domingo, 8 de dezembro de 2013

Fundação renova contrato para operar TV Assembleia


Operadora manteve contrato 40% mais caro durante três anos em São Paulo
Após pregão, entidade responsável pelo canal diz que é possível fazer o mesmo conteúdo por R$ 5 mi a menos por ano
PAULO GAMA MARINA DIASDE SÃO PAULOA fundação que desde 2011 opera o canal de televisão da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo renovou seu contrato neste ano aceitando cobrar da Assembleia um valor quase 30% menor que o previsto no contrato anterior pelos mesmos serviços.
Ameaçada de perder o negócio, a Fundação para o Desenvolvimento das Artes e da Comunicação (Fundac) diminuiu em R$ 5,2 milhões por ano o valor dos seus serviços.
Se as mesmas condições tivessem sido oferecidas desde o início pela Fundac, a Assembleia teria economizado R$ 11,4 milhões desde 2011.
A Fundac foi contratada primeiramente sem licitação pública, mas em maio participou de uma concorrência aberta pela Assembleia para escolher um novo operador para seu canal de televisão.
A licitação atraiu 14 participantes --seis deles ofereceram valor mais de 20% menor do que o do contrato anterior. A vencedora foi a própria Fundac, com orçamento de R$ 12,9 milhões por ano.
A Assembleia chegou a gastar R$ 18,1 milhões por ano com a Fundac para executar o serviço na primeira fase do contrato. O novo acordo foi homologado pela Casa no fim de novembro.
Apesar do valor mais baixo, a Assembleia diz que o serviço não perderá qualidade. "Nos próximos meses, vamos melhorar a qualidade da programação", diz nota enviada à Folha pela Casa.
De acordo com deputados, a emissora era usada para abrigar funcionários apadrinhados por parlamentares, que interferiam nos processos de admissão e demissão.
Procurado pela Folha, o presidente da Fundac, Manoel Veiga Filho, admitiu que "não tem mudança na prestação de serviço inicialmente". "A única diferença é que também trabalhamos sob demanda, ou seja, vamos prestar serviços de acordo com solicitações. Em um mês faremos a nota de um valor, no outro pode ser outro valor."
A primeira contratação da Fundac aconteceu em fevereiro de 2011, por R$ 15 milhões anuais, em substituição à Fundação Padre Anchieta, que operava a TV legislativa.
Na época, o jornalista Alberto Luchetti era diretor da TV Assembleia e constava como consultor da Fundac, contratada pela Assembleia Legislativa com dispensa de licitação por se tratar de uma fundação. Luchetti disse à Folha na ocasião que era "diretor de conteúdo na área de televisão" na fundação.
O caso chegou a ser investigado pelo Ministério Público Estadual, mas foi arquivado cerca de 40 dias depois. O promotor Airton Grazzioli disse que, apesar da declaração e de o nome de Luchetti aparecer no site da Fundac, "ele não tinha assento algum" na instituição. "Instaurei o procedimento, mas a informação não era procedente."
REDUÇÃO
A diferença entre o contrato antigo e o atual é que o primeiro exigia a atuação de 94 jornalistas, enquanto o segundo contrata a produção de conteúdo. Veiga Filho justifica a redução do preço com a demissão de 20 funcionários. "Eram diretores, os maiores salários. Tinha vencimento de R$ 5 mil, R$ 10 mil e até R$ 15 mil", afirma.
O Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo diz ter tentado impedir os desligamentos, sem sucesso, e que foi informado pela Fundac que a licitação exigiu redução da força de trabalho e da margem de lucro.
Diz também que os jornalistas que permanecerão terão redução de benefícios e que pode haver precarização das condições de trabalho.

    Educação superior se transforma em aposta para mudar de vida


    Casos como o do estudante Michael Cerqueira, morador do Capão Redondo, são cada vez mais comuns

