domingo, 12 de janeiro de 2014

Bonde errado


Em presídio maranhense, não é garantia o apenado se abrigar no Primeiro Comando, ‘40 Ladrão’ ou Anjos da Morte: basta um zum-zum para ele se ver sob os chuços da facção inimiga

11 de janeiro de 2014 | 16h 00

Mônica Manir
SÃO LUÍS, MA - Lohanny, de 1 ano e meio, arrancava pela segunda vez a atadura que envolvia a mãozinha queimada; sua mãe passava por uma cirurgia de enxerto de pele em outro hospital; seu pai, Jadson, buscava informações sobre a esposa; sua irmã por parte de mãe, Ana Clara, chegava ao velório num caixão branco; e não muito longe dali o pai de Ana Clara, Wenderson, enterrava o próprio avô, vítima de enfarte ao saber da tragédia que atingira as duas famílias. Os Santos e os Sousas estavam aturdidos. Tomavam o velório e o cemitério pedindo bênção aos mais velhos e se abraçando em desalento, perguntando para onde vai o mundo quando jovens atiram gasolina em crianças e ateiam fogo em seguida, saindo pela porta da frente de um ônibus em chamas.
Preso é carregado para receber ajuda médica após briga entre facções dentro do presídio. - Douglas Cunhas/Reuters
Douglas Cunhas/Reuters
Preso é carregado para receber ajuda médica após briga entre facções dentro do presídio.
Era a tarde de segunda-feira, três dias depois da "queimação" em São Luís. O advogado Luis Antonio Pedrosa caminhava com o ouvido grudado ao celular. Do outro lado da linha a irmã de um apenado rogava pela transferência do parente para a Cadet, a Casa de Detenção. Ali 9 foram mortos e 20 ficaram feridos numa rebelião em outubro. Mas a irmã insistia que o irmão estaria mais protegido em uma cadeia dominada pelo Primeiro Comando do Maranhão e não pelo Bonde dos 40. Pedrosa tentava explicar que não era simples assim: "Um agente penitenciário, um monitor ou outro preso pode espalhar o boato de que o moço é, sim, do Bonde", me diz. "Num dia em que vai pegar sol no pátio, matam ele. Não tem segurança nenhuma, não tem como se agarrar a nada."
Presidente em terceiro mandato da Comissão de Direitos Humanos da OAB/MA, Pedrosa já teria visto de tudo nos presídios do Maranhão: homens torturados, policiais inaptos, agentes corruptos, revistas humilhantes, chuços afiados e mais de um vídeo nauseante de mutilação. A diferença, nos últimos tempos, foi o aumento das mortes nos presídios do Estado e o vazamento do que há tempos andava fétido. "A sociedade comprou a cultura do extermínio e agora não sabe o que fazer com isso", afirma Pedrosa numa sala gelada da sede da OAB, no bairro do Calhau, onde se desenrolou esta conversa. Lá fora, a rua denunciava os 38°C de tensão de quem tinha de pegar transporte público para voltar para casa ou de quem precisava passar perto de um posto de combustível. Nas redes sociais rolava o viral de que os postos seriam os próximos a explodir, em mais uma ação das facções de Pedrinhas.
Por onde o senhor começaria a análise dessa crise do sistema prisional maranhense? Pela concentração de presídios na capital?
Há um caldo de motivações para isso, entre elas uma dívida histórica que se aprofundou muito neste governo. Faz mais de dez anos que as instituições que monitoram o sistema penitenciário prenunciam a falência desse modelo. É preciso descentralizar os presídios para que os presos do interior não sejam obrigados a vir para cá e se associarem a uma organização criminosa para se defender. O governo parou.
Por que parou?
Em entrevista recente, a governadora disse que o dinheiro foi devolvido ao departamento penitenciário nacional por causa de entraves burocráticos para a concepção dos projetos. A verdade é que não há gestão política preocupada com o problema prisional. Primeiro porque prisão não dá voto. Segundo porque ali estão os mais pobres. Terceiro porque há uma cultura que acha que os presos têm é que se matar dentro da cadeia, não é problema da sociedade. Mas hoje a sociedade está aterrorizada porque percebeu que essa violência pode fugir de controle. É o que está ocorrendo. E que era previsível que ocorresse.
A partir de quando a violência fugiu de controle? Houve um estopim?
Como o método de trabalho deste governo é sempre jogar a responsabilidade em alguém, nessa mesma entrevista a governadora responsabilizou, entre outros setores, um segmento corrupto dos agentes penitenciários, cujo presidente de sindicato na verdade está ligado ao grupo Sarney. É um sindicato que defende a tortura e foi ele quem entregou, em dezembro, um vídeo fajuto ao CNJ de um homem agonizando com uma perna esfolada, após suposta sessão de tortura em Pedrinhas.
A troco de quê o sindicato teria feito isso?
Com o intuito de derrubar o titular da pasta da administração penitenciária, Sebastião Uchôa, que defende a metodologia de presídio da Apac (Associação de Proteção e Assistência aos Condenados), entidade católica que propõe a gestão das penitenciárias pelos próprios presos. A Apac foi testada em São Paulo e Minas Gerais e diminuiu muito a violência e o índice de fuga. Essa visão de ressocialização entrou em confronto com esse segmento dos agentes penitenciários, ainda mais quando se descobriu a corrupção endêmica que havia dentro dos presídios. Uchôa substituiu os diretores ligados aos sindicatos e aí, coincidentemente, começaram as mortes. Claro que, se não houvesse facções, elas não tinham começado. Mas as facções foram organizadas com o apoio desses segmentos de agentes.
Há apenas duas facções no Estado inteiro?
