domingo, 3 de novembro de 2013

Caiu reboco lá de cima - CELSO MING


O Estado de S.Paulo - 02/11

Uma casa não cai de um dia para o outro. Vai dando sinais. É um pedaço de reboco que repentinamente despenca lá de cima, uma rachadura na parede do banheiro, a instalação elétrica que derruba disjuntores, uma inclinação no piso observada quando a água escorre só para um lado.

Os últimos dez dias foram abundantes em sinais assim. O rombo das contas externas se alarga mês a mês e, ontem, os números pouco animadores da balança comercial também foram nessa direção (veja o Confira).

As contas públicas divulgadas quinta-feira revelam rachaduras perigosas. Mesmo através de suas lentes sempre tão róseas, o ministro Guido Mantega já começa a enxergar o rombo preocupante nas contas públicas. Ele passou a admitir que não há saída senão cortar despesas em áreas onde, até outro dia, entendia impossível cortar.

Seu diagnóstico também inspira cuidados porque só agora identifica paradoxal vazamento de R$ 47 bilhões (0,9% do PIB) no seguro-desemprego, num ano de pleno-emprego. Não seria, por si só, um grande sinistro se uma seguradora tivesse de pagar indenizações recordes, num ano sem grandes sinistros para sua carteira de coberturas?

A inflação não dá tréguas. Caiu temporariamente alguns centímetros abaixo dos 6% ao ano, mas prepara novos avanços, que apenas a política de juros não consegue impedir.

Os números ontem divulgados pelo IBGE sobre o desempenho da indústria ficaram aquém do esperado. A produção do setor cresceu 0,7% em setembro (sobre o mês anterior), mas no trimestre acusou recuo de 0,6%. É nova indicação de mais um fiasco do PIB, desta vez no terceiro trimestre do ano.

Como até mesmo os mais compulsivamente otimistas do governo federal começam a admitir problemas, a presidente Dilma não pode retomar o mantra de que é o catastrofismo corrosivo dos analistas da economia que contamina o ambiente dos investimentos.

Não são apenas as opções de política do governo que são improvisadas, parciais, incompletas, como a transposição do Rio São Francisco, que não termina nunca, e a desoneração da folha de pagamentos da indústria que levou R$ 50 bilhões da arrecadação embora essa meia-entrada só tenha sido concedida aos mais chegados. O modelo adotado pela presidente Dilma, a tal "Nova Matriz Macroeconômica", baseada na turbinagem do consumo, na derrubada inexorável dos juros e na flexibilização do resto, deu errado, apesar das profissões de fé em contrário.

Ainda não é o desastre, o que tem o lado bom de permitir conserto, desde que providenciado a tempo. Mas a disposição do governo não é essa. É empurrar as coisas com a barriga até as eleições, para ver depois como fica. Falta saber se a casa se mantém em pé até lá.

A presidente Dilma precisaria de uma Carta ao Povo Brasileiro, a proclamação de 2002 que conquistou confiança das classes médias e garantiu a eleição do então candidato Lula à Presidência da República. Mas não é o estilo dela.

Apartamento 'estilo Tóquio' chega a SP com 19 m²


Comum no Japão e tendência em Nova York, unidades micro ganham agora mercado da capital; apesar de pequeno, residencial vai custar R$ 266 mil