    08 de dezembro de 2013 | 2h 09

    O Estado de S.Paulo
    Educação sempre foi prioridade na casa do estudante Michael Cerqueira, no Capão Redondo, região carente da zona sul de São Paulo. O incentivo para se dedicar aos estudos veio dos pais - ele porteiro e ela cozinheira -, que não completaram o ensino fundamental.
    O empenho da família valeu a pena. Hoje, o jovem de 19 anos cursa administração pública na Fundação Getúlio Vargas (FGV) e, em 2014, embarca para um intercâmbio de seis meses na Regent's University de Londres, Inglaterra.
    Felizmente casos como o de Michael estão se tornando comuns no País: cada vez mais o brasileiro está valorizando o estudo para melhorar o padrão de vida. Uma pesquisa inédita da Confederação Nacional da Indústria (CNI) mostra que 95% da população considera a educação essencial ou muito importante para uma pessoa vencer na vida. Entre cinco opções possíveis, a educação superou capacidade, inteligência e talento (94%), trabalho duro (89%), conhecer as pessoas certas (82%) e nascer numa família rica (31%).
    "A educação é ponto número um na agenda de competitividade do País", afirma Renato da Fonseca, gerente de Pesquisa da CNI. "A ideia de que a educação ajuda a mudar de vida faz muito bem ao Brasil porque aumenta a pressão por uma educação de qualidade. As pessoas vão perceber que não basta somente um diploma."
    Os saltos de Michael para chegar à FGV foram ousados. Boa parte da vida escolar foi cursada em escola pública, no colégio estadual Miguel Munhoz Filho. "A escola é até boa na região. Mas, se quisesse dar passos maiores, teria de buscar outas alternativas."
    E ele buscou. Teve a ajuda de duas professoras, que montaram um "cursinho rápido"e o indicaram para projeto bolsa talento do Instituto Social Para Motivar, Apoiar e Reconhecer Talentos (Ismart), mantido pelo empresário Marcel Telles, um dos responsáveis pelo fundo 3G ao lado de Jorge Paulo Lemann e Beto Sicupira. Aprovado, passou a frequentar diariamente a Vila Nova Conceição, onde estudou no colégio Lourenço Castanho até ser aprovado na FGV. "Foi o grande momento de mudança na minha vida. Era uma nova escola, com ritmo muito mais forte."
    Movimento. Os números do Ministério da Educação confirmam que a procura pela educação tem crescido no Brasil. Entre 2001 e 2012, o número de matrículas na educação superior subiu de 3,062 milhões para 7,052 milhões. "Não há dúvida de que a variável mais importante para o crescimento social é a educação", afirma o coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper, Naercio Menezes. "As pessoas permanecendo mais tempo na escola aumentam de produtividade e conseguem elevar a das empresas." Hoje, há um consenso entre economistas que o crescimento potencial do Brasil só será maior se a economia brasileira melhorar a produtividade. A relação entre anos de estudo e aumento salarial tem taxa de retorno alta no País, segundo Marcelo Neri, ministro-chefe interino da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) da Presidência da República e presidente do Ipea. Para cada ano de estudo, o salário da pessoa sobe 15%.
    Um levantamento do instituto também apurou a educação no topo da prioridade entre jovens de 15 a 29. A educação foi escolhida por 85,2% dos entrevistados. Na sequência, apareceram melhorias no serviço de saúde (82,7%) e acesso a alimentos de qualidade (70,1%).
    Em outro recorte, levando-se em conta a opinião dos entrevistados com mais de 30 anos, a educação ficou em segundo lugar (80,5%), atrás da melhoria da saúde (86,6%).
    "A classe C sempre foi apontada como sinônimo de consumo, cartão de crédito e carro. Mas eu acho que a letra c da classe c está mais para carteira de trabalho, e forçando até um pouco, para canudo", afirma Neri. / L.G.G.