São duas as principais: o PCM e o Bonde dos 40. O PCM é um regional do PCC, mas com métodos diferentes. Ele organizou os presos do interior do Estado a partir da Cadet, cujas lideranças foram para presídios de segurança máxima no sul do País e de lá voltaram afiliadas ao PCM. Aliás, é por isso que a transferência de cabeças para esses presídios não resolve. É uma estrela no uniforme, um galardão, que afirma uma lógica inversa para o senso comum. O preso com passagem em presídio federal volta articulado com facções nacionais e referenciado pela massa carcerária para liderança.
Como se articula o Bonde dos 40?
O Bonde dos 40 Ladrão, como eles se chamam, no singular, representa os presos da capital. Ele conseguiu rapidamente aparelhar um exército de associados e seus crimes são mais espetaculares em termos de violência que os do PCM. Mas já existe uma dissidência do Bonde, o Comando da Ilha, mais agressivo, atuando dentro e fora do presídio. E há os Anjos da Morte, um grupo diminuto, muito discreto e que não participou até hoje de rebelião nenhuma. Veja que qualquer triagem de presos se torna frágil diante dessa diversidade.
As mortes podem estar acontecendo também devido a uma triagem malfeita?
Sim, malfeita e precária, porque não é uma triagem científica que verifica o perfil do apenado, a trajetória dele, as incompatibilidades que acumulou ao longo da vida criminal. Isso exige equipes multidisciplinares, deveria integrar um serviço de inteligência para que essas informações pudessem ser socializadas a ponto de resgatar dados que a assistência social não teria previamente. Mas é realizada de forma amadora e produz morte.
Existem muitos presos aguardando julgamento no Estado?
Estamos entre os sete Estados onde o número de presos provisórios é maior que o de definitivos. É uma vergonha e um escândalo, que não diz respeito apenas ao Executivo, mas principalmente ao Judiciário. É a ele que cabe julgar, de forma célere, os processos criminais. E já morreu preso nas rebeliões cuja única acusação que pesava sobre ele era o não pagamento de pensão. Há pouco tempo também morreu um receptador de pneus. Antes do final do ano, encontrei em Pedrinhas um homem acusado de roubar um saco de cimento. Ele está lá correndo risco de vida, porque esses presos de menor periculosidade geralmente são alvo de violência.
Causou choque o vídeo em que três homens aparecem degolados no complexo. A prática da degola é comum nos presídios maranhenses?
Já tínhamos ocorrência de degola, mas em 2010 ela passou a ser sistemática, e um dos envolvidos era um índio guajajara. Ele tinha sido preso em Pedrinhas em razão de um homicídio no município de Barra do Corda, ainda muito jovem. Era a primeira vez que tinha saído da aldeia para visitar a cidade, onde teria se embriagado na companhia de amigos não índios e matado alguém durante uma briga. Em função do sotaque carregado, passou a ser estigmatizado no presídio, e se afirmou por demonstrações sucessivas de coragem e de violência. Segundo outros presos, ele teria iniciado o ritual macabro da degola, com as vítimas ainda vivas. Entrou por um crime que o manteria lá por 4 a 6 anos e já estava com mais de 20 de pena quando o encontramos. Foi transferido para um presídio de segurança máxima em Mato Grosso do Sul. O ritual, enfim, passou a ser uma assinatura das facções, simbolizando o terror como espetáculo para divulgação de suas práticas e intimidação dos adversários.
O senhor conhece mais vídeos de terror feitos em Pedrinhas?
Quando o juiz recebeu aquele vídeo falso do sindicato, eu disse que tínhamos vídeos piores. Num deles o preso teve o olho extraído e jogado ainda pulsando na direção de uma juíza que negociava as reivindicações; em outro abriram o tórax de um preso, tiraram o coração, deceparam seu pé e o colocaram dentro da cavidade. Entrar num presídio logo após uma rebelião é encontrar vísceras.
E por que não divulgaram essas imagens?
Porque essa inscrição de crimes era uma mensagem deles, e não queríamos ser instrumento para que chegasse à população. Mas eventualmente isso está no YouTube, como estão os raps do Bonde dos 40 sobre o imaginário do crime, que é o método deles de atingir a juventude, de cativar aqueles que estão completamente abandonados pelas políticas públicas. Somos a capital de Estado com a maior concentração de jovens, cerca de 40% da população. Essas pessoas são pobres, o direito à educação é constantemente violado, os colégios são de péssima qualidade e a perspectiva mais promissora na cabeça de um adolescente de periferia é integrar uma organização criminosa ou um grupo criminoso, porque pelo menos ali ele consegue impor o respeito que a sociedade não lhe dá. Isso é um fator que agravou sobremaneira a violência no Estado, e hoje as facções criminosas arregimentam nos seus quadros principalmente essa juventude.
O senhor acredita que a presença da Tropa de Choque no Complexo de Pedrinhas tende a arrefecer a violência?
Não, pelo contrário, pode até agravar. A polícia não foi adestrada para lidar com pessoas presas, a polícia foi adestrada para prender. Tem que dialogar com o preso a partir de outro referencial: a expectativa dele na prisão, os medos, os limites, a violência, que é outra lá dentro. O Brasil nunca investiu numa polícia desse tipo. A nossa é um fracasso em termos de atuação tendo como referencial a dignidade das pessoas. O referencial é a pressuposição de que o cara é bandido. E, sendo um bandido, tem que ser tratado como tal.
Com a morte de Ana Clara, esse referencial tende a ganhar força?
