terça-feira, 7 de agosto de 2018

A agenda masculina, FSP (dia dos Pais)

A agenda feminista não é "das" mulheres, é "pelas" mulheres

Sem citar o feminismo, você não pode discutir nem a previsão do tempo mais. A agenda feminista está nas hashtags, nas portas de banheiros, em qualquer papo de boteco ou conferência acadêmica.
O feminismo foi da luta da mulher branca pelo direito ao sufrágio em direção à luta por todas as mulheres, pelos pobres, pelos não brancos, pelos homossexuais, pelos imigrantes, pelos não cisgêneros (aqueles que não nasceram com o sexo com o qual se identificam).
Enfim, abraçou a bandeira dos sujeitos cuja representatividade é minoritária por serem excluídos a partir da comparação com um modelo imposto como superior: homem, branco, rico, heterossexual, nativo.
 
Mas vai que você nasceu homem e, mal tendo descoberto a supremacia do macho, já te jogam na cara que sua testosterona, seus pelos abundantes, ombros largos e potência viril não são bem-vindos em tempos de #metoo. O que você faz? Sai pedindo desculpas por existir? Carrega a culpa ancestral?
Algo comparável a ter nascido na Alemanha após as guerras e ter que lidar com o legado antissemita ou, sendo português, inglês ou francês, com o legado imperialista, ou ainda, com a escravidão no Brasil. Que tipo de cidadão você pode ser com uma herança dessas?
Imagino três posições básicas: você tatua uma suástica no braço; se faz de morto, negando o racismo no Brasil; ou se torna um entusiasta dos direitos civis, lutando para se informar e mudar as coisas.
Se você optou pela terceira, já deve ter percebido que não é tão fácil assim participar. Não foram poucas as vezes em que integrei rodas de discussão com pautas feministas nas quais sujeitos realmente interessados em contribuir foram sutil ou abertamente hostilizados por serem homens.
Injustiças e violências são difíceis de elaborar e pode parecer mais fácil dividir o mundo entre vítimas e algozes do que reconhecer que as coisas não são tão simples assim.
Se queremos avançar na pauta feminista, não seria o caso de ouvirmos o que esses homens que se identificam com o feminismo têm a dizer sobre a forma como foram educados, suas questões com a paternidade, com a masculinidade?
Uma agenda masculina, que não pode ser confundida com o machismo, mas que, ao contrário, nos ajudasse a pensar de que forma estamos criando meninos. Quais as expectativas de realização profissional, de expressão sexual e satisfação pessoal que podem estar em jogo para um homem do nosso tempo?
Ontem lemos consternados declarações de lutadores olímpicos que só puderam reconhecer e falar abertamente sobre abusos sexuais que sofreram de técnicos e médicos após escutarem as denúncias das atletas mulheres.
Faz todo sentido esse reconhecimento tardio e na cola das mulheres, pois criamos meninos para silenciar seus sentimentos, para agirem mais do que pensar e terem vergonha das fragilidades. Além disso, para se afastarem dos trabalhos domésticos e para se desvalorizarem como educadores.
O corpo dos meninos é tão patrulhado quanto o das meninas, embora em outra direção —basta lembrar que as mulheres conquistaram o direito de usar calças no século 20, enquanto um homem de saia pode apanhar feio hoje. As experiências de homens e mulheres são intrinsecamente diferentes e é fundamental estarmos atentos à possibilidade de troca e enriquecimento mútuo que isso pode implicar.
A agenda feminista não é "das" mulheres, ela é "pelas" mulheres (e outras minorias), e todos que se identificarem em lutar seriamente por ela deveriam ser bem-vindos.
Feliz Dia dos Pais, senhores!
Vera Iaconelli
Diretora do Instituto Gerar, autora de “O Mal-estar na Maternidade”. É doutora em psicologia pela USP.

