segunda-feira, 2 de maio de 2011

Oposição desfalcada, OESP


Partido que em 2010 teve 40% dos votos contra um governo popularíssimo perde o mapa de acesso a tal patrimônio

01 de maio de 2011 | 0h 16
Renato Lessa - O Estado de S.Paulo
Um dos grandes presidentes da Casa dos Representantes (House of Representatives) - a Câmara de Deputados dos EUA -, o lendário Tip O"Neill, a certa altura disse que "toda política é local". Por mais que possa mobilizar temas e interesses de ordem mais geral, a dinâmica da política se releva do localismo e do imediato. O"Neill, típico new dealer democrat de ótima cepa, passou 50 de seus 82 anos de vida como parlamentar, 34 dos quais em Washington, tendo presidido a casa por dez anos, de 1977 a 1987. Insistia no caráter local da política não tanto por paroquialismo, mas pela defesa de uma concepção de representação que vinculava os representantes aos representados.
Há outro sentido possível para a expressão. Da mesma forma que os temas da, digamos, grande política vinculam-se a cenários locais, estes, por alguma operação metonímica, podem dar passagem ao vislumbre do geral. Supor que localismo é apenas localismo significa uma opção deflacionada para o uso de nossas - já precárias por constituição própria - capacidades cognitivas. O localismo pode ser pensado, sem prejuízo da atenção a fenômenos particulares, como ponto de observação do cenário mais amplo da política e seu espaço de decantação.
Supor, por exemplo, que o drama dos tucanos em São Paulo tenha como fundo divergências entre vereadores do partido e o governador do Estado é levar a hipótese do localismo às raias do paroxismo. Mais do que isso, significa supor que o PSDB que, a despeito da pretensão de reconfigurar o País, sempre foi caracterizado como de extração paulista, padeça da maldição de encerrar seus trabalhos por força de uma crise paulista.
Dissolve-se hoje, a olhos vistos, o PSDB, assim como o agonizante DEM, herdeiro do finado PFL. Há quem culpe o prefeito de São Paulo pelo gesto oportunista de "fundar" um partido novo. Não tenho mandato nem ânimo para defendê-lo, mas mais espantosa do que a esperta iniciativa é a magnitude do estrago da aventura sobre legendas partidárias ditas "consolidadas". O quadro, digamos, doutrinário do partido do dr. Kassab, como sabido, é indigente, mesmo para padrões nacionais. Trata-se de legenda que se apresenta como não sendo nem de esquerda, nem de direita, nem de centro. O corolário tático da estimulante renovação nos programas partidários é a disposição para apoiar o governo federal, os governos estaduais e, é claro, os governos municipais.
É uma tentação destacar o lado ubuesco da iniciativa, mas esse reembaralhamento oportunista não diz algo a respeito da vida partidária brasileira em geral?
O veterano O"Neill preocupava-se com o nexo entre representantes e representados. Padecia, portanto, de uma concepção de política que, ainda que assentada no mundo parlamentar, supunha que a vertebração dos partidos tem a ver com o que fazem fora do âmbito legislativo. Concepção fora de moda, a crer nos analistas e estudiosos brasileiros que dizem que o que importa é saber como os parlamentares votam em plenário, no exercício de seus mandatos. Ainda segundo essa concepção autárquica do mandato e da representação, aprendemos que os partidos brasileiros são altamente disciplinados em seu comportamento parlamentar. Nada de errado com eles: os governistas tendem sempre a votar com o governo e os oposicionistas, com a oposição. O bom Aristóteles sabia o que estava a dizer quando afirmava que juízos tautológicos são sempre verdadeiros.
As dificuldades da oposição são enormes. Há quem as atribua às excelências do governo Lula, o que teria reduzido as margens de crítica. Tese não raro vociferada por áulicos obcecados pela ostensão de índices de desempenho. Alguns desses índices são mesmo notáveis, o que, é evidente, estabelece limites ao discurso responsável e torna um tanto ridículo o catastrofismo. Mas, como desconheço governo infalível, sempre há margem para oposição, se esta - é evidente - tem algo a dizer; se oferece ao País uma alternativa fiável e distinta. É inacreditável que um partido capaz de conquistar cerca de 40% dos votos nacionais em 2010, contra uma candidata apoiada por um governo de altíssima popularidade, tenha perdido o mapa de acesso a tal patrimônio. Perceber essa conquista como derrota é sinal inequívoco de pouco apego ao pensamento.
As artes do "presidencialismo de coalizão", por outro lado, ultrapassam seus efeitos imediatos de garantir "base aliada" numerosa e segura. Sua extensão esteriliza a política, porque sustentada na convicção de que a saúde da democracia depende da disposição dos parlamentares em apoiar o governo. Não vai daqui a defesa camicase da superioridade dos governos de minoria. Mas reduzir a representação nacional a fundamento de - desculpem - "governabilidade" é, como dizia Zé Trindade, de amargar. A vida fora desse grande nexo é inóspita, sobretudo para nostálgicos.
E é de nostalgia que se trata, quando emergem sonhos de fusão entre PSDB e DEM. A oficialização da atração preferencial pela direita, por parte dos próceres tucanos, vale como desistência expressa do projeto de seus fundadores. A indigência intelectual e o oportunismo privam o País de um requisito fundamental para a democracia, uma oposição capaz de articular um ponto de vista alternativo. Por bons que sejam os governos, há sempre alternativa melhor. Falta ao País quem, a sério, diga isso.
RENATO LESSA É PROFESSOR TITULAR DE
TEORIA POLÍTICA DA UFF, INVESTIGADOR
ASSOCIADO DO INSTITUTO DE CIÊNCIAS
SOCIAIS, DA UNIVERSIDADE DE LISBOA
E PRESIDENTE DO INSTITUTO CIÊNCIA HOJE 