Isso aterrorizou mais ainda a população. Não à toa, o senador João Alberto estava no velório da menina, prestando condolências. Ele se notabilizou pela chamada Operação Tigre, que matou muita gente no sul do Maranhão, criminosos e inocentes. Um segmento da população, a do bandido bom é bandido morto, quer a volta dele. Isso tudo tem a ver com presídio. Somente uma visão como essa é que sustenta o modelo prisional do extermínio. Prisão é para morrer lá, abandonado.

Justiça não é dos juízes, ela está a serviço das pessoas"

 

O desembargador José Renato Nalini iniciou, no dia 2 de janeiro, a mais desafiadora etapa de sua atuação junto ao Tribunal de Justiça de São Paulo. Nos dois anos anteriores à sua aposentadoria compulsória, ele será o presidente daquele que é tido como o maior tribunal do mundo, exatamente no momento em que o TJ-SP passa por radicais transformações.
Corregedor-geral da Justiça durante a gestão de Ivan Sartori, Nalini percorreu o estado, durante dois anos, visitando as comarcas do interior. O conhecimento adquirido o faz defender propostas como a instalação de câmaras extraordinárias no interior de São Paulo, levando a segunda instância para o interior paulista.
O desembargador promete uma gestão diferente de seu antecessor, o que inclui uma nova relação com o Ministério Público e a advocacia, sem deixar de lado os servidores e magistrados, grandes beneficiados pela atuação em defesa do tribunal que pautou a presidência de Ivan Sartori.
Defensor do home office como alternativa ao horário rígido de trabalho e dos julgamentos temáticos para reduzir o estoque de processos e evitar decisões distintas em matérias iguais, José Renato Nalini apresentou, minutos após a confirmação de sua eleição, uma proposta polêmica: buscar recursos para o TJ-SP junto aos organismos internacionais.
Passados quase 50 dias da vitória, ele não mudou de ideia. De acordo com o presidente do TJ-SP, os órgãos “sempre criticam o Judiciário, falando sobre a lentidão dos processos e a imprevisibilidade das decisões”, e nada melhor do que obter auxílio financeiro destas mesmas entidades para corrigir os problemas da Justiça paulista.
José Renato Nalini recebeu a reportagem da revista Consultor Jurídico na tarde de 3 de janeiro, um dia após a missa solene que marcou o início de sua gestão. Com o TJ-SP em recesso, seria de se esperar um início de trabalho marcado pela calma e o estudo da situação, mas o notívago desembargador — que, segundo colegas de tribunal, dorme apenas quatro horas por noite — já estava lotado de compromissos.
A primeira reunião do novo presidente com sua equipe durou mais do que o esperado, e apertou o início da entrevista, já que Nalini também receberia Oscar Vilhena, diretor da Direito GV, para fechar um acordo de colaboração. Retomada a entrevista, o presidente do TJ-SP voltou a explicar como pretende trabalhar até a véspera do Natal de 2015 quando, já com o sucessor eleito, se aposentará.
Leia a entrevista:
ConJur — Presidente, quais são seus planos e prioridades à frente do Tribunal de Justiça de São Paulo?José Renato Nalini — Pretendo continuar com o que já está sendo feito, porque são metas próprias e também metas do Conselho Nacional de Justiça, órgão que está acima de todos os tribunais superiores, exceto o Supremo Tribunal Federal. Então, o TJ-SP está se afinando com o CNJ e vai seguir as metas também. Mas a gestão terá um estilo diferente da anterior, e um dos focos será melhorar o orçamento do Tribunal, que embora milionário, é um orçamento insuficiente para a estrutura atual, que foi ampliada, com reposição de milhares de servidores, o que terá impacto agora.
ConJur — E como o senhor pretende trabalhar essa questão do orçamento?José Renato Nalini — Em várias frentes. Uma é convencendo a Assembleia Legislativa e o governo estadual de que, se o Tribunal de Justiça de São Paulo é o maior do Brasil e o maior do mundo, ele precisa ter orçamento compatível. Pretendo convencer o governo e os deputados sobre o artigo 99 da Constituição, que fala sobre a observância da autonomia financeira e administrativa da Justiça, regra essa que é repetida no artigo 55 da Constituição estadual. Atualmente, o Judiciário elabora seu orçamento, mas ele já chega mutilado pelas assessorias e pela secretaria de Planejamento. Eu, por exemplo, começo a gestão com um déficit de R$ 600 milhões, sem recursos.
ConJur — Qual é o orçamento ideal?José Renato Nalini — Não sei. As necessidades do tribunal são crescentes, assim como a demanda por justiça. Isso baseou um manifesto meu questionando se a sociedade quer um Judiciário que atenda a toda e qualquer demanda, mesmo o que não precisa ser levado ao juiz. Isso tornaria necessário um juiz em cada esquina, mais varas, aumentar o tribunal até o infinito. A outra opção é investir em outras áreas, para aliviar a Justiça das causas que não são conflitivas, como as execuções fiscais e questões menores, que poderiam ser resolvidas administrativamente. Mas esta questão não será discutida e concluída pela sociedade em dois anos.
ConJur — E como fazer enquanto essa decisão não é tomada?José Renato Nalini — Enquanto isso não ocorre, com a necessidade de sustentar a máquina, eu buscarei melhorar o orçamento, lutando para que o governo repasse ao Judiciário todos os emolumentos extrajudiciais, como ocorre no Brasil inteiro, especialmente no Rio de Janeiro. O TJ-RJ inclusive empresta dinheiro para o governo e constrói seus prédios. Em São Paulo, o cenário é diferente, os emolumentos vão para a Fazenda. Eu também quero convencer os organismos internacionais como Banco Mundial, Banco Interamericano de Desenvolvimento, Fundação Ford, Fundação Harvard, Fundação Bill Gates, que sempre criticam o Judiciário, falando sobre a lentidão dos processos e a imprevisibilidade das decisões, de que se o objetivo é um Judiciário eficiente, eles podem auxiliar com capacitação, infraestrutura de informática e com recursos.
