grandes criadouros artificiais de peixe, a maioria deles para tilápia, um peixe exótico que tem suas origens na África e no Oriente Médio, fez acender um alerta entre ambientalistas e cientistas que estudam o tema.”

“O maior receio é de que o peixe, que hoje está presente em boa parte das bacias hidrográficas do País, acabe comprometendo outras espécies nativas que ainda resistem nos maiores rios brasileiros, apesar destes terem sido barrados pelas usinas.”

Governo que refuta a ciência e alarmes de especialistas

“O governo refuta cada um dos riscos colocados pelos especialistas e afirma que possui estudos técnicos suficientes para demonstrar que a tilápia não é uma ameaça, que não se adapta às profundidades comuns aos grandes reservatórios e que não é um predador de nenhuma espécie brasileira.”

“Das 73 barragens selecionadas, 60 preveem a criação de tilápia. Outros 13 reservatórios – dos quais seis estão na Amazônia – seriam usados para criação de peixe nativo, ou seja, de uma espécie natural daquele rio.”

Imagem de criação de Tilápias ou Saint Peter em gaiolas
A criação em gaiolas. Imagem, Google.

O presidente aprendeu a confundir e mentir com seu ídolo, o inquilino despejado da Casa Branca. E jamais ouviu especialistas. Se o fizesse, talvez o Brasil não estivesse hoje às portas de enterrar mais de 200 mil brasileiros que morreram pela ‘gripezinha’ que ele desdenhou.

Ouviu mais uma vez o secretário de Pesca, Jorge Seif Jr., cuja empresa familiar de pesca é campeã em multas por não respeitar o defeso, ou a proibição de pescar espécies ameaçadas de extinção, entre outras.

Estado confirma: “Na terça-feira, 8, Bolsonaro e Jorge Seif Júnior, secretário nacional de pesca e aquicultura do Ministério da Agricultura, foram às redes sociais para afirmar que o governo está próximo de viabilizar o cultivo da tilápia no lago de Itaipu, hidrelétrica binacional que forma um reservatório de 1.350 quilômetros quadrados, na fronteira com o Paraguai.”

André Borges explica como: “A ideia, basicamente, consiste em lançar gaiolas em trechos dos reservatórios, estruturas conhecidas como “tanque-rede”, que ficam amarradas em boias. Dentro desses caixotes submersos, o peixe é criado desde a sua fase inicial de alevino até o momento de abate.”

A opinião de especialistas sobre a criação de tilápias ou Saint Peter

OESP: “Pesquisador do tema há 45 anos, Miguel Petrelli Júnior, professor do Núcleo de Ecologia Aquática e Pesca da Universidade Federal do Pará afirma que, na realidade, há uma série de riscos atrelados à criação em rios, mesmo que represados.”

“Apesar de a tilápia não ser predadora, tampouco carnívora, é um peixe onívoro que se alimenta do que encontra pela frente. Como é de fácil adaptação e de rápida reprodução, acaba dominando a maior parte dos ambientes. Em uma situação de escape desse peixe, essa consequência é clara, diz Petrelli Júnior.”

E disse mais: “Em geral, os produtores colocam essas gaiolas nos braços do reservatório, que são as partes mais sensíveis. Com os dejetos do peixe, aumenta o volume de material orgânico, ampliando a formação de algas, roubando o oxigênio dos demais. Há clara deterioração do espaço ocupado.”

O fenômeno a que se refere o especialista chama-se eutrofização. Mas o presidente é ignorante demais para conhecê-lo. Assim como nunca deve ter ouvido falar nos problemas mundiais da introdução de espécies invasivas como a tilápia.

Mas quem sabe, sabe. Para o National Wildlife Federation, “Espécies invasoras estão entre as principais ameaças à vida selvagem nativa. Aproximadamente 42 por cento das espécies ameaçadas ou em perigo estão em risco devido a espécies invasoras.”

Ao lado do desaparecimento de habitats, é o principal fator na perda de biodiversidade no planeta.

