sábado, 10 de setembro de 2016

Vitória e derrota - RUY CASTRO Belíssimo


FOLHA DE SP - 09/09

Um traço do caráter dos black blocs é a coragem. Ela se manifesta na valentia com que dão aquelas voadoras e se atiram contra as portas das lojas. E no destemor com que quebram vidraças indefesas, ateiam fogo em sacos de lixo que não reagem e vandalizam pontos de ônibus que se atrevem a estar no seu caminho. Sempre em grupo, destroem caixas automáticos, viram carros e assaltam estabelecimentos. Por fim, sacam os sprays e assinam a lambança, pichando paredes, fachadas e monumentos com suas palavras de ordem. Imagino o orgasmo coletivo que tudo isso lhes dá.

As camisetas, máscaras e os óculos com que se disfarçam fazem parte dessa coragem. Destinam-se a impedir que as mães deles os reconheçam pela televisão e lhes cortem a mesada. Ou que os vizinhos os identifiquem e não queiram mais papo com eles. O conteúdo de suas mochilas também obedece a um plano: paus, pedras, estilingues, bolas de gude, máscaras contra gases e, principalmente, celulares — para filmar a violência policial ou chamar os advogados que virão defendê-los em caso de detenção.

Detenção esta que é chamada de cerceamento da liberdade de expressão e, daí, revogada por juízes. O saldo de tal expressão é visível na manhã seguinte: cidades em ruínas, cidadãos consternados e uma sensação de impotência diante da boçalidade em nome da ideologia.

Enquanto isso, no Rio, 4.350 atletas de 176 países começaram nesta quinta (8) a disputa de 528 provas de 23 modalidades esportivas. A esses atletas faltam mãos, braços, pernas, a mobilidade ou a visão, mas sobra-lhes tudo mais. É a Paraolimpíada. Cada uma de suas provas será uma vitória, não do corpo, mas do espírito humano.

Em contrapartida, no pior dos pesadelos futuros, os black blocs podem até tomar o poder. Mas o ser humano terá irremediavelmente perdido.

Soma zero - EDITORIAL FOLHA DE SP


FOLHA DE SP - 10/09

Resultados desalentadores ou deprimentes das provas nacionais de avaliação dos estudantes, como o recuo no aprendizado de matemática detectado nos exames do Saeb, provocam debate vívido, mas vazio, sobre descumprimento de metas oficiais de desempenho.

Não há dúvida de que as notas dos exames são ruins, ainda que exista controvérsia sobre a qualidade dos indicadores. Qual o sentido, porém, de haver metas sem que se defina um roteiro preciso de providências para atingi-las?

Tal roteiro nacional inexiste. Nem mesmo está definido um plano de solução para os problemas sobre os quais há mais consenso entre especialistas.

Os currículos são extensos, desiguais e descumpridos. Os professores não são formados para as tarefas práticas elementares, técnicas de ensino e procedimentos em sala de aula. Profissionais sem formação específica na disciplina ocupam mais de 50% dos postos.

Os cursos superiores até formam profissionais licenciados em número suficiente para as escolas. No entanto, a carreira não é atrativa.

Deficiências de formação no ensino básico são amplificadas quando um estudante mal formado em leitura e operações matemáticas básicas é confrontado com 13 disciplinas no ensino médio. O desempenho em matemática no nível secundário é especialmente desastroso; regrediu progressivamente ao ponto em que estava em 2005.

Além do reduzido número de centros de excelência e da falta de professores especializados, não há explicação geral e convincente além da baixa qualidade dos programas de matemática. Cerca de 51% dos docentes não têm formação na área; em português, o problema é também considerável: 42% sem treinamento específico.

Sem prejuízo do aperfeiçoamento de currículos e professores de matemática, o efeito combinado do elenco de problemas gerais do ensino contribui para dificultar ainda mais o ensino das disciplinas que são pilares do aprendizado.