ConJur — Como o senhor pretende distribuir o orçamento?José Renato Nalini — O orçamento que foi aprovado é de aproximadamente R$ 6,88 bilhões, sendo que R$ 6,29 bilhões, cerca de 90%, são apenas para pessoal, já que o Judiciário depende dos 2,4 mil magistrados e dos 44 mil funcionários. O restante deve ser utilizado para investimento, informatização, obras em prédios e outras necessidades. É evidentemente insuficiente. Eu tenho um grande problema em março, mês que é a data-base do reajuste dos funcionários, e não posso passar para a história como o presidente que não deu seguimento à gestão que atendeu as expectativas dos funcionários.
ConJur — Quais projetos do ex-presidente Ivan Sartori o senhor pretende manter e o que quer mudar?José Renato Nalini — Eu não mudarei nada, apenas tentarei reduzir custos. Um exemplo é a vigilância privada, um serviço terceirizado. São quase três mil funcionários, com salário variável, e o gasto mensal do tribunal é superior a R$ 15 milhões. Eu tentarei reduzir gradualmente, já que não é possível interromper imediatamente.
ConJur — A gestão do desembargador Ivan Sartori foi muito aprovada por servidores e magistrados, mas desagradou aos advogados e membros do Ministério Público. Isso vai mudar?José Renato Nalini — Foi importante a tomada de posição do tribunal em relação a uma situação que vinha se prolongando: o Ministério Público é tradicionalmente um hóspede do Judiciário, que é sempre bem avaliado quando se analisa o sistema. É interessante, então, que o MP tenha uma estrutura compatível com essa responsabilidade. A magistratura e o MP caminham juntos, em alguns países são uma coisa só, a magistratura de pé — o MP — e a magistratura sentada — os juízes. Então, não faz sentido forçar a desocupação de salas. A polêmica serviu para que o Ministério Público pensasse em uma política de sedes próprias, mas não pretendo despejar os promotores. Como corregedor, eu vi em visita a comarcas do interior que o convívio é muito saudável.
ConJur — E quanto à Ordem dos Advogados do Brasil?José Renato Nalini — Pretendo conversar com a advocacia. A reclamação que eu ouvi da OAB foi sobre a revista para ingresso em fóruns. Eu já estou repensando se é necessária a vigilância privada a um custo elevado, e vou flexibilizar a revista. Quando houve episódios preocupantes sobre a segurança das instalações? Houve o caso isolado de Rio Claro — em janeiro de 2012, uma bomba dentro de uma caixa com pregos e esferas de chumbo explodiu no fórum, deixando dois funcionários feridos. Talvez o aparato não seja necessário, é só observar a quantidade de seguranças, e não é apenas a revista aos advogados, que é um pouco exagerada, mas também em relação aos juízes, os seguranças não conhecem os magistrados. Isso vai eliminar ou atenuar bastante o problema com os advogados.
ConJur — Há alguma outra queixa da advocacia?José Renato Nalini — Outro ponto é o processo eletrônico, as informações mostram que, passado o trauma inicial, as pessoas se acostumaram e o sistema está funcionando. Quem realmente precisa da Justiça sabe que é melhor a decisão em seis meses, com o processo digital, do que em dois anos com o processo físico. É preciso ter outra realidade, se o advogado tem dificuldade com a informática, um estagiário ou um parente pode ajudar.
ConJur — Ou seja, o processo eletrônico garante celeridade?José Renato Nalini — Já trouxe, está provado. Na reunião que ocorreu antes da entrevista, as secretárias de primeira e segunda instância relataram os benefícios do processo eletrônico. Outro ponto importante é que está diminuindo o consumo de papel, sem cartão de Natal, de aniversário, que você recebe, lê e joga no lixo.
ConJur — A Justiça paulista até julga mais do que no passado, mas o aumento da demanda faz com que o número de novos processos supere o de julgados. Como inverter a equação?José Renato Nalini — O Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania vai continuar, sob a responsabilidade do desembargador José Roberto Neves Amorim, que era do CNJ e foi quem intensificou o estímulo à conciliação. Ele tem um know-how grande, novas ideias. Ao mesmo tempo, é preciso estimular um refluxo da demanda, identificando os maiores clientes do Judiciário, por exemplo, e recomendando que nos casos de execução fiscal, seja utilizado o cartório de protesto, ou a busca por estratégias de administração da dívida ativa administrativamente. Também é possível definir um piso, porque a tramitação de uma execução fiscal fica em torno de R$ 1,5 mil, e não tem sentido entrar com uma execução de valor inferior a esse.
ConJur — Como será a parceria que o senhor acaba de fechar com a FGV?José Renato Nalini — Dentro da linha de incentivar a sociedade a se interessar pelo Judiciário, foi fechado um convênio de cooperação com a Escola de Matemática Aplicada da FGV do Rio de Janeiro. Um engenheiro comandará a análise de dados jurídicos, utilizando técnicas de análise de estatísticas, de processamento da linguagem natural, de visualização de dados, de georeferenciamento, e permitirá que seja identificado com precisão o perfil dos maiores litigantes do Judiciário. Também será possível estimar a evolução das demandas, verificar os locais em que há crescimento e estudar a evolução dos objetos das petições. O TJ-SP terá subsídios valiosos para o planejamento de novas estruturas, e também será feito um levantamento completo do estudo de andamento de processos, como já ocorreu no TJ-RJ.