sexta-feira, 29 de abril de 2011

Médico alerta para excesso de diagnósticos e exames preventivos

20/03/2011 - 17h19


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DÉBORA MISMETTI
EDITORA ASSISTENTE DE SAÚDE
Doenças devem ser detectadas o quanto antes, para que haja sucesso no tratamento, certo?
Não, segundo o médico americano H. Gilbert Welch. O especialista em clínica médica é autor de "Overdiagnosed", recém-lançado nos Estados Unidos.
No livro, Welch, pesquisador da Universidade Dartmouth, afirma que a epidemia de exames preventivos, ou "screening", como são chamados nos EUA, coloca a população em perigo mais do que salva vidas.
Citando pesquisas, ele mostra evidências de que muita gente está recebendo "sobrediagnóstico": são tratadas por doenças que nunca chegariam a incomodá-las, mas que são detectadas nos testes preventivos.
"O jeito mais rápido de ter câncer? Fazendo exame para detectar câncer, disse ele à Folha*, por telefone.
Divulgação
O médico americano H. Gilbert Welch, autor do livro "Overdiagnosed"
O médico americano H. Gilbert Welch, autor do livro "Overdiagnosed"
*
Folha - Como exames preventivos podem fazer mal?
H. Gilbert Welch - A prevenção tem dois lados. Um é a promoção da saúde. É o que sua avó dizia: "Vá brincar lá fora, coma frutas, não fume". Mas a prevenção entrou no modelo médico, virou procurar coisas erradas em gente saudável, virou detecção precoce de doenças. Isso faz mal. Não estou dizendo que as pessoas nunca devem ir ao médico quando estão bem. Mas a detecção precoce também pode causar danos.
De que maneira isso ocorre?
Quando procuramos muito algo de errado, vamos acabar achando, porque quase todos temos algo errado. Os médicos não sabem quais anormalidades vão ter consequências sérias, então tratam todas. E todo tratamento tem efeitos colaterais.
Há um conjunto de males que podem decorrer de um diagnóstico: ansiedade por ouvir que há algo errado, chateação de ter que ir de novo ao médico, fazer mais exames, lidar com convênio, efeitos colaterais de remédios, complicações cirúrgicas e até a morte.
Para quem está doente, esses problemas não são nada perto dos benefícios do tratamento. Mas é muito difícil para um médico fazer uma pessoa sadia se sentir melhor. No entanto, não é difícil fazê-la se sentir pior.
Os médicos dizem que a detecção precoce é essencial no caso do câncer. Mas você diz que é perigoso. Não se deve tratar qualquer tumor inicial?
Não. Se formos tratar todos os cânceres quando estão começando, vamos tratar todo o mundo. Todos nós, conforme envelhecemos, abrigamos formas iniciais de câncer. Se investigarmos exaustivamente vamos achar câncer de tireoide, mama e próstata em quase todos. A resposta não pode ser tratar todos e nem tratar todo mundo. Ninguém mais ia ter tireoide, mamas ou próstata. Câncer de próstata é o símbolo dessa questão.
Por quê?
Há 20 anos, um teste de sangue foi introduzido para detectar câncer de próstata. Vinte anos depois, 1 milhão de americanos foram tratados por causa de um tumor que nunca chegaria a incomodá-los. Esse teste é o PSA [antígeno prostático específico]. Muitos homens têm números anormais de PSA. Eles fazem biópsias e muitos têm cânceres microscópicos e fazem tratamento, o que não é mero detalhe. Pode ser retirada da próstata ou radioterapia. Isso leva, em um terço dos homens, a problemas sexuais, urinários ou intestinais. Alguns até morrem na operação. Não podemos continuar supondo que buscar a saúde é procurar doenças.
Qual é o impacto desses testes de próstata na população?
Um estudo europeu mostrou que é necessário fazer exames preventivos de PSA em mil homens entre os 50 e 70 anos, por dez anos, para evitar a morte por câncer de uma pessoa. É bom ajudar uma pessoa. Mas precisamos prestar atenção às outras 999. Por causa desses exames, de 30 a 100 homens são tratados sem necessidade.