Alvo nº9 das metas de Aichi

As espécies invasivas podem levar a mudanças na estrutura e composição dos ecossistemas que afetam negativamente os serviços ecossistêmicos, a economia humana e o bem-estar. Para minimizar os impactos elas fazem parte do alvo nº9 das metas de Aichi, estão na cláusula 15 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU.

O www.smithsonianmag.com, diz que são de ”US$ 40 bilhões anuais somente nos Estados Unidos, em termos do dano que causam as espécies invasivas nas plantações e florestas.

Mas o presidente desconsidera seja o que for vindo da ONU, ou de qualquer instituição científica como o Smithsonian Institution. Que fazer? Torcer para ele conheça o triste ‘exemplo’ do Chile na criação de salmões, espécies de bombas químicas que nós consumimos aqui no Brasil?

Problemas já provocados pela criação de tilápias ou Saint Peter

André Borges cobriu todos os aspectos da nova ameaça: “por se adaptar facilmente a qualquer local, mas consumir a maior parte de seus nutrientes. A tilápia chegou ao Brasil na década de 1950, para aumentar a piscicultura na região Nordeste, levar mais proteína.”

“Foi quando ela começou a descer e se espalhou pelo Brasil inteiro. A verdade é que se perdeu o controle, não se consegue mais erradicar”, avalia Petrelli Júnior, que nesta semana foi eleito um dos 100 mil pesquisadores mais influentes do mundo.”

Um dos 100 mil pesquisadores mais influentes do mundo. Assim como Ricardo Galvão, exonerado de forma covarde ao alertar que o fogo na Amazônia estava descontrolado. Por acaso não estava, Petrelli será defenestrado como ele?

Governo contesta

AB: “O governo contesta cada uma dessas afirmações e defende a criação da tilápia nos reservatórios, uma proposta que já foi tentada por diversas administrações, inclusive nos tempos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas que pouco avançou.”

Ibama ficou de fora da ideia de jerico

Em uma segunda matéria publicada em 14 de dezembro, André nos da conta que o “governo repassou à Secretaria de Pesca o poder de emitir autorizações para produtores de peixes criarem espécies exóticas e nativas nas áreas das barragens, não sendo mais necessário consultar a Agência Nacional de Águas ou mesmo o Ibama.”

Óbvio. Ninguém do Ibama assinaria. Só mesmo o secretário da pesca. Ele até que anda ativo ultimamente, pena que sempre atrás de ideias de jerico. Retomar as estatísticas da pesca no Brasil, nem pensar, hein secretário? Pra que  saber o quê se pesca, e quanto se pesca, no País de Macunaíma?

Para o leitor saber, o Brasil não produz estatísticas desde o desgoverno Dilma. Somos um dos três únicos países a não contar com elas. Mianmar e Indonésia são os outros que, entretanto, já prometeram à ONU a retomada.

Como bem disse Herton Escobar, ‘fazendo uma analogia com o setor agrícola, é como se o Ministério da Agricultura não soubesse informar quanto o Brasil produziu de carne e soja nos últimos anos’.

Quando Lula disse que mesmo assim nos proibiram de colocar lá a tilápia o nos proibiram, leia-se Ibama. Naquela época o Ibama ainda tinha quadros técnicos em sua equipe. Alguém foi lá e soprou o porquê.

Mas hoje não existe mais Ibama. Existe uma autarquia amputada e estuprada pelo ‘ministro’ fiel à política ambiental do presidente.

É neste pandemônio que vivemos.

Este é o presidente

E exemplos do problema não faltam na Terrinha. O mexilhão-dourado, um molusco invasivo que entrou no Brasil pelo extremo Sul, em 1998 no lago Guaíba, incrustado no casco de um navio que vinha da Ásia.

Segundo a bióloga Maria Cristina Mansur, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS),

em pouco mais de dois anos o mexilhão alterou a paisagem no lago Guaíba diminuindo a flora ripária (plantas das margens), sufocando a fauna bentônica (organismos dos corpos aquáticos) e transformando nossas praias arenosas e as margens vegetadas por juncos, em amontoados de conchas enegrecidas…

Chegando de carona nestas plagas, o mexilhão-dourado espalhou-se por diversas bacias do Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e Bolívia. A proliferação foi tamanha que atualmente as turbinas de Itaipu têm que ser paradas uma vez ao ano para que técnicos retirem a imensa quantidade que se incrusta em suas pás.