ConJur — Também será analisado o conteúdo das decisões?José Renato Nalini — Sim, é um trabalho que tem como base o universo inteiro dos 20 milhões de processos, e não por amostragem. Isso é muito importante, e se soma aos convênios que já existem, com o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) , Febraban (Federação Brasileira de Bancos), Fiesp/Ciesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo/Centro das Indústrias do estado deSão Paulo), já mantive contato com a Fipe (Fundação e Instituto de Pesquisa Econômica). O intuito é mostrar que a sociedade sustenta o Judiciário, a justiça não é dos juízes, é um serviço público para resolver problemas das pessoas.
ConJur — Esse estudo está relacionado ao projeto de levar os desembargadores para outras cidades?José Renato Nalini — Sim. Essa é uma ideia antiga, desde a época em que ainda existiam os tribunais de alçada já se cogitava a existência de câmaras fora de São Paulo. O planejamento está mais fácil, é possível fazer um levantamento do número de demandas por região e verificar se isso justifica a descentralização. Eu penso em testar isso experimentalmente, para ver se funciona, mas acho que há vantagens, como amenizar o problema da mobilidade urbana na capital. Alguns desembargadores moram em outras regiões e, em vez de vir para São Paulo, ficariam na região, o advogado também não precisa se locomover, a parte pode assistir. De certa maneira, isso leva a segunda instância para a região em que surgiu a demanda.
ConJur — As câmaras seriam rearranjadas ou é preciso criar novas câmaras com desembargadores que moram na região?José Renato Nalini — Normalmente, há uma agregação natural, como os desembargadores viajam juntos, já se conhecem, existe uma conjugação, nós chamamos de pássaro de igual plumagem. Se for preciso, criam-se câmaras extraordinárias experimentais. Há pessoas que não querem morar em São Paulo, o grande pedido de remoção é para o interior. Essa medida atenderia à busca por qualidade de vida, sem aumentar o quadro de desembargadores, porque o número é suficiente, só elevando a produtividade.
ConJur — E como se pode aumentar a produtividade?José Renato Nalini — Uma tentativa é o julgamento temático. Por que as causas idênticas ou muito semelhantes, são distribuídas, por exemplo, entre 190 desembargadores da Seção de Direito Privado? Os tribunais superiores já fazem julgamento temático, em bloco. Eu sei que há resistência, com base no argumento clássico do juiz natural, mas é preciso flexibilizar essa argumentação. Juiz natural é aquele que está no exercício regular da função. Se for comparado o custo-benefício, seria menos oneroso e mais producente para Justiça a decisão em atacado de uma série de demandas iguais.
ConJur — Presidente, o senhor defendeu o home office, alegando que os funcionários podem produzir mais. O trabalho de casa também deve valer para os desembargadores?José Renato Nalini — A tendência é essa, não é o TJ-SP que está inventando. Há alguns anos, esteve no Brasil o ministro Anthony Kennedy, da Suprema Corte dos Estados Unidos, e ele decidia do exterior os processos que chegavam para ele. Já existe um sistema que permite a decisão de casa, cada desembargador tem a sua assinatura eletrônica, recebe o processo, lê e já decide. Isso não deixa a pessoa mais tranquila, ao contrário, ela está sobre vigilância permanente, pois está com o celular, ele toca e é preciso responder.
ConJur — Esse modelo vai substituir o julgamento físico?José Renato Nalini — A tendência é de aumento das seções virtuais, pois a parte que tem pressa, que realmente quer a decisão, e não utiliza a Justiça para prolongar uma situação, vai perceber que isso é melhor para ela. Essa ideia do home office depende de estudos, de se formar uma cultura entre a chefia, para verificar qual é o servidor que merece. Alguém que tem como função preparar minuta de voto, fazer pesquisa de jurisprudência, não rende mais em casa, desde que com consciência e responsabilidade? O modelo é adotado no mundo inteiro, porque o Judiciário precisa ter o modelo rígido, todos os funcionários entrando e saindo na mesma hora?
ConJur — Existe alguma outra possibilidade para esse tema?José Renato Nalini — É possível adotar turnos, ou um esquema de compensação, cativando as pessoas e mostrando a elas a importância e relevância do que fazem, e não ficar fiscalizando como se fosse um preso, de forma rígida. Foi aberta uma discussão saudável, porque o tribunal sai de uma previsão de horário rígido para a possibilidade de flexibilizar, e é bom que esse assunto seja debatido.
ConJur — Como presidente, o senhor pretende incentivar os desembargadores a promoverem audiências com advogados pelo Skype, como faz a ministra Nancy Andrighi, do STJ?José Renato Nalini — Eu sou favorável a tudo isso que acelere e simplifique a prestação, e que elimine o formalismo, o ritualismo. A Justiça ficou muito hermética, ficou muito defasada, ficou muito anacrônica. O ritmo da sociedade é um, o ritmo do Judiciário é outro. É preciso que a Justiça acerte o passo com a contemporaneidade, algo que não vai ocorrer em dois anos, mas é preciso levantar as novas perspectivas, olhar de forma diferente para coisas que sempre foram feitas da mesma forma.