Para o veterano Lorca, ‘brasileiro não cuida bem da memória’, OESP


06 Agosto 2018 | 00h20

IARA MORSELLI /ESTADÃO
Ainda na ativa, o fotógrafo recebe homenagem
da 
SP-ArteFoto, tem ampla retrospectiva no Itaú Cultural,
compara a Pauliceia de suas antigas fotos com
a Sampa de hoje e conclui: a cidade parece ’embrutecida’
Aos 96 anos, German Lorca está em plena atividade. O fotógrafo paulistano, nascido no coração do Bráz, ganha duas grandes homenagens ainda neste semestre. A primeira, por conta da SP-Arte/Foto, começa dia 22, no JK Iguatemi. O artista foi convidado a revisitar e fotografar novamente cinco lugares de SP que despertem nele memórias afetivas e que resgatam o crescimento das últimas décadas. O ensaio inédito será publicado na revista da SP-Arte/Foto. A segunda homenagem será feita pelo Itaú Cultural, a partir do dia 25: a obra de Lorca será toda apresentada em exposição retrospectiva que marca os seus 70 anos de trajetória fotográfica. Serão mais de 150 fotos que vão ocupar dois andares do prédio do instituto.
O fotógrafo recebeu a coluna em seu estúdio, na Vila Mariana. Fundado por ele desde 1952, o local agora sofre também as agruras das mudanças na cidade: dará lugar a um empreendimento imobiliário nos próximos meses. Para Lorca, no entanto, não adianta olhar para trás. “O progresso é inevitável. A cidade vai se modificando…” – a ponto de ele achá-la “embrutecida”. Comércio e a indústria “se desenvolvem, a cidade muda, a atividade das pessoas muda”, disse à repórter Marilia Neustein. Em meio a obras que estão expostas na Tate Modern, em Londres e vencedoras de prêmios internacionais de fotografia, Lorca não se espanta pelas mudanças tecnológicas. “Temos que acompanhar, né?” sugere.
Cheio de saúde – fruto de ginástica, alimentação saudável e de “não fumar de jeito nenhum”– Lorca, tido como um dos mestres da fotografia brasileira, lamenta a pouca memória do País e recorda histórias como a de quando quase se afogou no Rio Tietê. No trabalho de andar pelos mesmos lugares quase 60 anos depois, se questiona: “O prédio ficou velho, as crianças não existem mais… como se faz?”. Confira os melhores trechos n
a entrevista abaixo.
O senhor revisitou alguns lugares que já fotografou para sua exposição na SP-Arte/Foto. Como foi essa vivência?
Eles pediram para fazer uma foto comparativa de 1950 e agora. Na época, eu e um amigo que era pintor saíamos procurar ambientes para fotografar, momentos decisivos. Fomos à Mooca, que era um bairro popular, onde as coisas aconteciam. E, andando por lá, vi dois meninos brincando, achei interessante e fotografei. Esse trabalho, visto mundialmente, me deu uma medalha de ouro. Agora voltamos ao mesmo local, mas ele está muito diferente. O prédio ficou velho, as crianças não existem mais, como se faz? Antes não havia cercas, agora os terrenos estão cercados. E o prédio da foto é um prédio do governo, está um pouquinho abandonado.
Com seu olhar de fotógrafo, como o senhor vê as mudanças ocorridas em São Paulo?
O progresso é inevitável. Acho que a cidade vai se modificando, se transformando. E vai para diante. O comércio, a indústria… desenvolve tudo. A cidade muda, assim como muda a atividade das pessoas.
Ao revisitar esses locais acredita que o brasileiro tem pouco cuidado com a memória e com a conservação da cidade?
Eu acho que o brasileiro tem pouca memória e não cuida bem dela, não se conservam muito as coisas. A cidade cresce e, às vezes, parece embrutecida. Cresce de forma desordenada. Não sei dizer se isso é natural das pessoas, no entanto.
Tem saudade de pegar a máquina e sair por aí fotografando sem compromisso?
Não tenho. A gente tem que acompanhar o progresso também. Senão seria, igualmente, uma pessoa atrasada.
De que forma o sr. acha que mudou a relação entre fotografia e tecnologia? Com o celular a pessoa pode bater muitas fotos, vê na hora, corrige…