As pessoas precisam refletir. Cada mulher pode decidir se quer fazer mamografia todo ano. Mas temo que estejamos coagindo, assustando e incutindo culpa nelas, para que façam mamografias.
Mas a detecção precoce não é o fator que mais reduz a mortalidade de câncer de mama?
Na verdade, não. Os esforços mais relevantes no câncer de mama vêm de tratamentos melhores, como quimioterapia e hormônios. Os avanços no tratamento nos últimos 20 anos reduziram a mortalidade em 50%.
O problema é se adiantar aos sintomas. Não há dúvida de que uma mulher que percebe um caroço deva fazer uma mamografia. Isso não é teste preventivo, é exame diagnóstico. Claro que os médicos preferem ver uma mulher com um pequeno nódulo no seio do que esperar até que ela desenvolva uma grande massa. A questão não é entre atendimento cedo ou tarde, mas entre buscar atendimento logo que você fica doente e procurar doenças em quem não tem nada.
Critérios usados em exames como de pressão e diabetes estão mais rígidos. Estão deixando todo mundo "doente"?
Sim. Somos muito tirânicos sobre saúde. O que é saúde? Se formos medicalizar a definição de saúde, seria: "Não conseguimos achar nada errado". A pressão está abaixo de 12 por 8, o colesterol está abaixo de tal valor, fizemos uma tomografia e não há nada de errado. Se essa virar a definição de saúde, pouquíssimas pessoas serão saudáveis. É certo tachar a maioria como doente? Saúde é muito mais do que a ausência de anormalidades físicas.
Por que essa conduta está se tornando dominante?
Os médicos recebem mais para fazer mais, o que ajuda a alimentar o círculo vicioso da detecção precoce. É um bom jeito de recrutar mais pacientes, de vender mais remédios ou exames. Nos EUA, há os problemas de ordem legal. Os advogados processam os médicos por falta de diagnóstico, mas não há punições para sobrediagnóstico.
E tem quem creia realmente na detecção precoce. Nunca se diz que há perigo nisso. Pacientes diagnosticados com câncer de próstata e mama por detecção precoce têm muito mais risco de serem sobrediagnosticados do que ajudados pelo teste. Quando você ouve histórias de sobreviventes de câncer, na maioria das vezes o paciente acha que sua vida foi salva porque ele fez um exame preventivo.
E isso não é verdade?
Ele tem mais chance de ter sido tratado sem necessidade. Histórias de sobreviventes geram mais entusiasmo por testes e levam mais pessoas a procurar doenças, gerando sobrediagnóstico.
O que fazer para evitar isso?
Um paciente nunca vai saber se recebeu um sobrediagnóstico. Nem o médico sabe. Não é preciso decidir para sempre se você vai ou não fazer exames. Mas todos os dias novos testes são criados. É preciso ter um ceticismo saudável sobre isso.
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CÂNCER E DIAGNÓSTICO
250 mil mulheres americanas são diagnosticadas com câncer de mama por ano; 40 mil morrem
24% das mulheres têm ao menos um resultado falso-positivo em mamografias, mostra pesquisa feita por 10 anos
186 mil homens são diagnosticados com câncer de próstata ao ano nos EUA; 29 mil morrem
Nenhuma morte por câncer de próstata foi evitada após 10 anos de exames preventivos
Fontes: "New England Journal of Medicine" e National Cancer Institute
*
RAIO-X
NOME E IDADE
H. Gilbert Welch, 55
FORMAÇÃO E ATUAÇÃO
Especialista em clínica médica, pela Universidade de Washington, professor e pesquisador da área de detecção precoce de doenças na Universidade Dartmouth
LIVROS
"Should I Be Tested for Cancer?" (UC Press 2004) e "Overdiagnosed", com Lisa Schwartz e Steven Woloshin (Beacon, 2011), US$ 14,70, (R$ 24,55), na Amazon