ConJur — Presidente, existem casos idênticos que caem em câmaras diferentes e são julgados de forma oposta. Alguns desembargadores também criticam o julgamento temático, apontando que não seria necessária a câmara, bastaria uma decisão monocrática. Como resolver essa dualidade?José Renato Nalini — O sistema jurídico permite que a hermenêutica seja a grande regra que preside os julgamentos. A grande regra, o grande critério para julgar é a interpretação. O magistrado pode tender de um lado, de outro. Isso é decorrência de uma Constituição que é um deposito de antagonismos, que abrange tudo. É muito fácil para qualquer julgador escolher a opção que mais se coaduna com a sua formação filosófica, jurídica, sociológica, antropológica, histórica, econômica, religiosa. O risco de decisões conflitantes ou contraditórias é do sistema, não do juiz. Até o Supremo Tribunal Federal fica às vezes empatado diante da mesma situação, da mesma leitura. Eu acredito que seja melhor para a outorga da prestação jurisdicional ter uma decisão, mesmo que proveniente de uma orientação, do que você ter 20 decisões.
ConJur — O que o advogado poderia fazer se ele sabe que já um caso igual em que o pedido foi aceito?José Renato Nalini — Entrar com ação rescisória e verificar. No entanto, a estratégia da defesa é uma questão pessoal, personalíssima, cada um sabe como é que vai defender ou postular os seus direitos, e existe também um problema de prazo. Desde os romanos que se repete, dormientibus non sucurrit ius — o Direito não socorre os que dormem —, se você não atuou em um certo tempo, a porta da Justiça não fica permanentemente aberta. A demanda prescreve e situações de injustiça podem se perpetuar.
ConJur — O senhor pretende estimular a edição de súmulas, que pode ser uma solução para estes casos?José Renato Nalini — Essa é uma ferramenta interessante. O presidente é um administrador do tribunal, deve pensar em fazer com que o pessoal esteja satisfeito, seja atendido nas suas pretensões legítimas, para produzir bem e atender a comunidade. Porém, eu não tenho poder de interferir na questão jurisdicional. Essa não é a função do presidente, que é um administrador. As seções têm editado súmulas, e eu acho vantajoso, pois é uma referência, um parâmetro para quem vai se servir da justiça, indicando para qual lado a jurisprudência predominante se inclina. Mesmo assim, o juiz sempre pode, de acordo com os seus olhos, dizer que aquilo não se aplica exatamente.
ConJur — A PEC dos Recursos pode ajudar a reduzir a demanda da Justiça?José Renato Nalini — Eu sou favorável. Os advogados resistem à PEC, e é por isso que ela não foi aprovada, mas o projeto é o resultado da constatação de que há um uso abusivo do Judiciário. Não faz sentido que existam mais de 50 oportunidades de reapreciação do mesmo tema. É normal um reexame se a decisão de primeira instância foi insatisfatória, mas essa é a decisão que tem que ser prestigiada. O juiz é quem examina as provas com mais profundidade, olha no rosto da vítima enquanto ela está viva, inquire as testemunhas, e tem mais condições de fazer justiça. Quando chega à segunda instância, o trabalho já é sobre teses, teorias, a interpretação sobre a incidência concreta da lei ao caso.
ConJur — O caso deveria acabar na segunda instância, então?José Renato Nalini — O juiz monocrático pode ter apreciado mal. Mas, depois, vem um colegiado, com ao menos três pessoas, presumivelmente mais experiente, que só fazem isso, e dão uma solução. Por que não aceitar isso? O caso vai para o STJ, depois chega ao STF, mas com idas e vindas, Embargos de Declaração, Embargos Infringentes, agravos, Mandado de Segurança. A pacificação deve preferir uma decisão, ainda que não fosse a mais justa, à indefinição. É questão de ponto de vista, existe controvérsia, mas eu considero um suplício.
ConJur — O senhor acompanhou de perto, durante os últimos dois anos, a primeira instância. Qual é o cenário?José Renato Nalini — A primeira instância, que deveria ser a mais prestigiada, foi de certa forma relegada nos últimos anos, em virtude das vicissitudes que ocorreram no Judiciário. Existiam três tribunais de alçada, além do TJ, que foram unificados em um só, algo que é traumático. O Tribunal de Justiça passou de 136 desembargadores para 360, e foi preciso se preocupar com gabinete, pessoal, estrutura. E de onde vieram esses funcionários? Do primeiro grau de jurisdição. Os melhores servidores começaram a deixar as varas, prejudicando a primeira instância, e apenas na última gestão houve reposição de escreventes, foram pagas diferenças salariais, dando ânimo novo ao pessoal. Ao visitar as comarcas, eu vi que algumas estão bem aparelhadas e estruturadas, mas outras passam por situação de insuficiência de estrutura, funcionando em galpões, em um salão paroquial, em um cinema abandonado, por exemplo.
ConJur — E quanto à situação dos servidores?José Renato Nalini — O funcionalismo está muito animado, o que me motiva a seguir com essa política de manter o pessoal satisfeito. Não é só para agradar, é para que ele retribua prestando o melhor serviço. Há pessoas heroicas, que trabalham em condições sofríveis, levando sabonete e papel higiênico de casa, o que me faz pensar na necessidade de a sociedade ajudar a manter o judiciário. O município que se serve da justiça estadual, por exemplo, pode colaborar, a prefeitura que puder deve ajudar a manter o fórum, e também com pessoal, pois não há condições de chegar ao número considerado ideal de servidores.
ConJur — Houve contato com a advocacia durante as viagens que o senhor fez como corregedor?José Renato Nalini — Sim, até porque as visitas correcionais não são de surpresa. As viagens eram precedidas de um edital convocando todas as pessoas para audiências públicas e outorgando ao juiz a responsabilidade de oficiar a prefeito, Câmara Municipal, delegados, a OAB, além da população. Todas as visitas resultaram em uma ata com dos pedidos, e ninguém ficou sem resposta e providencia. Existia um grupo para auxiliar aquelas varas ou comarcas que estivessem com acúmulo de serviço, e funcionou tão bem que o Pedro Cristovão Pinto, coordenador do Gabinete de Apoio Técnico e Administrativo da Corregedoria e responsável por esse “pronto-socorro”, assumirá uma das secretarias do TJ-SP.