    O bispo de aço


    08 de dezembro de 2013 | 2h 10

    Kenneth Serbin* - O Estado de S.Paulo
    Entre todos os membros da corajosa geração de bispos católicos que enfrentaram os militares no poder no Brasil, dom Waldyr Calheiros de Novaes destacou-se como o mais valente.
    Tive o privilégio de acompanhar e entrevistar esse filho nativo de Alagoas, que faleceu aos 90 anos em 30 de novembro, em várias ocasiões durante o período  em que era bispo da diocese de Barra do Piraí e Volta Redonda.
    Tranquilo, mas firme, ponderado, mas muito franco, dom Waldyr era um homem com nervos de aço.
    A Igreja fez uma escolha inteligente ao colocar um homem com essas características no coração de um dos principais centros socioeconômicos do Brasil, que sediava a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), um movimento trabalhista importante e  um quartel militar.
    Conversei pela primeira vez com dom Waldyr quando   o entrevistei por telefone,  de meu apartamento no Rio de Janeiro, durante a explosiva e trágica greve de trabalhadores na CSN,  em novembro de 1988.
    Na época o Brasil corria o sério risco de um retrocesso para o militarismo. A invasão da CSN pelo Exército com o objetivo de pôr fim à greve resultou na morte de três trabalhadores e muitos feridos. O incidente escandalizou a nação, exacerbou as tensões políticas e, apesar de o país ter retornado à democracia em 1985, confirmou que as Forças Armadas ainda estavam de fato no controle do poder.
    Observando do alto de um caminhão, o que permitia uma vista panorâmica da praça de Volta Redonda, participei da missa de sétimo dia celebrada sob a chuva por dom Waldyr e quatro outros bispos.  Eles rezaram a missa de outro caminhão,  com milhares de trabalhadores assistindo à cerimônia religiosa.
    Pendendo de uma grande cruz, as roupas ensanguentadas dos três trabalhadores mortos se erguia como testemunha da violência do sistema político do Brasil.
    Durante todo o tempo da greve, dom Waldyr defendeu os direitos dos trabalhadores e usou sua posição para tentar um fim pacífico da crise.
    Anos mais tarde, pesquisando a história das relações entre Estado e Igreja durante o regime militar, descobri inúmeros outros exemplos da determinação do bispo em defender suas posições.
    Sua resistência ao militarismo e seus efeitos dolorosos sobre a sociedade brasileira foi firme durante todo esse período.
    Dom Waldyr entrou pela primeira vez em conflito com as autoridades em 1967, quando soldados invadiram sua casa para prender um grupo de padres e leigos acusados de subversão. Ele criticou o oficial encarregado da investigação, um tenente-coronel do Primeiro Batalhão de Infantaria Blindada de Barra Mansa (1º BIB), por concentrar-se na luta contra a subversão ao mesmo tempo em que  a política do regime era manter os salários dos trabalhadores muito baixos. Em 1969, declarou-se prisioneiro do 1º BIB, um ato de protesto contra a detenção de dois professores suspeitos de subversão.
    Depois que ele e 17 padres denunciaram a prática de tortura no 1º BIB, o Exército abriu o primeiro de diversos inquéritos policiais militares contra ele.  Numa  ocasião, dom Waldyr foi interrogado durante 25 horas. Não se curvou.
    Depois de quatro soldados serem torturados até à morte no 1º BIB,  em janeiro de 1971, ele reportou as atrocidades para bispos colegas que participaram da ultrassecreta Comissão Bipartite, criada com o fim de amainar a relação cada vez mais tensa entre Igreja e Estado.
    Do lado militar, o chefe do grupo na Comissão Bipartite, general Antônio Carlos da Silva Muricy, recusou-se a aceitar que militares tivessem assassinado os próprios subordinados.
    Contudo, depois de consultar o presidente Emilio Garrastazu Médici sobre o assunto, ele admitiu que as acusações feitas pelo bispo eram verdadeiras.
    Muricy disse que,  pela primeira vez em sua história, o Exército brasileiro publicaria um documento com críticas a si próprio. Os oficiais "agiram de forma condenável e deformada, provocando a morte dos soldados",  dizia a nota. Subsequentemente, diversos oficiais foram condenados e presos.
    Assim, no auge da campanha de torturas do regime contra opositores - que os militares jamais admitiram publicamente -, o governo militar revelou que soldados de fato foram torturados dentro das Forças Armadas.
    Entretanto, nenhum outro suspeito de tortura na era militar chegou nem perto de ser processado. A Lei de Anistia impede que isso ocorra e as comissões da verdade que vêm trabalhando atualmente no Brasil não têm poderes para processar e julgar.
    A vida de dom Waldyr revelou um fato importante do Brasil do século 20: a relação inextricável entre a Igreja Católica e as Forças Armadas, entre política e religião, entre fé e defesa dos direitos humanos.
    Seu falecimento nos lembra que somente alguns líderes episcopais que enfrentaram a ditadura ainda estão vivos. A história do Brasil não pode ser escrita sem que sejam incluídas as suas contribuições. (Tradução de Terezinha Martino)
    *Kenneth Serbin é diretor do Departamento de História da Universidade de San Diego, e coorganizador do livro O Bispo de Volta Redonda: Memórias de Dom Waldyr Calheiros (FGV Editora)