Mas o  presidente ignora.

Não sabe, tampouco, que o molusco já contaminou o rio São Francisco e avança para a bacia Amazônica. E daí?

Daí que precisamos ter paciência com aquele que se diz daltônico ao negar  o racismo praticado no País; e que Ele tenha piedade de nós.

E nos brinde com paciência.

Está no finalzinho.


Benefícios em estatais vão de adicional de férias de 100% do salário a ajuda de R$ 1,2 mil por filho, OESP

 Adriana Fernandes, O Estado de S.Paulo

02 de fevereiro de 2021 | 14h51

BRASÍLIA - Numa nova ofensiva em defesa das privatizações, o Ministério da Economia resolveu divulgar o total de benefícios concedidos aos funcionários de 46 empresas com controle direto da União. Os auxílios incluem desde o pagamento de 100% do salário como adicional de férias, como faz a Petrobrás, a ajuda educacional de mais de um salário mínimo (R$ 1.261,65) por mês para cada filho menor de 18 anos,  como é o caso do BNDES.

Pela primeira vez, o relatório reúne todas as informações desses benefícios. Dados que eram considerados por técnicos do governo uma “caixa preta”, embora sejam resultado de acordos coletivos entre as empresas e seus empregados. "A melhor arma que a gente pode ter para combater qualquer tipo de privilégio é a transparência", afirmou o secretário especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados, Diogo Mac Cord

No BNDES, onde o salário médio é de R$ 29,2 mil e o máximo de R$ 75,6 mil, os funcionários recebem também 13 cestas por ano de alimentação, com custo entre R$ 654,88 a R$ 1.521,80 por mês, de auxílio refeição. O banco estatal oferece 100% do benefício de assistência à saúde para os seus empregados e aposentados com custo médio de R$ 3.673,63 por mês. O BNDES tem 2,5 mil funcionários.

Ministério da Economia
O Ministério da Economia divulgou o total de benefícios concedidos aos funcionários de 46 empresas com controle direto da União, em nova ofensiva para defender privatizações.  Foto: Washington Costa/ME

Na Petrobrás, a lista de benefícios, como abonos, adicionais, ausências autorizadas, auxílios e estabilidade, contém três páginas e meia e inclui, por exemplo, 100% da remuneração como gratificação de férias. No setor privado, a Constituição garante o direito às férias remuneradas uma vez por ano, com o pagamento de, no mínimo, um terço a mais sobre o salário normal. Esse adicional é chamado de terço constitucional. Além da petroleira, três estatais pagam aos funcionários mais de um terço: Docas do Espírito Santo (50%), Docas do Rio de Janeiro (50%) e Infraero (50%). 

O custo médio por empregado para Petrobrás com o plano de saúde dos empregados é de R$ 1.721,21 por mês. A participação da empresa no custeio do benefício de assistência à saúde é de 72% do total. Ao todo, são desembolsados R$ 2,25 bilhões por ano. A assistência da alimentação é de R$ 1.254,48  por funcionário por mês, além de R$ 192 de vale refeição para os que recebem assistência alimentar in natura, além de custeio de medicamentos. Com o plano de previdência, o gasto anual da Petrobrás em 2019 foi de R$ 4,4 bilhões.

Na Eletrobrás, que está na lista de privatizações, o auxílio alimentação é de R$ 1.202,34 por mês (e são pagos 13 auxílios por ano). Os funcionários ainda têm direito a ajuda para creche e pré-escola de R$ 863,83 por mês (paga a funcionários com filhos de 6 meses a 6 anos) e o educacional de R$ 574,47 (para quem tem filho menor de 17 anos).  