ConJur — Como foi a relação com os cartórios?José Renato Nalini — Eu tive muita alegria com o setor extrajudicial. Eu fui juiz da 1ª Vara de Registros Públicos, e era corregedor permanente dos cartórios de São Paulo, tanto de Registros de Imóveis como dos Tabelionatos de Protestos. Também fui temporariamente juiz da 2ª Vara de Registros Públicos e corregedor dos outros cartórios, Registros Civil das Pessoas Naturais, registro de todos os documentos e tabelionato de notas. No passado, o tabelião era responsável também pela vara, e o trabalho era excelente, feito por gente dedicada, entusiasta.
ConJur — Quando isso mudou?José Renato Nalini — Com a Constituição de 1988, começou a estatização, os cartórios passaram a ser objeto de delegação por parte do Estado, sem nenhuma contribuição estatal, trabalhando por sua conta e risco. Isso gerou uma espécie de distanciamento entre o Judiciário e o extrajudicial. Quando eu assumi a corregedoria, queria reaproximar a categoria, que pode ajudar a desafogar a Justiça. Isso levou à atualização das normas de serviço da corregedoria geral do extrajudicial e ao Provimento 17, que autorizava a conciliação, algo que já é feito. Se alguém vai ao tabelião e diz que quer lavrar uma escritura de acordo, ele é obrigado a fazer, essa é sua função. O provimento institucionalizava isso, a OAB recorreu ao CNJ e uma liminar impugnou o provimento.
ConJur — Agora como presidente, o senhor pretende voltar à carga de alguma maneira com o Provimento 17?José Renato Nalini — Não. Eu sou muito cioso das atribuições, fiquei muito feliz com a atuação enquanto corregedor, mas acho que uma lição de sabedoria é não voltar, virar a página. Assumi a presidência e há outro corregedor — o desembargador Hamilton Elliot Akel —, que vai imprimir a direção dele. O que passou, passou, fiz o que foi possível e não quero me imiscuir nas atribuições correcionais, ainda que vá palpitar em relação ao registro de imóveis, pois conheço a matéria e tenho de votar
ConJur — Foram abertos muitos processos administrativos contra juízes durante sua gestão na corregedoria?José Renato Nalini — O nível foi semelhante a outros períodos. Eu tinha uma proposta de corregedoria diferente, transformada em um órgão de aconselhamento, de orientação, de apoio, e só em ultimo caso, um órgão punitivo. Acredito que a maior parte dos juízes, quando tem uma fissura em sua conduta, ou quando erra, o faz por falta de orientação, da presença de alguém que diga a ele como deveria se portar. Especialmente no interior, o juiz é um cidadão muito isolado, solitário, o que causa angústia e pode levar o julgador a cometer algum deslize.
ConJur — O corregedor deve então auxiliar, e não punir?José Renato Nalini — Eu sempre busquei conversar com os juízes, monitorar a situação, e arquivei uma porcentagem grande dos processos administrativos. A corregedoria recebe muitas reclamações de pessoas que perderam uma causa e, pelo insucesso, começam a culpar o juiz. Ele era ouvido, ficava claro que foi uma questão jurisdicional e o processo era arquivado, com controle do CNJ. Só foram abertos processos administrativos quando nada mais era possível, tratava-se de um atraso reiterado, que perdura por anos, em uma comarca em que todos os juízes têm produção razoável, alguns acima da média, outros na média, e uma juíza sempre está com produção insuficiente.
ConJur — E como é o processo administrativo?José Renato Nalini — Primeiro, é feita uma verificação, que comprova a possibilidade de abertura de procedimento administrativo. Ao juiz é permitida a defesa prévia, antes da abertura do processo, e quando ela não é satisfatória, o pedido é encaminhado ao Órgão Especial do TJ-SP. O problema é que, durante o caso, muda a diretoria da OAB, e os novos dirigentes passam a defender o juiz, por exemplo. Além disso, o Brasil é o país do “coitadinho”. Todo mundo fala sobre o problema e, quando começa o processo administrativo, as pessoas ficam com dó.
ConJur — Como a sua boa relação com o ministro Joaquim Barbosa pode beneficiar a Justiça de São Paulo?José Renato Nalini — A boa relação é sempre melhor do que a má relação. É preciso entrar em uma fase de menor contestação, e eu defendo que o tribunal se antecipe ao CNJ. Quais são as metas? Será que é possível se adiantar, ir além do que o CNJ estipulou? Outra possibilidade é estimular ideias e práticas criativas, ousadas, que podem ser disseminadas pelo conselho na sequência. É preciso que o TJ-SP colabore com o CNJ em vez de fazer oposição, criar resistência.
ConJur — Presidente, o senhor disse que o Judiciário não deveria ser responsável pelos precatórios ou priorizar essa questão. Como trabalhar essa situação?José Renato Nalini — Eu já me reposicionei, estou conversando com o Flávio Brando, representante abalizado dos setores interessados, e vou manter um dialogo com ele. Depois de ter conversado também com o desembargador Pedro Cauby Pires de Araújo, coordenador da Diretoria de Execuções de Precatórios e Cálculos do TJ-SP, e a área de precatórios terá boas novidades. Ao falar sobre precatórios, eu disse que assim como cobrar dívida não deveria ser função do Judiciário, o mesmo vale para o pagamento de dívidas, pois trata-se de funções anômalas. No entanto, há essa obrigação, que será enfrentada da melhor forma possível. Não posso adiantar nada, porque é coisa ainda muito precoce, prematura, mas os planos que já foram discutidos me animam a dizer que o setor de precatórios do TJ-SP terá boas novidades.