03 de novembro de 2013 | 2h 01

ADRIANA FERRAZ - O Estado de S.Paulo
O produtor de eventos Renato Ferraz vive hoje no menor apartamento já construído em São Paulo, segundo a Empresa Brasileira de Estudos de Patrimônio (Embraesp). Ele ocupa uma unidade de 21 m² em um prédio da Rua Bela Cintra, região da Avenida Paulista. Mas o imóvel onde Renato mora vai perder o posto de mais enxuto. Em 2016, a capital terá modelos de 19 m², no melhor estilo japonês.
Com consultoria do canadense Graham Hill, que é considerado o guru do conceito "life edited", o apartamento faz parte de um projeto da Vitacom Construtora, com lançamento programado para os próximos dias. O prédio será erguido na Vila Olímpia, zona sul, e terá unidades de até 52 m². Mas a baixa metragem não quer dizer baixo custo. O imóvel de 19 m² tem preço estimado em R$ 266 mil.
Ali perto, no Morumbi, um apartamento só poderia comportar até 64 unidades de 19 m² . É a maior unidade padrão já construída na cidade, segundo o mesmo levantamento da Embraesp. São 1.223 m² de espaço, com 12 vagas de garagem, biblioteca, academia, dois quartos de empregada e uma suíte principal com 230 m². E, para quem acha que é pouco, no mesmo prédio, um proprietário adaptou a planta e alcançou 1.975 m².
Na cidade dos contrastes, o mercado imobiliário se adapta. Depois do boom dos imóveis com sacada gourmet, a tendência agora é erguer microapartamentos. Segundo o Secovi, sindicato da habitação, o número de unidades de um dormitório vendidas no primeiro semestre deste ano cresceu 330%: foram 964 unidades de janeiro a junho de 2012, contra 4.147 neste ano.
Esses imóveis têm em comum a boa localização, perto de corredores de ônibus e metrô. A intenção é atender a um público jovem, que fica pouco tempo em casa e que não necessariamente usa o carro.
"O estilo de vida mudou muito. Todos querem praticidade no dia a dia. Ninguém tem tempo mais para cuidar da casa ou dinheiro para pagar empregada. As pessoas também não acumulam tantas coisas, armazenam tudo de forma digital e assim aproveitam melhor os espaços", diz o presidente da Vitacom Construtora, Alexandre Frankel, responsável pelo empreendimento. Antes mesmo de seu lançamento, a lista de interessados passa de 200.
Para quem vive em locais compactos, organização é a palavra-chave. "Com o tempo, a gente se acostuma e acha até melhor ter pouco espaço. Mas não vejo como tirar mais 2 m² do meu apartamento", diz o analista de sistemas Lucas dos Santos, que vive com Renato nos 21 m² da Bela Cintra.
Integração. O VN Quatá, com imóveis a partir de 19 m², ainda terá um café aberto ao público no térreo, para promover integração com o espaço público. O prédio não terá muros nem grades. "As pessoas querem viver a cidade. Buscam mobilidade. Nossa ideia é colaborar com essa busca", diz Frankel.
Para Luiz Antonio Pompéia, diretor da Embraesp, a gama de opções de São Paulo reflete os contrastes da cidade. "E também quanto as pessoas estão dispostas a pagar para viver por aqui." O metro quadrado do VN Quatá custará pelo menos R$ 14 mil - valor que não difere muito do praticado em projetos de alto padrão, como o apartamento de 1.223 m². Lá, uma unidade vale mais de R$ 20 milhões.

Problemas na ciência - HÉLIO SCHWARTSMAN


FOLHA DE SP - 02/11

SÃO PAULO - Ninguém em sã consciência duvida que a ciência funcione. As provas, ainda que indiretas, estão por todos os lados, dos fornos de micro-ondas aos antibióticos. Se nossas teorias físicas e bioquímicas estivessem muito erradas, não teríamos chegado a esses produtos.

Dessa constatação não decorre, é claro, que as atuais práticas dos cientistas sejam as mais adequadas.

Numa excelente reportagem publicada na semana passada, a revista "The Economist" faz um apanhado das coisas que não estão dando certo na ciência. Destaca desde a vulnerabilidade dos "journals" a artigos ruins ou errados até a baixa replicabilidade dos principais estudos. É preocupante. Um ponto central da ciência é o de que um experimento qualquer, se repetido em idênticas condições, produzirá os mesmos resultados. É isso que garante sua objetividade e a distingue da bruxaria. E a replicabilidade é baixa mesmo no caso de trabalhos de alto impacto.

E há outros problemas. Para citar apenas um, experimentos que dão resultados negativos, em que pese serem epistemologicamente muito mais interessantes que os positivos, quase nunca são publicados.

A "Economist" atribui parte do problema à cultura de "publish or perish" (publique ou morra). Num contexto em que cada vez mais pessoas tentam a sorte na ciência, disputando verbas escassas e posições nas universidades, não chega a ser uma surpresa que muito mais peças duvidosas cheguem à ponta final. É uma situação que estimula sensacionalismo, carreirismo e até fraudes. O antídoto para isso seria justamente a reprodutibilidade, que ajudaria a separar o lixo daquilo que presta. O problema é que poucos se interessam em refazer pesquisas alheias, já que isso não soma pontos na carreira.

Seria exagero afirmar que a ciência está em crise, mas já passa da hora de as pessoas e instituições envolvidas tentarem aprimorar o sistema, tornando-o mais racional e eficiente.