Na Docas do Espírito Santo, os funcionários têm direito a auxílio educação de R$ 590,71 por mês para filhos entre sete e 16 anos de idade e R$ 740 como auxílio creche para filhos de até sete anos. Na Finep, o vale educação é de R$ 870,81 para filhos menores de 18 anos e R$ 326,51 para filhos menores de 24 anos e maiores de 18 anos para cursar faculdade. 

A divulgação dos dados acontece no momento em que Guedes e sua equipe buscam apoio no Congresso para avançar com as privatizações, tema que não avançou nos dois primeiros anos do governo e que sofre resistências entre parlamentares, inclusive dos partidos que apoiam o presidente Jair Bolsonaro. A área econômica não fala abertamente, mas quer chamar atenção para o que classifica de "privilégios" porque não encontra equivalência na iniciativa privada. 

No ano passado, o Ministério da Economia já tinha divulgado relatório em que mostrava que as estatais brasileiras pagam salários médios de até R$ 31,3 mil - isso sem contar as remunerações das diretorias executivas, que chegam a ganhar em média até R$ 2,9 milhões por ano. O documento evidencia números superlativos - e muitas vezes contrastantes com a realidade brasileira - de várias dessas empresas. No ano passado, a renda média do brasileiro ficou abaixo de R$ 2,5 mil.

O relatório divulgado agora informa o total de benefícios que cada estatal oferece aos funcionários, como abonos, adicionais, ausências autorizadas, auxílios e estabilidade. Além disso, traz informações relativas às maiores, menores e médias remunerações dos empregados e um detalhamento dos valores desembolsados com benefícios de assistência à saúde para cada trabalhador, por mês e ano.

“O empregado, além de ter um salário médio elevadíssimo, tem o benefício de ajudar a educação do filho”, diz o secretário de Coordenação e Governança das Empresas Estatais, Amaro Gomes, sobre os benefícios dados pelo BNDES. Segundo ele, o relatório dá transparência para informações que “muitos desejavam” conhecer sobre as estatais.

De acordo com Gomes, as empresas estatais têm autonomia de gestão na sua política de pessoal, mas a orientação geral é de que os excessos devem ser eliminados e concessões de benefícios que não estejam previstos em lei devem ser evitadas. “Nosso objetivo não é ficar chocado ou não, mas disponibilizar a informação. Se alguém eventualmente entender que é um excesso e ficar chocado, nós atingimos o objetivo do relatório que é dar transparência e conhecimento desses elementos às pessoas”, ressalta.

'Estereótipos e preconceitos'

O presidente da Associação dos Funcionários do BNDES, Arthur Koblitz, avalia que a apresentação dos salários e benefícios dos empregados das diversas estatais é uma medida de transparência e salutar, mas contesta a apresentação dos dados sem considerações. “Ao invés de aprofundar o entendimento, reforça estereótipos e preconceitos”, diz.

Para ele, a divulgação pode passar a ideia de que quem paga os salários e os benefícios desses empregados é o contribuinte. “Isso não é verdade. Empregados de estatais superavitárias (ou seja, que fecham as contas com as receitas das operações, sem necessidade de aportes do Tesouro) não são custeados com recursos orçamentários”. 

Segundo ele,  a operação do BNDES é altamente lucrativa, gerando receitas suficientes para pagar todos os salários e benefícios dos empregados.  Na visão dele, o governo tem feito esforços para expor as empresas públicas. “No caso do BNDES, não é privatizar, é acabar com o BNDES ou desfigurar. Eles nem entendem para que serve o banco”, critica. 

Em nota, o BNDES informou que os auxílios atualmente concedidos a seus empregados (auxílio educação, alimentação e transporte) estão previstos em Acordo Coletivo de Trabalho com vigência até agosto de 2022. No 1º semestre desse ano, o banco prevê a instauração de mesa de negociação específica para discussão do plano de saúde para reavaliar os critérios utilizados e a adaptação à norma, inclusive no que diz respeito à contribuição futura dos empregados no plano de saúde. Segundo o BNDES, o custo total anual com os auxílios (educação, alimentação e transporte) é da ordem de R$ 90 milhões.