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

TSE tira poder do Ministério Público de pedir investigações de crimes eleitorais


Promotores e procuradores terão que pedir autorização à Justiça Eleitoral para abrir apurações de suspeita de caixa dois, compra de votos, abuso de poder econômico, difamação e várias outras práticas

10 de janeiro de 2014 | 20h 53

Andreza Matais e Fabio Fabrini - O Estado de S. Paulo
O Tribunal Superior Eleitoral tirou do Ministério Público o poder de pedir a instauração de inquéritos policiais para investigação crimes nas eleições deste ano. A partir de agora, promotores e procuradores terão de pedir autorização à Justiça Eleitoral para abrir uma apuração de suspeita de caixa dois, compra de votos, abuso de poder econômico, difamação e várias outras práticas.
Atual presidente do TSE, ministro Marco Aurélio foi o único contrário à decisão da Corte - Dida Sampaio/Estadão
Dida Sampaio/Estadão
Atual presidente do TSE, ministro Marco Aurélio foi o único contrário à decisão da Corte
Até a eleição de 2012, o TSE tinha entendimento diferente. As resoluções anteriores que regulavam as eleições diziam: "o inquérito policial eleitoral somente será instaurado mediante requisição do Ministério Público ou da Justiça Eleitoral".Para o pleito de 2014, os ministros mudaram o texto: "o inquérito policial eleitoral somente será instaurado mediante determinação da Justiça Eleitoral".Ou seja, o Ministério Público foi excluído.
O relator da nova norma, ministro José Antonio Dias Toffoli, que irá assumir o comando da corte em maio, afirma que o tribunal mudou o entendimento histórico por duas razões: processos que não tinham o aval inicial da Justiça estavam sendo anulados; outra razão, garantir maior transparência. "O Ministério Público terá que requerer à Justiça. O que não pode haver é uma investigação de gaveta, que ninguém sabe se existe ou não existe. Qualquer investigação, para se iniciar, tem que ter autorização da Justiça", diz. "A polícia e o Ministério Público não podem agir de ofício."
O atual presidente do tribunal, ministro Marco Aurélio Mello, foi o único contrário à restrição na corte ao considerar que "o sistema para instauração de inquéritos não provém do Código Eleitoral, mas sim do Código Penal, não cabendo afastar essa competência da Polícia Federal e do Ministério Público."
O presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, Alexandre Camanho, afirmou que a medida é inconstitucional. "Se o MP pode investigar, então ele pode requisitar à polícia que o faça. Isso também é parte da investigação", afirmou. A associação não descarta ingressar com medida judicial para derrubar a norma.
A nova regra, válida apenas para as eleições de 2014, foi publicada no Diário de Justiça no dia 30 de dezembro e aprovada pelo plenário em sessão administrativa 13 dias antes. O site do TSE divulgou a aprovação da norma à meia noite e vinte do dia 18 de dezembro. Neste ano, serão eleitos presidente da República, governadores, senadores, deputados federais e estaduais.
Para o ministro Dias Toffoli, a medida não irá atolar os juízes eleitorais de processos. "A Justiça nunca faltou." Às vésperas da eleição de 2012, contudo, o TSE ainda analisava cerca de 1.700 processos referentes a eleição de 2008, mais da metade de corrupção eleitoral. A Procuradoria Geral da República informou que não tem um levantamento de quantos desses processos foram instaurados por iniciativa do Ministério Público.
A Polícia Federal também protestou quanto a medida. Para a instituição, contudo, a regra já vale há mais tempo. Em audiência pública no TSE, realizada no ano passado, o delegado Célio Jacinto dos Santos sugeriu que fosse permitido ao órgão abrir inquérito sem a necessidade prévia de requisição ao Ministério Público ou à Justiça Eleitoral. No entanto, o ministro Dias Toffoli ponderou: "Qual a dificuldade da Polícia Federal em encaminhar um ofício ao Ministério Público ou à Justiça Eleitoral fazendo essa requisição?". Procurada, a PF disse que não iria se manifestar.
Para o juiz Marlon Reis, do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), organização que propôs ao Congresso a Lei da Ficha-Limpa após ampla coleta de assinaturas, a decisão é equivocada e pode trazer prejuízo à apuração de irregularidades nas eleições deste ano.
"O Ministério Público precisa de liberdade para agir e deve ter poder de requisição de inquéritos. Assim é em todo o âmbito da Justiça criminal e da apuração de abusos. Não faz sentido que isso seja diminuído em matéria eleitoral. Pelo contrário, os poderes deveriam ser ampliados, porque o MP atua justamente como fiscal da aplicação da lei", critica.
Na visão do magistrado, a regra introduzida pelo TSE este ano é inconstitucional, pois "cria uma limitação ao MP que a Constituição não prevê". "O MP tem poderes para requisitar inquéritos, inclusive exerce a função de controle externo da atividade policial. Entendo que só com uma alteração constitucional se poderia suprimir esses poderes", explica. 
Além da questão legal, Reis avalia que a resolução pode contribuir para abarrotar os escaninhos da Justiça Eleitoral. "Em lugar de diminuir, isso vai aumentar o número de demandas apresentadas diretamente ao Judiciário. Vai de encontro a alternativas de agilização e de diminuição das ações", afirma.
O MCCE monitora abusos cometidos na corrida pelo voto. Uma das principais preocupações em ano de eleições gerais, como 2014, é a compra do apoio de lideranças políticas que exercem influência sobre eleitores. "É a compra de votos no atacado", exemplifica Marlon Reis.