É muito difícil, mas o celular é consequência da atividade humana, de se chegar a novos descobrimentos ou a novas invenções. Acho que, como está, ficou uma relação mais descartável sim. Mas o digital já é uma realidade. Não podemos voltar para trás, temos que acompanhar, né? Eu mesmo já fiz uma exposição de retratos todos feitas pelo celular. O cinema, por exemplo, melhorou muito. Foi uma consequência inevitável. É claro que em algumas partes do mundo as pessoas ainda insistem em usar máquinas analógicas, mas tudo isso é só saudosismo. O mundo digital avançou demais. As fotos continuam a ser momentâneas, podem ter um resultado excelente como pode ter um resultado não tão bom. Isso vai existir em todas as atividades, da fotografia e do cinema, vai continuar a mesma coisa.
Para realizar essa exposição de retrospectiva da sua carreira, no Itaú Cultural, como foi mergulhar em seu acervo?
O museu teve acesso a todo o meu material, que já estava registrado em digital e também a reserva de arte analógica – que é um pouco mais valorizada.
Citaria fotógrafos contemporâneos que o senhor admira ou cujo trabalho acompanha?
Os fotógrafos contemporâneos de academia já se foram. A verdade é que agora todo mundo é fotógrafo (risos)! Admirei muitos fotógrafos brasileiros, como Francisco Albuquerque, do Nordeste.
Quando o senhor começou a fotografar essa não era uma área fácil de desenvolver. Hoje existe até uma feira de fotografia. Como vê esse crescimento ?
Sim, temos uma feira de arte e fotografia. Nós não temos tradição de fotografia no Brasil, mas o tema já começou a se desenvolver. Quando eu quis aprender fotografia, tínhamos que fazer de tudo: anúncios, laboratório, fotografar, ficar atrás da máquina. Ninguém ensinava, aprendíamos com os companheiros.
O senhor frequentou o Foto Cine Clube Bandeirantes, uma associação de fotógrafos que criavam novas tendências na fotografia. De que maneira o clube o ajudou e influenciou em sua criação?
Foi uma verdadeira escola. Porque eram pessoas que tinham possibilidade financeira para um esporte que não era barato – e que se dedicavam a isso. Médicos, engenheiros, professores, químicos, dentistas, farmacêuticos. Foi no Foto Clube que aprendi o que era fotografia de verdade. E tinha muita troca entre nós. Aí realmente fui comprando material, aprendendo mais, até que me libertei do clube. Mas eu continuava fazendo arte. Quer dizer, a arte que eu imaginava que fosse arte. Isso também se discutia muito: o trabalho do fotógrafo.
Qual área da fotografia o senhor gosta mais de produzir: fotos conceituais, paisagens, retratos, a cidade?
Isso é muito difícil de dizer porque eu aprendi de tudo. Fiz retrato, indústria, reportagem, fiz tudo na fotografia, da micro à macrofotografia, por incrível que pareça. Mas, claro, isso era por necessidade, não por gosto. Sempre gostei muito de fazer paisagens e retratos.
E atualmente?
Hoje eu não tenho preferência. Porque para fotografar é preciso ter… tônus vital, dizia um meu amigo. Precisa sair a campo e registrar imagens, e é preciso ter energia. Veja o (Sebastião) Salgado, por exemplo, ele leva quatro, cinco auxiliares para realizar uma sequência de fotos. Não é tão fácil fazer fotografia. Então, conforme o tipo de trabalho, sempre o fotógrafo precisa ter um auxiliar. Porque a fotografia é um momento decisivo. É aquilo e acabou.
O senhor tem fotografias preferidas suas?
Ah, é muito difícil. Todas elas são… não todas, mas tem algumas que são preferidas. Entretanto, enumerar é difícil. Mas tem fotografias das quais eu gosto mais do que de outras. Algumas marcaram a minha vida.
E fotografou momentos importantes do Brasil…
Ah sim. Cartier Bresson dizia que era o momento decisivo, que ele fazia milhares de fotografias, e sempre tinha uma que era especial…