O projeto Serra de implodir o PSDB


Coluna Econômica - 29/04/2011 blog do Luís Nassif

Em 2008, quando abandonou o candidato natural do partido a prefeito, Geraldo Alckmin, para apoiar a candidatura de Gilberto Kassab, a suposta habilidade de Jose Serra foi enaltecida pela bancada da mídia.
Era um engano nítido, que rachava o partido sem nada agregar.
No plano nacional, a aliança com o DEM era sólida, não dependia da aliança paulista. No plano estadual, o DEM era um partido inexpressivo.
***
Não havia lógica partidária nem eleitoral que justificasse aquele movimento. Ao se definir por Kassab, o único objetivo de Serra foi o de tentar destruir a liderança de Alckmin no PSDB paulista.
Simultaneamente, os secretários mais ligados a Serra passaram como um trator por cima dos correligionários de Alckmin.
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Assim como no xadrez, na política jogadas erradas comprometem o restante do jogo
Ao relento, Alckmin ficou exposto ao assédio do governador mineiro Aécio Neves. Para impedir a consumação aliança entre ambos, Serra se viu compelido a convidar Alckmin para assumir a Agencia Paulista de Desenvolvimento.
Foi uma jogada tática, de quem não consegue enxergar mais que uma semana na frente, um erro para corrigir o erro inicial e que não apagou as mágoas recíprocas. Alckmin preservava a amizade e lealdade dos prefeitos do partido, enquanto dia a dia Serra criava conflitos por sua grosseria e falta de atenção aos correligionários.
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Na pré-eleição foi a vez de Serra implodir com a candidatura de Aécio Neves, ao impedir as prévias eleitorais.
Durante a campanha eleitoral, Alckmin foi o mais fiel dos cabos eleitorais de Serra. Em todos os momentos defendeu o legado de FHC, percorreu o estado com Serra, dentro das normas de lealdade partidária que cimentam os partidos.
Terminadas as eleições, tratou de passar como um trator sobre os quadros serristas remanescentes na administração estadual.
De seu lado, no plano nacional Serra foi colecionando enorme lista de desafetos no PSDB (Sérgio Guerra), no DEM (Rodrigo Maia, João Alves). Hoje em dia, o DEM caminha para os braços de Aécio e os seguidores de Serra no Congresso Nacional se resumem a dois ou três deputados.
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Perdendo o controle do PSDB nacional, sem chances junto ao PSDB estadual, a saída encontrada por Serra foi ajudar a implodir o partido, dando gás à aventura do prefeito paulistano Gilberto Kassab, de fundar o PSD.
Qual a lógica política que move Serra? Novamente nenhuma. O PSD vai sangrar o PSDB e o DEM de políticos ansiosos por engrossar a base de apoio do governo federal. Vai minguar ainda mais a oposição, peça essencial em qualquer jogo democrático.
Enquanto Fernando Henrique Cardoso tenta de todos os modos manter a unidade partidária, Serra se compraz com os problemas que trouxe para seus adversários dentro do partido – ainda que à custa do próprio sacrifício do PSDB e do enfraquecimento da oposição.
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Durante as eleições era mais difícil identificar o verdadeiro perfil de Serra. Passado o período de guerra, consolida-se como o mais deletério personagem da história política contemporânea.
Tenta implodir o PSDB quando o partido poderia renascer sob nova direção.