Como é de costume, o mau resultado dos exames levou autoridades federais a proclamarem uma campanha pela aprovação de uma lei de reforma do ensino médio. Em seus pontos principais, prevê a universalização do ensino em tempo integral no ciclo em 20 anos (e para metade das matrículas, em dez anos), além de permitir certa flexibilização dos currículos.

Terá escasso efeito prático no médio prazo, por ser vaga e limitada. De resto, não está à vista a melhora da formação dos professores.

Leis podem criar esteios para a ação, mas não suscitam providências nem planos para envolver da União às prefeituras num programa paulatino de mudanças, com aumentos incrementais de meios para que se atinjam metas. Em termos de reforma do ensino o país ainda não aprendeu nem o elementar.

Supremo Tribunal Federal sob nova direção - LUÍS FRANCISCO CARVALHO FILHO


FOLHA DE SP - 10/09

Virada a página do impeachment (Dilma Rousseff já deixou o Palácio da Alvorada), as atenções se voltam para o desempenho de outra mulher, a ministra Cármen Lúcia, que assume na segunda-feira (12), pelos próximos dois anos, a presidência do STF.

A direção do Supremo é resultante de um rodízio. Não é fruto de disputa ideológica. A margem de discricionariedade do presidente é reduzida, incapaz de interferir no conteúdo das decisões monocráticas e coletivas do tribunal. Tem as atribuições de presidir as sessões do Pleno, composto pelos 11 ministros, e estabelecer as pautas de julgamento.

Mas a imagem pública que se construiu da nova presidente –religiosa, discreta e austera– pode ser positiva para o país e para o próprio sentimento feminista.

Não deixa de ser curioso ver a simplicidade estampada em seu rosto (prefere processos a festas, quebrou em 2007 o tabu da saia como vestimenta ao ingressar no recinto de julgamento usando calça e blazer, foi o primeiro integrante do STF a divulgar seu holerite) em contraposição a um cerimonial que preza o salto alto e ainda se preocupa em coibir "sandálias rasteiras".

É na presidência do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) que o papel de Cármen Lúcia pode significar uma mudança real. Tem o desafio de reverter o legado corporativista de Ricardo Lewandowski.

Muito embora o espírito da Constituição seja o da transparência absoluta em matéria de remuneração e de atividade extrajudicial de magistrados, para Lewandowski, como noticiou em julho o jornal "Valor Econômico", juízes não precisam informar os "honorários" recebidos por palestras proferidas porque "nós não somos obrigados a revelar quanto recebemos nas atividades privadas". Mas que mal faria esta providência para a credibilidade da Justiça, sobretudo depois que se verificou pelas investigações da Lava Jato que palestra também pode ser instrumento disfarçado de pagamento indevido?

Hoje, os vencimentos dos magistrados (resolução do CNJ de 2012) devem ser expostos nos sites dos tribunais, sob a rubrica "transparência", o que representa um avanço extraordinário.

Em muitos Estados, o roteiro para o acesso aos dados é complexo. Em alguns, a busca parece infrutífera. Em São Paulo, a transparência existe: é possível consultar o "detalhamento da folha de pagamento do pessoal" com as planilhas da remuneração da magistratura paulista mês a mês.

O que se vê, no entanto, é que o teto constitucional estabelecido para os vencimentos dos magistrados parece obra de ficção. Além da "remuneração paradigma", de pouco mais de R$ 30 mil, com as vantagens pessoais e eventuais, indenizações e gratificações o valor pago a desembargadores costumeiramente ultrapassa a casa de R$ 60 mil, R$ 80 mil, R$ 100 mil.

Os famosos "penduricalhos" beneficiam ainda membros do Ministério Público e de outras carreiras jurídicas. É o caso do constrangedor "auxílio moradia", pago indiscriminadamente a todos os juízes brasileiros, mesmo que eles não necessitem da ajuda.

Há um vespeiro político e funcional a ser dominado no âmbito do Poder Judiciário. Para o bem das contas públicas. Cármen Lúcia talvez tenha o perfil ideal para este enfrentamento. É esperar e ver.